Por: Rangel Alves da Costa*
SOCÓ FOI VINGAR LAMPIÃO (E NÃO VOLTOU)
Quando a notícia sobre a morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, bateu às portas da povoação, Socó ficou em tempo de endoidar. Se já era tido como adoidado, tomado de maluquices, então a insanidade se fez completa. Desesperado, colocou a mão na cabeça, puxou tufos de cabelo, esperneou, gritou e chorou.
Socó não podia acreditar no que tinha ouvido. Não podia ser verdade que a volante do Capitão João Bezerra, vindo dos lados de Piranhas e atravessando o São Francisco na escuridão da madrugada, tivesse alcançado a Gruta do Angico, já no lado sergipano, e matado parte dos cangaceiros que estavam ali acoitados, principalmente o rei e a rainha do cangaço.
Conhecia Lampião e Maria Bonita, até já havia ficado pertinho deles lá na casa de Seu China e Dona Marieta numa das vezes que o bando havia parado para repouso ali em Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo. Pela fresta da porta da cozinha, silenciosamente escondido, viu quando o dono da casa fez a entrega ao capitão de um carregamento de munição. Noutro saco num canto certamente estavam muitas armas.
Depois desse momento tomou indescritível afeição pelo bando de cangaceiros e principalmente pelo seu comandante. Toda tarde ia à bodeguinha de China falar sobre o homem, perguntar aonde devia estar naquele momento, fazendo o que e quando voltaria por ali novamente. E dizia que só não ia ser também cangaceiro porque tinha medo de lua cheia. O seu juízo apertava demais nessa época, ficava querendo voar para fugir do aperreio que lhe afligia.
China sorria com o desajuizado, gostava de sentir sua inocência, mas explicava tudo certinho, de modo que saísse dali entendendo o que acontecia mundo afora. E foi o próprio amigo que percebeu que naquele dia da chegada da notícia da chacina ali pertinho, na beirada do rio, que Socó parecia fora de si. E viu-o correndo de um lado a outro, desesperadamente gritando que não deviam ter feito aquilo com seu amigo Lampião.
De repente China percebeu que ele tinha subido numa pedra grande que havia no centro da povoação e lá em cima, de braços abertos e esbravejando, dizia aos gritos que naquele mesmo instante ia entrar na caatinga, correr o sertão todinho se fosse preciso, procurando debaixo de cada loca ou esconderijo, onde quer que fosse, mas iria encontrar aqueles covardes assassinos e vingar a morte do seu amigo.
Desceu da pedra e saiu em disparada, descalço, com calça grossa salta riacho e camisa volta-ao-mundo. Catou um pedaço de pau que encontrou, deu adeus ao amigo China e descambou pro lado do riachinho e de lá, sempre correndo, seguiu por uma estradinha de barro. Da porta da bodeguinha, ainda entristecido com a notícia, China nem pensou em chamá-lo para perguntar o que pensava em fazer. Não adiantava, pois Socó estava mesmo decidido a vingar Lampião.
Mais adiante na estradinha, sem sentir a terra esturricada, o calor apavorante, o sol queimando a moleira, e muito menos as pontas das pedras miúdas e os tantos espinhos, resolveu entrar no mato, no mundo da catingueira, do angico, do mandacaru e xiquexique, e começou a gritar que se fossem homens de verdade então aparecessem. Alucinadamente gritava pela volante de João Bezerra, naquele instante bem distante dali comemorando a morte do rei dos cangaceiros.
Com os braços nus afastava as galhagens, se lanhava todo, enchia o corpo de espinhos; catava pedras e jogava nas moitas, nos tufos de plantas, em qualquer mataria mais fechada que avistasse. E gritava que os covardes saíssem dali para ver o que era bom pra tosse, pois haviam acabado com a vida de um homem bom e ele estava ali com a cara de sol, a coragem de bicho e as armas de São Valentim para dar fim a todos eles.
E foi entrando cada vez mais pela mata, pelos desconhecidos, desesperadamente em busca de vingança. Cansado, sentou numa pedra e começou a chorar. Perguntou ao calango se tinha visto a volante, perguntou ao cágado pra qual lado a macacada assassina tinha seguido, perguntou ao preá em qual toca eles estavam escondidos.
Como nada respondia, levantou raivoso e disse que ia perguntar ao próprio Lampião o que fazer para encontrar seus assassinos. E achava que Lampião estava no céu. E subiu num penhasco para voar até lá.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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