Por: Rostand Medeiros
Sempre que leio algo relacionado a figura histórica de Djalma Maranhão, se torna sempre um exercício maravilhoso descobrir suas ações e realizações.
Djalma Maranhão é aquele ex-prefeito de Natal que queria ensinar os pobres a aprender a ler com escolas simples e práticas, que levava livros para os mais humildes em bibliotecas públicas volantes, que despachava em plena rua no meio do povo de sua querida cidade.
O Prefeito Djalma Maranhão – Fonte - http://www.onordeste.com
Mas a mim espanta suas ações voltadas para o setor da cultura, principalmente com a realização dos Festivais de Folclore de Natal da década de 1950.
Ao ler o que ocorria naquele tempo e comparando as atuais ações governamentais a cultura popular em terras potiguares, me espanta como regredimos, como andamos para trás, como nós tornamos tão atrasados.
NOTÍCIAS VINDAS DO RIO GRANDE DO SUL
Devido aos inúmeros contatos conseguidos através do nosso blog “Tok de História”, conheci via e-mail o gaúcho Paulo Sergio Cardoso Schröder. Este funcionário público de Porto Alegre tem uma verdadeira adoração pela capital norte-rio-grandense, cidade que conheceu primeiramente através dos relatos do seu falecido pai, que aqui trabalhou na Base Aérea de Natal. Informou-me que seu genitor foi um assíduo espectador destes festivais, admirava as nossas danças e visitava a comitiva Sul-rio-grandense quando eles estavam em nossa cidade.
Confesso que quando ele me enviou uma mensagem informando sobre estes eventos eu fiquei intrigado. Daí o Paulo me comentou que tinha vários recortes de jornais gaúchos e de outros estados comentando a repercussão das apresentações ocorridas nestes festivais.
Diante do meu interesse e desconhecimento ele escaneou o material e enviou tudo via e-mail.
O que li me espantou.
O primeiro festival havia sido realizado em 1956, o segundo em 1957 e o terceiro no ano seguinte, sempre nas últimas semanas de dezembro. Com seu espirito empreendedor, Djalma Maranhão convidava várias delegações dos estados brasileiros para apresentações folclóricas, debates, conhecer as nossas tradições, etc. A então capital natalense, com pouco menos de 160.000 habitantes, se engalanava e recebia seus visitantes.
Ao realizarem uma análise do evento de 1958, os jornais gaúchos apontavam o prefeito Djalma Maranhão como sendo “o primeiro e único dos prefeitos brasileiros a trilhar este esplêndido caminho. Exemplo que dada a importância do folclore para o conhecimento profundo do povo, merecia ser seguido por numerosos outros administradores, nos vários recantos do país” (Ver o jornal “A Hora”, Porto Alegre, 29 janeiro de 1959).
Em 1958 a delegação do Rio Grande do Sul era comandada por Carlos Galvão Krebs, então diretor do Instituto de Tradição e Folclore. Eles realizaram uma concorrida exposição nos jardins do Teatro Alberto Maranhão sobre a cultura de sua terra. Entre o material exposto estavam pinturas de artistas gaúchos como Carlos Scliar. Houve até uma canja nos jardins do teatro com musicas e danças gaúchas.
Dança gaúcha com a participação de Isolde Helena Brans e Antônio Augusto da Silva Fagundes, nos jardins do Teatro Alberto Maranhão
Naquele ano o pessoal do sul aproveitou e foi até mesmo conhecer uma salina em Macau e uma vaquejada. Esta última ocorreu em uma propriedade rural próxima a cidade de Ceará Mirim e o grupo foi recepcionado pelo prefeito Roberto Varela. O próprio Krebs chegou a escrever uma interessante reportagem comparativa entre o trabalho do vaqueiro encourado nordestina e o vaqueiro dos Pampas (publicada no jornal porto-alegrense “Correio do Povo”, edição de 25 de janeiro de 1959).
MOVIMENTAÇÃO FOLCLÓRICA NA CAPITAL POTIGUAR
Mas os jornais gaúchos não comentaram apenas sobre a passagem dos membros do Instituto de Tradição e Folclore do Rio Grande do Sul por terras natalenses. Trazem muitos detalhes sobre os acontecimentos do festival e sua repercussão entre os potiguares.
Em um restaurante típico da capital potiguar, o prefeito Djalma Maranhão apresenta uma tradicional caranguejada
Na programação do segundo Festival, traçada por Djalma Maranhão, constava a exibição de inúmeros folguedos, principalmente na noite de 24 de dezembro. Os jornais gaúchos descreveram uma marca muito interessante destes eventos: a existência de vários palcos espalhados em diversos pontos da capital.
Havia as apresentações no Teatro Alberto Maranhão, mas eram em simples tablados de madeira, espalhados em bairros de gente humilde e naquilo que então era denominado de periferia, que as manifestações brilhavam com mais intensidade.
Havia no centro da cidade, em plena Avenida Rio Branco, com o comércio aberto para aproveitar as compras de fim de ano, o palanque apresentando a desenvoltura do Fandango do Alto do Juruá. Ocorriam apresentações de Lapinha na Avenida Presidente Quaresma, no bairro do Alecrim, ou quem estivesse no então periférico bairro de Lagoa Seca poderia assistir um tradicional Pastoril, ou ver uma Chegança no pouco povoado Morro Branco. Tinha ainda o Bambelô de Mestre Calixto no Canto do Mangue e o Boi Calemba no tradicional bairro das Rocas.
Temos relatos que havia apresentações do Congo de Calçola, Congos de Saiote, do Congo de Rêgo Moleiro e da tradicional Chegança do bairro das Rocas. A dança da Araruna, certamente com a participação do falecido Mestre Cornélio Campina, apresentada pela Sociedade Araruna de Danças Antigas, foi também comentada.
Luiz da Câmara Cascudo conhecendo aspectos do folclore gaúcho em terras potiguares
Na opinião dos jornalistas do sul do país o que Djalma Maranhão fez de mais interessante foi oficializar e incentivar os muitos grupos folclóricos que havia na cidade, criando condições ara a realização de apresentações na época dos festejos juninos e nos autos de natal.
Além de incentivar os grupos, o prefeito apoiava as principais sociedades folclóricas. Além do grupo Araruna havia o Camaleão de Igapó, o Caranguejo, o Arraial de Luiz Antônio, o Pastoril Sempre Viva e o Pastoril Asa Branca.
Informam os jornais que em muitas destas apresentações havia inicialmente uma pequena palestra introdutória realizada pelo escritor, educador e bacharel Moacyr de Góes, que na época era Chefe de Gabinete do Prefeito Djalma Maranhão.
Sobre estes simples palcos, só posso comentar que eles em nada se comparam aos atuais palcos “high tech”, para apresentações de novas bandas musicais de gosto extremamente duvidoso, ditas “da terra”. Estas bandas são mostradas como “um ação para divulgar a nossa cultura para o povo” e contratados a preço de ouro pelos governos locais, onde casos recentes apontam que muito do ouro público acaba escorrendo em falcatruas terríveis.
Contam os jornais gaúchos que no Festival de 1957 houve até mesmo uma “serenata sentimental”, a meia noite, na Praça André de Albuquerque.
Mesa de debates sobre folclore
Já no terceiro festival, um dos pontos altos comentados foi o lançamento no dia 30 de dezembro de 1958, na livraria Ismael Pereira, do livro “Superstições e Costumes”, de Luiz da Câmara Cascudo. Não podemos esquecer que o dia 30 de dezembro também se comemorava o aniversário do autor.
E TUDO SE PERDEU!
Apesar da gentileza do amigo gaúcho Paulo Schröder em passar este maravilhoso material, estas manchetes acabaram gerando uma situação complicada para mim; tentar explicar porque nada disso existe mais em Natal!
O Paulo já esteve visitando a nossa quente terra e conheceu suas belezas, mas pouco viu de sua cultura popular. Apenas teve de se contentar com as interessantes, mas limitadas, apresentações folclóricas da casa de espetáculos “Zás-Trás”, que inclusive já cerrou as suas portas.
Uma das explicações ao amigo gaúcho estava apontada na declaração de Gumercindo Saraiva, em uma reportagem intitulada “As tradições do ciclo natalino”, publicada no jornal potiguar “Tribuna do Norte”, edição de 6 de dezembro de 1981.
Neste trabalho Gumercindo comentava que naquele ano “A Prefeitura Municipal (de Natal) já não se entrosa com os folguedos e a Fundação José Augusto (entidade do governo estadual potiguar destinada a incentivar a cultura) nada pode fazer, uma vez que não dispõem de assessores interessados em conhecer Fandangos, Pastoris e Congos”.
Se há trinta anos o desinteresse governamental já era assim, imaginem agora!
Não posso esquecer que neste nosso blog “Tok de História” apresentei um texto onde elogiava a iniciativa do atual governo do nosso estado, de enviar os nossos poucos grupos folclóricos atualmente existentes, para participarem de um festival de folclore em São Paulo. Já no começo do referido texto perguntava se esta ação seria “A mudança de um triste quadro?”.
Confesso que não sei responder.
Para martelar o último prego do caixão, me lembro de que há poucos anos levei um valente VW Santana que possuía, para concertar o motor de partida com o competente mecânico Biró, lá no bairro das Rocas. Ele é um homem enorme, da voz grossa, gestos tranquilos, extremamente competente no que realizava, que havia sido jogador do ABC F.C. (se não estou enganado) e me contou que adorava estas manifestações do folclore popular da época de Djalma.
Maneira como Natal era apresentada turisticamente naquela época
Em meio ao concerto e ao bate papo ele me narrou que pertinho de sua oficina morava uma idosa senhora que nas priscas eras de Djalma Maranhão cansou de receber o Prefeito em sua casa e apresentar com extremo orgulho pela capital potiguar um belo Pastoril. Biró comentou que o grupo era uma verdadeira maravilha.
Mas o tempo passou, Djalma Maranhão morreu no exílio, o incentivo a cultura popular mingou e a pobre senhora era a pura melancolia agarrada as suas memórias.
Para aqueles que pensam que estas manifestações folclóricas incentivadas por Djalma Maranhão são “coisas de velho”, que hoje as modernas bandas de forró eletrônico são o que “o povo quer ouvir”, aconselho a dar uma olhadinha no que acontece em Pernambuco.
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Extraído do blog: "Tok de História", do historiógrafo e pesquisador do cangaço
Rostand Medeiros
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