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segunda-feira, 17 de abril de 2017

CARTA A UMA MENINA QUE ABRIU A PORTA E SAIU

*Rangel Alves da Costa

Não sei se esta cartinha jamais será lida por ela, pela menina que abriu a porta e saiu. Mas que bom se alguma ventania fizesse chegar perante suas mãos e seu olhar estas sinceras e palavras.

Confesso que pouco tenho a dizer à menina que abriu a porta e saiu. Também confesso que não sei e até agora não entendi o porquê de ela haver agido assim, de ter aberto a porta e tomado um caminho.

Sei que a menina já ouviu muito sobre os perigos da estrada. Desde as vovós de antigamente, muito já se disse sobre os lobos maus, sobre os labirintos perigosos, sobre as perigosas surpresas existentes em cada curva.

Eu mesmo já pedi e insisti perante a menina que não cometesse a loucura de simplesmente abrir a porta e partir. Deitei sua cabeça no meu colo, afaguei seus cabelos, e baixinho lhe disse que o desconhecido lá fora não resolveria problema de ninguém.

E também lhe disse que nada melhor que a palavra para se chegar ao entendimento. Se estava com problemas, se não estava gostando de ficar, se não se sentia mais feliz ao meu lado, então que não escondesse nada.

Mas a menina ouvia e ouvia. E eu repetia e repetia, pedia e pedia. A sua mudez me perturbava. Uma pedra diante de mim. Por vezes, até que dizia entender cada palavra dita. De vez em quando acenava em aceitação. Mas depois tudo simplesmente era esquecido.

Nem nos dias anteriores nem naquele dia lhe dei qualquer motivo para que abrisse a porta e partisse. Aliás, não recordo um só motivo para que repentinamente abrisse a porta. Não há sol novo em nenhum lugar, a lua é a mesma aqui e acolá. Nada adiantou.


O que mais me espanta é por não se tratar de uma adolescente rebelde, de uma menininha emburrada, de uma jovem aventureira, mas de alguém que ao meu lado estava com a intenção maior de construir o mundo. Menininha minha, minha promessa de amor e de viver.

Coloquei flor nos seus cabelos, fiz cafuné deitado na rede, convidei a passear. Talvez o frescor de lá fora nos fizesse bem aos sentimentos. E quem sabe de mãos dadas ela reaprendesse a não querer desapartar. Não quis. Mas disse que ia abraçar a brisa. Abriu a porta e não voltou.

Eu sabia que assim aconteceria. Bastava apenas o instante chegar. E eu não podia fazer absolutamente nada para impedir. Ora, era desejo dela. E somente ela pode dar o norte que quiser à sua liberdade. E, sem olhar pra trás, foi se distanciando, sumindo, sumindo...

Sozinho fiquei. Sozinho fiquei, mas sem lágrima, sem mágoa, sem dor ou angústia. Absolutamente nada podia fazer ante aquela decisão. Fiquei apenas tentar juntar os velhos farrapos de minha solidão. E entre velharias encontrei o papel onde escrevi esse cartinha:

“Se na distância e em meio aos caminhos, a felicidade possa encontrar, então feliz eu também estarei. Que seja seguro o caminho, que seja fresca a água que vai beber, que seja bom o alimento que possa encontrar. O que de ti restou em mim ainda está dentro de mim.

Falta-me café na xícara e é como eu ouvisse sua voz me perguntando se queria um pouco mais. A cama está desarrumada, a rede balança sozinha. Não tenho vontade de deitar. A porta continua aberta e através dela me chega uma canção de saudade. A ventania traz uma folha morta como se fosse um lenço de enxugar o mar.

Mas não preciso. Não estou chorando. Jamais chorarei. O pranto se derrama apenas em tristeza, em saudade, em retratos que não saem do meu olhar. Logo virá a noite, logo virá outro dia. Mas não sei como a vida vai continuar.

Falta-me o café na xícara. Já não quero mais escrever. Meu coração, como está meu coração, eu não sei. O silêncio entorpece tudo. Talvez a lua não venha essa noite. Talvez a lua não venha nunca mais”.

Escritor
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