Por: Antonio dos Santos de Oliveira Lima
Lampião só reconheceu ter sofrido uma única derrota em vida: em 13 de Junho de 1927, quando foi posto para correr de Mossoró. Foi quando se viu que ele não era invencível. Tanto que, após o episódio, o cangaceiro tomou um chá de sumiço.
Ele desaparece de qualquer registro histórico por um ano. Lampião também deixa de atuar nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Só em 28 que se têm notícias dele, pelos lados do Raso da Catarina, na Bahia.
A passagem de Virgulino Ferreira da Silva pela Capital do Oeste potiguar, tornou-se capítulo obrigatório em qualquer obra sobre o tema. Pelo menos as que se prezem.
De acordo com os estudos, da entrada de Lampião no território potiguar até o assalto a Mossoró, o bando gastou cerca de três dias. Da noite de 9 para 10 de Junho, os cangaceiros entraram em território potiguar, por Luís Gomes. No dia 12, chegou ao povoado de São Sebastião, hoje a cidade de Dix-sept Rosado. De lá, foi enviado um telegrama para Mossoró, avisando sobre a chegada do bandido. O prefeito organizou então um êxodo, montando as trincheiras para recepcionar os invasores.
O apito da locomotiva da rede ferroviária suplantava o pânico dos mossoroenses. Os trens começavam a se movimentar, conduzindo famílias e quantos quisessem fugir de Mossoró. Durante toda a noite e na manhã seguinte, a ferrovia permaneceu ininterruptamente agitada.
Esvaziar a cidade foi uma grande estratégia do então prefeito Rodolfo Fernandes. Assim, quem ficou para o combate não ficou preocupado com a própria família, que estaria em casa.
Na vila de São Sebastião, Lampião havia incendiado um vagão de trem cheio de algodão e depredado a estação ferroviária. Havia também arrasado a sede do telégrafo uma modernidade sempre combatida pelo chamado rei do cangaço, na tentativa de impedir que o seu paradeiro fosse sendo informado e ajudasse a polícia a persegui-lo.
Até as primeiras horas da manhã do dia 13, muita gente havia deixado suas casas em Mossoró, que à época tinha cerca de 20 mil habitantes, hoje, são 250.000.
A força policial era composta por 22 soldados. O temor ao famoso cangaceiro não era brincadeira. Duas mulheres em pleno serviço de parto foram retiradas em macas para a cidade de Areia Branca, a quilômetros dali. Mas o esvaziamento não era só fruto do pânico. A estratégia da prefeitura que havia conseguido ajuda oficial em armas e munição, mas, não em combatentes era manter na cidade apenas os habitantes que estivessem armados.
O governo do Rio Grande do Norte, José Augusto, não acreditava que Lampião invadisse Mossoró, mas o Governo do Ceará, Moreira da Rocha forneceu armas e munição. Quanto mais vazio o lugar, na avaliação do coronel Rodolfo Fernandes, maior a chance de repelir o bando de cangaceiros.
Fazia tempo que Lampião planejava encarar o desafio de invadir Mossoró. O ataque foi idealizado pelo cangaceiro potiguar Massilon Leite Benevides, conhecedor da região.
Massilon confiava na negligência da população, que não acreditava num ataque de Lampião. Pouco antes de chegar à cidade, quando já estava no Sítio Saco, Lampião enviou o primeiro bilhete chantageando a prefeitura. Nele, pedia a quantia de 400 contos de réis para não atacar o município, um valor pelo menos dez vezes superior ao que costumava exigir em ocasiões semelhantes.
Na tarde de 13 de Junho, feriado de Santo Antônio, ele e o bando já se encontravam nos arredores do município potiguar. Com a negativa, vem o segundo bilhete ameaçador e a resposta: Lampião podia vir que o que tinha separado para ele era bala.
Sem resposta ao primeiro comunicado, Lampião, já impaciente, bufando de raiva, manda um segundo aviso.
”Cel. Rodolpho",
estando eu aqui pretendo é drº (dinheiro). Já foi um a viso, ai pª (para) o Sinhoris, si por acauso rezolver mi a mandar, será a importança que aqui nos pedi. Eu envito (evito) de Entrada ahi porem não vindo esta Emportança eu entrarei, ate ahi penço qui adeus querer eu entro e vai aver muito estrago, por isto si vir o drº (dinheiro) eu não entro ahi, mas nos resposte logo”.
Cap. Lampião.
"Virgulino, lampião. Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando na mesma.
"Rodolfo Fernandes"
O coronel Rodolfo Fernandes e seus homens disseram não a Virgulino, para surpresa do mais temido cangaceiro de todos os tempos. A cidade tinha o dinheiro, informou o prefeito. Mas Lampião teria que entrar para apanhá-lo.
Às 16 horas daquele dia 13, caía uma chuvinha fina e havia uma neblina de nada sobre Mossoró. Foi quando os primeiros estampidos de bala ecoaram.
Lampião tinha 53 cangaceiros no seu bando. Não imaginava, porém, que iria enfrentar pelo menos 150 homens armados na defesa da cidade.
À tarde, por volta das 16h, começou o ataque. Lampião dividiu o bando em três grupos. Um atacou a casa do prefeito; outro a estação ferroviária; o terceiro rumou para o cemitério. Com a resistência armada, o bando recua cerca de uma hora após o início do conflito. Ficam para trás Colchete, morto, e Jararaca, ferido com um tiro no peito. Este último seria assassinado no dia seguinte e virou elemento de culto pelo povo da cidade.
No ataque, Lampião perdeu importantes cabras de seu bando. Colchete teve parte do crânio esfacelado por balas. E Jararaca, depois de capturado, foi praticamente enterrado vivo. Em menos de uma hora após o início da luta, sentiu que dominar a cidade seria praticamente impossível.
Ordenou então a retirada da tropa, para evitar a perda de mais homens e não manchar ainda mais sua reputação. A partir desse momento a estrela do bando lentamente passaria a brilhar cada vez menos.
O mito do Lampião invencível caíra por terra, o que reanimou a força policial, que passou a enfrentar o rei do cangaço com menos temor. Era o começo do declínio da carreira de Virgulino. Por causa do desastre no Rio Grande do Norte, as deserções no grupo foram consideráveis.
Mossoró, cidade conhecida por marcas pioneiras (como quando foi o primeiro município brasileiro a admitir o voto feminino de Celina Guimarães Viana, em 1934), passaria também à história por esse acontecimento que assombrou todo o Nordeste.
Até hoje, os filhos daquela terra se orgulham do feito de braveza ao contar que seus antepassados botaram Lampião para correr. Os inimigos do cangaceiro, entretanto, ainda teriam que esperar mais 11 anos pela morte do capitão, assassinado na chacina da gruta de Angicos, em Sergipe.
Lampião continuou sua carreira de invasões e arruaças até ser morto por um grupamento da Polícia Militar alagoana em 28 de Julho de 1938, na fazenda de Angicos, no município de Poço Redondo, Sergipe.
Com ele morreram: sua mulher, Maria Bonita, e os cangaceiros Luís Pedro, Mergulhão, Elétrico, Quinta-Feira, Caixa de Fósforo, Enedina, Cajarana e Diferente, todos mortos pelas volantes do tenente João Bezerra.
Os que escaparam da chacina, posteriormente se entregaram lá em Jeremoabo, ao capitão Anibal Ferreira, que em vez de usar a razão, usou o seu nobre coração, liberando todos, e os encaminhando para voltarem à sociedade de homens trabalhadores e honestos.
Após o massacre de Angicos, apenas os grupos de Moreno e do cangaceiro Corisco insistiam em sobreviver. Mas vendo que sem Lampião não dava para continuar o seu movimento, no dia 02 de fevereiro de 1940, finalmente Moreno desistiu do cangaço, ficando no anonimato por quase setenta anos, sendo encontrado pelo pesquisador João de Sousa Lima.
Mas teimosamente, o cangaceiro Corisco tentava segurar o movimento social do seu rei, do seu companheiro e grande amigo, o Lampião.
Mas por má sorte, no dia 25 de maio de 1940, finalmente Corisco foi assassinado pelas armas do tenente Zé Rufino, lá em Brotas de Macaúba e enterrado em Jeremoabo, no Estado da Bahia.
Com ele foi sepultada a “Empresa de Cangaceiros Lampiônica & Cia", que com amor, Lampião a administrou com prazer, boa extratégia e sabedoria.
Os mortos foram decapitados e suas cabeças ficaram expostas nas escadarias da igreja matriz de Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas.
Luiz Gonzaga, com sua irreverência Cantava: “Lampião nera tão valente assim, levou uma carreira dos cabras de Mossoró. O pique foi tão danado que lascou o mocotó. Em 28 de Julho, do ano de 38, na Fazenda Angicos, em Sergipe, o Lampião se apagou, outros lampiões ficaram e matando muito mais de gravata e jaquetão”.
Palco de uma batalha perdida pelo bando de Lampião, a cidade de Mossoró organiza todos os anos "O Auto da Liberdade", que é um espetáculo teatral e musical Inspirado em quatro fatos históricos da cidade. O auto mostra a saga dos movimentos libertários e de vanguarda da cidade; o Motim das Mulheres (1875); a Abolição da Escravatura (1883); a Resistência ao bando de “Lampião” (1927); e o primeiro Voto Feminino da América Latina (1928).
O nome do pernambucano e ex-soldado do Exército, Jararaca era José Leite de Santana. Ele tinha apenas 22 anos, nos registros policiais, contudo, aparece com 26. Mesmo com um rombo de bala no peito, conseguiu gargalhar durante uma entrevista na cadeia. O cabra de Lampião dizia que era por causa das lembranças divertidas do cangaço. Fato é que, na cadeia, Jararaca virou atração pública na cidade potiguar.
Quando já apresentava alguma melhora do ferimento, mesmo sem ser medicado, ouviu que seria transferido para a capital, Natal. Era mentira. Alta noite, da quinta para a sexta-feira, 18 de Junho, levaram Jararaca para o cemitério, onde já estava aberta sua cova. Pressentindo a armação, Jararaca diz: "- Sei que vou morrer. Vão ver como morre um cangaceiro!"
O capitão Abdon Nunes, que comandava a polícia em Mossoró, relatou dias depois os momentos finais do capanga de Lampião: Foi-lhe dada uma coronhada e uma punhalada mortal. O bandido deu um grande urro e caiu na cova, empurrado. Os soldados cobriram-lhe o corpo com areia. Pelas circunstâncias da morte, o túmulo de Jararaca virou local de romaria.
Até hoje as pessoas rezam e fazem promessas com pedidos ao cangaceiro executado que virou santo. Na terra do sal, do petróleo e da liberdade, Deus e o Diabo ainda andam juntos.
Dr. Lima
Cruz - Ceará
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