Por José Romero Araújo Cardoso
Para Dr. Almir
Castro (In memoriam) e Dr. Avelino Elias de Queiroga (In memoriam)
Dr. Aristeu levantou-se da cama e foi se refrescar no terraço de sua casa. Não
estava aguentando o calor insuportável que fazia naquela madrugada sertaneja.
Talvez o vento de Aracati aplacasse aquela quentura insuportável. O ventilador
que possuía tinha doado a um senhor de idade avançada que estava internado no
hospital. Humanista ao extremo, era impossível dispor de um ar-condicionado que
pudesse lhe proporcionar melhor qualidade de vida. Tudo que possuía dispunha
aos semelhantes. Filas se formavam na porta de sua casa, pois nada cobrava
pelos serviços médicos. Apenas contava com o minguado salário como médico na
unidade de saúde do município sertanejo em que residia.
Fazia pouco tempo que havia chegado de um plantão, cujas ocorrências tinham
sido bastante intensas. Finalmente quando ia adormecendo, ouviu umas batidas
discretas no portão da casa. Atendeu prontamente quem solicitava entrar. Era
uma menina magrinha, a qual talvez contasse uns 13 nos, pedindo-lhe pelo amor
de Deus para socorrer a mãe que estava muito doente.
Imediatamente, Dr. Aristeu tirou da garagem o velho corcel modelo 1967, um dos
poucos bens que possuía, colocou a garotinha no banco do passageiro e pediu-lhe
para mostrar onde sua mãe morava.
Indagando-lhe sobre como chamava-se, descobriu que o nome da menina era
Rosália. Em seguida pediu-lhe para mostrar o caminho, rumando para a zona rural
a fim de implementar procedimentos médicos a fim de salvar a vida da mãe de
Rosália.
Pela estrada poeirenta, o carro rodou cerca de 45 quilômetros, até chegarem a
uma humílima casinha de taipa perdida nas quebradas do sertão. A situação de
necessidade era vislumbrada a olhos vistos, pois quase nada de bens materiais
encontrava-se naquela pobre moradia.
No único quarto existente na pequena tapera, Dr. Aristeu encontrou a pobre
mulher, cuja idade em torno de 45 anos não correspondia ao aspecto físico
apresentado, deitada em uma cama tosca, contorcendo-se de dores.
Não demorou para que o experiente médico constatasse que aquela mulher estava
sofrendo de forte e aguda crise de vesícula, mal que realmente a acometia
imemorialmente, mas aquela prova de fogo pela qual estava passando era uma das
piores que já enfrentara em sua atribulada existência marcada pelas privações.
A situação era tão grave que tudo estava no escuro, pois a sofrida mulher não
tinha recursos nem para comprar querosene para colocar nas lamparinas e, dessa
forma, iluminar a casinha onde morava.
Procedimento médicos tinham que ser realizados imediatamente, mas havia a
necessidade de iluminar o ambiente. Dr. Aristeu, então, foi ao carro e pegou um
instrumento de metal, tipo picareta, o qual colocava para eventualidades ou
imprevistos envolvendo o veículo, como atoleiros ou acidentes dentro de
buracos, passando a romper a fina parede de barro, tendo conseguido sem muito
esforço.
Em seguida ligou os faróis do carro e começou a realizar seu trabalho médico,
não tendo demorado muito para que os efeitos começassem a ser notados. A pobre
mulher reagia formidavelmente aos medicamentos ministrados pelo médico, pois as
dores insuportáveis começavam a desparecer gradativamente.
Dr. Aristeu notou ainda que o mal que a acometia não era apenas vesicular, mas
também fome parecia minar suas forças, lembrando-se, então, que a janta
preparada pelas cozinheiras do hospital em uma marmita, pois não tinha tido
tempo de alimentar-se normalmente, ainda estava no carro.
Correu até o veículo e constatou que a marmita ainda estava no banco traseiro
do velho corcel que tanto tem sido útil em sua profissão maravilhosa, bem como
nos raros momento de lazer. Apanhou-a e levou-a para a mulher, a qual,
finalmente, depois de dias, tinha um alimento saudável para saciar a fome atroz
que a acometia de forma intensa.
Mais ou menos uma hora depois da realização do procedimento médico e de sua
alimentação digna para um ser humano, a mulher foi recobrando todos os
sentidos, notando que um médico havia salvo sua vida.
Mas como um discípulo de Hipócrates tinha lhe encontrado naquele estado
deplorável de saúde em tão esquecidos ermos das quebradas do sertão, perguntou
a si mesma a mulher, fazendo a indagação ao médico a sua frente.
Dr. Aristeu contou-lhe então a história da menina magrinha que havia lhe
procurado, pedindo pelo amor de Deus para salvar sua mãe enferma, dizendo-lhe
que a mesma chamava-se Rosália.
A mulher caiu em prantos, soluçando de forma incontrolável e despertando a
atenção do médico, o qual pediu-lhe para dizer a razão por que tinha entrado
naquele estado tétrico e preocupante.
Depois de algum tempo, após recobrar a razão, a mulher disse-lhe ser viúva e
que tinha uma filhinha de 13 anos, chamada Rosália, mas que esta havia falecido
de fome e de sede na seca de 1958.
Atônito e surpreso, ao mesmo tempo, Dr. Aristeu, naquela madrugada sertaneja
quente e abafada, converteu-se ao Espiritismo Kardecista e intensificou sua
luta humanista em prol do bem-estar dos seus semelhantes.
[1] Baseado em
fato real.
José Romero
Araújo Cardoso:
Geógrafo
(UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em
Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente
é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia
Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste,
temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e
articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do
Oeste Potiguar (ICOP). Membro da Associação dos Escritores Mossoroenses
(ASCRIM).
Endereço
residencial:
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Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN –
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