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sábado, 5 de novembro de 2016

SERTÃO - PAZ DE SILÊNCIO E LUA

*Rangel Alves da Costa


Tenho nos meus arquivos diversas fotografias de casas, casinhas e casebres sertanejos, bem como de paisagens tipicamente nordestinas, onde se sobressaem as cactáceas e a deslumbrante e árida natureza. Todas retratadas durante minhas andanças pelas estradas, veredas e caminhos de meu sertão sergipano, lá nas distâncias matutas de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, terra onde orgulhosamente nasci.

Na verdade, tais retratos não servem apenas como recordação, mas muito mais que isso. Servem como reencontro quando distante estou ou como presença quando assim quero sentir. Através deles me aproximo cada vez mais do mundo que um dia desejo ter. E meu desejo maior é um dia retornar ao berço de nascimento e me embrenhar no mato para fixar moradia. Viver humildemente numa casinha singela, na paz de silêncio e lua.

Na paz de silêncio e lua e no contentamento de leveza e sol. Nada melhor que encontrar - toda vez que abrir a porta - o alvorecer de canto passarinheiro, o farfalhar das folhagens, o brilho do sol se alastrando pelos quadrantes, o bicho que passa, o vento que sopra, a lua que desponta na boca da noite. Ouvir ainda o rangido de um carro-de-bois, um berro pelos arredores, o trinar do tem-tem, pássaro mensageiro, avisando do estranho que ao longe vem ou que já se aproxima.

Não ter preocupações maiores senão aquelas de viver e sobreviver. Uma sobrevivência sem nada além do necessário para afastar a fome e a sede. Uma vivência de luz de candeeiro, de café preparado em fogo de chão, de quartinha à janela e pote molhado d’água. Remendar gravetos, recortar o vento, esverdear a folha seca, marcar o chão no passo andante. Um viver apenas disso e num mundo que não desejará mais que isso.

Sim, também coisas essenciais. Meus livros, meus cadernos de rabiscar, minha Bíblia Sagrada, meu terço, meu oratório. A vela na lua, a vela no sol, a fé por todo lugar. Um tamborete para o visitante sentar, uma goiabada para oferecer. Ou talvez uma casca de pau para aqueles que preferem outro sabor. E minha rede. Ou minhas redes. Rede no sombreado do alpendre (se houver), rede debaixo do pé de pau mais adiante.


Por isso mesmo que ontem escrevi um pequeno texto onde já me via como vivente daquele mundo tão diferente a muitos, mas tão meu de nascimento, de amor, de coração. Tendo na mente uma daquelas casinhas, com olhar fixo na sua simplicidade, reconhecendo-me em tudo pelos arredores, assim registrei:

“Pode chegar. Não se preocupe com a porta fechada. Estarei aí dentro ou conversando com as pedras ou os bichos pelos arredores. Um dia, somente aí, ou numa casinha assim no meio do meu sertão, você poderá me encontrar. Faça uma visitinha para ler um Salmo, para ler nos meus olhos a alegria do mundo...

Pode chegar. Não se preocupe com a simplicidade do lugar, da moradia, do arranjado. O sertão nasceu e em muitos lugares ainda vive num mundo assim, no barro e cipó. Mas o prazer de se estar não é pelo luxo encontrado, mas pela acolhida do morador. Eis o pão de toda acolhida: o coração que se compraz em receber...

Pode chegar. Não se preocupe com o que possa ouvir de minha voz. Noutro mundo deixei os frios conceitos e as rebuscadas e desnecessárias palavras. Desaprendi por prazer, pois há prazer muito maior em ser apenas a voz do irmão. Qualquer palavra serve para dizer, qualquer dizer serve para ouvir. Mas preciso de sua sabedoria, pois nada sei além de imaginar uma frágil sabedoria. É a sabedoria do homem, do sertanejo, do mundo-sertão, que quero aprender cada vez mais...

Pode chegar. Não se preocupe se pareço um velho monge recluso em medieval monastério. É que cansei do mundo lá fora, das falsas pessoas de lá fora, das mesmices entediantes de lá fora. É que prefiro o silêncio e a solidão. E assim quero meu mundo até que o bom amigo chegue para me dizer: “Que bom reencontrá-lo!”. E eu acrescentar: “Assim a vida. Mas sou eu que enfim me encontrei!”.

E lá estarei esperando sua visita. Nada leve como presente. Mas não vá sem o abraço, sem o sorriso, sem a boa palavra, sem a nobreza do coração. Lá estarei um dia. Espero sua visita. Não se preocupe com o pássaro tem-tem, ele pensará que você é pessoa estranha. Mas creia: Você mora no meu coração. No mais profundo do meu coração!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com


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