Contemporaneamente,
as transformações ocorridas no mundo do trabalho têm repercutido diretamente na
atividade do docente que atua no ensino superior público. Percebe-se a
incorporação de alguns princípios que orientam tanto a organização quanto as
relações do mundo do trabalho, ao cotidiano das universidades públicas
brasileiras. De acordo com Leite (2015), ao serem transportadas para o sistema
de educação essas transformações submetem o sistema universitário aos
interesses do capital, modelando a atividade docente em torno da produtividade
em detrimento da qualidade. E ainda, instiga uma competitividade que exacerba a
precarização das relações de trabalho ao consolidar uma gestão em torno de
metas sem que existam as condições adequadas para se alcançá-las. Por um lado,
existe um discurso institucionalizado no meio universitário que configura a
atividade docente sob a insígnia da eficiência e da excelência acadêmica. Em
outra perspectiva, falando do lugar que o professor ocupa neste contexto,
ocorre na verdade uma expropriação da atividade docente através do aumento e da
intensificação da sua jornada de trabalho. Estas repercussões são potencializadas
pelos projetos de redução do papel do Estado que estão em curso desde a década
de 1990, atingindo frontalmente tanto o campo dos direitos da categoria docente
quanto a autonomia no modo de organizar as suas atividades. Por sua vez as
políticas públicas voltadas para a educação superior instaladas no governo FHC,
e aprofundadas nos governos Lula/Dilma, firmaram-se sobre alguns pilares
nefastos tais como: a desconstitucionalização da autonomia universitária;
extinção ou redução de direitos trabalhistas e previdenciários; o achatamento
salarial que tem levado muitos docentes a venderem sua força de trabalho no
mercado paralelo; o estabelecimento de elevado número de níveis de carreira,
fomentando o surgimento de castas acadêmicas; a parceria público-privada que
permite que o capital privado determine os rumos da produção do conhecimento
dentro das universidades públicas; o financiamento público para as atividades
consideradas lucrativas para o setor privado, o qual naturaliza o conceito de
autosustentação nas universidades públicas e justifica, portanto, a omissão do
Estado na manutenção do ensino superior. Ocorreu ainda uma mudança na concepção
de universidade onde ela passa de uma instituição social autônoma para uma
organização social neoprofissional heterônoma1, operacional, empresarial e
competitiva (CAMPOS, 2011; LEITE, 2015). 1 Segundo o mesmo autor a heteronomia
diz respeito à subordinação da universidade a uma ordem imposta por um ente
externo a ela. 45 Neste contexto, idealiza-se um novo modelo de professor cujo
patamar de qualificação (qualis) leva em conta prioritariamente a pesquisa,
exigindo-lhe resultados quantitativos crescentes mas sem que o Estado ofereça a
contrapartida financeira e logística necessárias à execução das suas atividades.
Submetendo-se aos editais das agências de fomento e das empresas privadas, o
docente perde sua autonomia no trabalho deixando de fazer o que deseja e
passando a atender as demandas mercadológicas. Esta submissão interfere ainda
no desenvolvimento e na articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão de
qualidade e socialmente referenciados. Além disso, estabelece um clima de
competitividade entre os docentes tão ao gosto da ideologia neoliberal,
obscurecendo a luta de classe e dando lugar ao isolamento e condensação da vida
acadêmica e pessoal (FERREIRA et al., 2016). Esse cenário resulta na
despersonalização do docente além de criar um clima de instabilidade psíquica e
emocional, produzindo inclusive a antisocialização. Tomando esta problemática como
campo de análise, tem-se um cenário onde a saúde do docente sofre influência
direta do ritmo e das condições de trabalho impostas pelas universidades.
Alguns estudos (CAMPOS, 2011; FERREIRA et al., 2015) apontam para algumas
consequências que este contexto tem acarretado em termos de adoecimento por
parte do professor. Se a saúde muitas vezes é apreendida como o silêncio dos
órgãos (GADAMER, 2006), o adoecimento vem expressar o ponto de ruptura com os
mecanismos adaptativos empreendidos individual ou coletivamente. Certamente não
se pode negar a existência de doenças que podem ser decorrentes ou que sofrem
influência da atividade laboral docente. Dentre os problemas de saúde mais
comuns nesta categoria podem-se constatar: a lesão por esforço repetitivo (LER),
estresse, varizes, cervicalgias, lombalgias e outros problemas na coluna,
hipertensão, asma, labirintites, torcicolos, enxaquecas, rouquidão ou mesmo a
perda da voz. Todavia, o adoecimento não deve ser abordado apenas na
perspectiva de uma confluência de fatores ergonômicos, físicos e biológicos,
isolando o professor de outras dimensões da sua existência. A sobrecarga de
trabalho e a vivência em um ambiente marcado por uma pressão decorrente da
atividade “sanduíche”, aquela oriunda das atividades realizadas junto aos
alunos e junto à gestão, torna a universidade um ambiente propício para o
desenvolvimento da dependência de drogas ilícitas ou mesmo daquelas
consideradas lícitas tais como o álcool, tonificantes, tabaco, antisiolíticos e
antidepressivos; estas além de dissimular o sofrimento psíquico podem provocar
ou intensificar as doenças crônicas. Em casos mais severos, tem-se a
despersonalização, o isolamento e alguns distúrbios de caráter psíquico como a
síndrome do pânico, depressão e a síndrome de burnout (LEITE, 2015). O termo
burnout, cuja tradução literal significa estar estourado, esgotado, consumido
pelo trabalho, foi introduzido em 1974 pelo psicólogo Freudemberguer para
caracterizar o uma fase final do processo de estresse laboral, de caráter crônico
com implicações emocionais. Ele acomete profissionais que lidam diretamente com
pessoas onde os 46 traços principais são o esgotamento emocional, expressado
por uma falta ou carência de energia e entusiasmo. Cursa ainda com um modo de
ser caracterizado por despersonalização, postura fria e desumana, pela
diminuição da realização pessoal no trabalho com sentimento de fracasso. As
pessoas sentem-se infelizes consigo mesmas e insatisfeitas com seu
desenvolvimento profissional, irritadas ou tristes (CARLOTTO, 2002). Esta
síndrome acomete pessoas sem histórico de distúrbios psíquicos anteriores que
encaram suas atividades profissionais com elevado entusiasmo e comprometimento.
Mas que, após se envolverem intensamente com suas atividades, desapontam-se quando
não se sentem recompensadas por seus esforços. Seu surgimento é paulatino,
acumulativo e sua evolução pode levar anos ou décadas ocasionando sintomas
psicossomáticos como insônia, úlcera gástrica, dores de cabeça e hipertensão,
além do uso abusivo de álcool e medicamentos. Consequentemente surgem também
problemas nos relacionamentos familiares, conflitos sociais e diminuição da
qualidade laboral (CARLOTTO, 2002). Algumas abordagens desta problemática
tentam velar a influência das condições de trabalho na saúde do docente. Porque
adoecer envolve estigmas de várias ordens, em especial quando se refere a uma
categoria que historicamente porta uma imagem e um status que a diferenciam de
outras categorias de trabalhadores. Logo, tem-se um primeiro desafio relacionado
aos preconceitos em assumir a condição de estar doente e, portanto, necessitado
de cuidados com sua saúde. Outra questão diz respeito à autopercepção sobre a
própria saúde e sobre a doença, condicionada à singularidade de cada pessoa
onde em muitas situações a doença não é assumida. Pois, uma vez que no
cotidiano acadêmico alguns sintomas são vistos como “normais” ou “inevitáveis”,
o adoecimento passa a ser menosprezado inclusive através da automedicação
praticada cronicamente. Portanto, a repercussão das condições de trabalho na
saúde do docente é uma problemática mais ampla que o adoecimento tomado
isoladamente. Por isso, ela não pode ser abordada desconsiderando o contexto da
redução do papel do estado na manutenção das universidades públicas. Referências:
CAMPOS, F. J. S. Trabalho docente e saúde: tensões na educação superior.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA.
Belém, 2011. CARLOTTO, M.S. A Síndrome de Burnout e o Trabalho Docente.
Psicologia em Estudo, Maringá, v. 7, n. 1, p. 21-29, jan./jun. 2002. FERREIRA,
A. V. et. al (organizadores) Precarização do Trabalho e Saúde Docente nas
Universidades Públicas Brasileiras. Ed. ADUFC/UECE, Ceará, 2016. GADAMER, H. G.
O caráter oculto da saúde. Editora Vozes, 2006. 47 LEITE, J. L. Produtivismo
acadêmico e adoecimento docente: duas faces da mesma moeda. In: FERREIRA, A. V.
et. al (organizadores) Precarização do Trabalho e Saúde Docente nas
Universidades Públicas Brasileiras. Ed. ADUFC/UECE, Ceará, 2016. TR 7: Que o IX
Congresso da ADUERN delibere: 1 – Propõe-se que a ADUERN componha e sistematize
um Grupo de Trabalho (GT) permanente com o objetivo de discutir questões
relacionadas à saúde do docente no âmbito da UERN. 2 – Dentre outras
competências, que através deste GT a ADUERN organize anualmente um seminário
sobre a temática da saúde do docente, enfocando as possíveis relações entre as
condições de trabalho e o adoecimento. 3 – Propõe-se que a ADUERN, através do
GT mencionado acima, desenvolva estudos sobre a relação entre as condições de
trabalho e a saúde docente.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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