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domingo, 9 de julho de 2017

O ESTUDO DO CORDEL.

Por Aderaldo Luciano

As tentativas de estudar o cordel brasileiro não levaram em conta o seu caráter poético e, quando tentaram considerá-lo, uniram-se ao contraditório por não classificá-lo como se deveria classificar qualquer peça poética, parte do todo literário universal. Isso se daria (e se deu quando destinei-me à observação sistematizada) com o estudo à luz dos gêneros literários, orientando os estudos pela conclusão, a partir da observação, segundo a qual o cordel brasileiro é uma forma poética fixa da poesia universal. A forma fixa do cordel se dá pela exigência do cumprimento de suas regras intrínsecas e definitivas. Essas regras fizeram-no distanciar-se do malogrado conceito de "literatura de cordel", ligado ao que se fazia e se fez em Portugal, aos pliegos sueltos e coplas de Espanha, à colportage francesa, aos chapbooks britânicos. O cordel brasileiro é forma genuinamente brasileira por ter, em primeiro lugar, criado a forma poética fixa (com um mínimo de estrofes, sejam sextilhas, septilhas ou décimas; nunca em quadras, nem em prosa; a utilização majoritária do verso setissilábico; a observação da rima, disposta seguindo os pioneiros) e, para além da forma fixa, ter criado também o sistema literário cordelístico, pautado pela indicação de Antonio Candido (aquela que diz, em seu Formação da Literatura Brasileira - Momentos Decisivos: o sistema literário é formado pela presença de um autor, de um editor, de um leitor. Acrescentei ousadamente, com imenso receio de ser mal-entendido, mas precisava correr o risco: o crítico). Alguns pesquisadores quiseram estudar o cordel e o fizeram, até sistematicamente, mas desconsideraram os tópicos que citei. Poetas também resolveram metalinguisticamente falar sobre cordel. Seguem-se quatro expoentes, mestres, que o fizeram:

Manoel Monteiro, pernambucano de Bezerros, escreve e publica em 2011, com as bençãos da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, o folheto Aula De Cordel - Uma Herança Portuguesa. Pelo próprio título, o curioso pela arte cordelística é levado a duas constatações óbvias, mas que precisam ser levadas a sério: Manoel não trata nossa poesia como "literatura de cordel", mas como cordel, entretanto deixa um cordão umbilical com o que se produziu em Portugal no séc. XVIII. O poeta é dos mais lúcidos que pude encontrar, estudioso, conhecedor do ofício, produção longa e bem cuidada. Na primeira septilha o seu narrador nos alerta para algo que muitos deixam de lado por quererem abraçar a nomenclatura recebida pelo brasilianista Raymond Cantel (literatura de cordel). Ele nos alerta para a certeza de que nosso poema já foi chamado de Romance, Verso, Estória, Folhetim, Folheto, Livreto e Livro, mas que hoje é conhecido apenas por Cordel. A seguir, faz uma verdadeira aula de poética do cordel, escrutinando os detalhes da produção. Disseca as estrofes, mostra as rimas, conta os versos, sempre alertando para o rigor da construção. Não trata do processo histórico do cordel ou de outra característica extrínseca, parte diretamente para o texto. Uma ótima introdução ao fazer poético, não só para o cordel, mas para elementos da poesia brasileira. Manoel Monteiro prestou importantes serviço para o cordel brasileiro. Faleceu em Belém do Pará, em junho de 2014.

Azulão, codinome de José João dos Santos, paraibano de Sapé, radicou-se no Rio de Janeiro na primeira metade do séc. XX e, de lá, irradiou sua produção cordelística. Um de seus clássicos, O Trem Da Madrugada, é um importante retrato das relações humanas com a tecnologia ferroviária na cidade do Rio. Um verdadeiro tratado social sobre os tipos e costumes cariocas na década de 80. Mas aqui nos referiremos ao trabalho O Que É Literatura De Cordel?. Diferente de Manoel Monteiro, Azulão centrou-se no termo português, trazendo-o à nossa poética genuína. Nas 17 estrofes iniciais, encontramos elementos para entender a importância do poeta no seio de sua comunidade. A partir dessa importância individual, a importância de sua produção poética. Trata da presença do cordel e do repente, de sua aceitação pelo interior do Nordeste, de sua presença nas feiras livres e cantorias, do diálogo presente entre o rural e o urbano, da migração do poeta do primeiro para o segundo espaço, das festas (batizados, casamentos, vaquejadas) e da possibilidade de adentrar nas escolas. A partir da estrofe 19, Azulão e seu narrador, como muitos pesquisadores, apresentam o quadro de herança de portugueses e espanhóis, caindo no equívoco ao afirmar que havia um sistema literário no qual os poetas escreviam e publicavam na forma de folheto e chamavam a essa produção de literatura popular e de cordel. Essa nomenclatura foi dada pelos estudiosos e mais precisamente por Teófilo Braga. Não houve o sistema. E não se encontram naquela produção elementos que os assemelham às características intrínsecas do cordel brasileiro. Ficando a semelhança apenas no aspecto gráfico. No folheto, portanto, não se encontra a análise, a apresentação da peça poética, mas os aspectos históricos (sem datação). Azulão nos deixou em março de 2016.

Antonio Américo de Medeiros, potiguar de São João do Sabugi, radicou-se em Patos, na Paraíba. No sertão paraibano forjou toda sua intervenção na cultura poética brasileira. É o poeta da Cruz da Menina, de Cazuza, O Caçador de Onça, da Moça Que Mais Sofreu na Paraíba do Norte. Cantador, repentista, folheteiro, escreveu Os Mestres Da Literatura De Cordel. Nesse folheto o poeta nos apresenta os pais do cordel, segundo ele, quais sejam, Silvino Pirauá e Leandro Gomes de Barros. Também nos aponta o local de nascimento do cordel brasileiro: entre Vitória de Santo Antão e o Recife. Nos diz ainda que Pirauá vai se encaminhando mais para a cantoria, com Zé Duda, e que Leandro abraça a tipografia. Fazendo jus ao título, Antonio Américo desfia toda a genealogia do cordel, trazendo a nós poetas já esquecidos, cujas obras, apesar de importantes para a consolidação da arte, foram abandonadas dos estudos e pesquisas. Até a estrofe 18 lista a importância desses poetas da primeira geração, Princesa. A partir da estrofe 19, inaugurada com a morte de Leandro em 1918, traça o mapa da herança, primeiro a João Martins de Ataíde, depois a José Bernardo, que transporta todo o material que fora de Leandro e de Ataíde para o Juazeiro do Pe. Cícero, onde reinou até 1966. Daí, Antônio Américo, olha para Manoel Camilo e sua Estrela da Poesia em Campina Grande, João José, da Luzeiro do Norte. Da derrocada dessas editoras e editores de cordel, Américo lista os principais cordelistas da segunda geração: Camelo, Pacheco, Sena. Entra na contemporaneidade e nos oferece um banquete de nomes e datas e obras. Américo faleceu em Patos em janeiro de 2014. Legou-nos vasto universo de poesia e ensinamento.

Pedro Costa piauiense de Alto Longá, criou a revista De Repente, dedicada à poesia de cordel e ao repente nordestino. Radicado em Teresina teve papel protagonista na divulgação e consolidação do cordel e do repente no Brasil. Pedro conseguiu o diálogo entre os poetas do povo e as elites culturais piauienses, abrindo a janela para a tomada de territórios inéditos ao cordel. Escreve o folheto O Que é Cordel (E Seus Mestres) para ilustrar e servir de roteiro para suas incontáveis oficinas e palestras, cursos e recitais. Retoma, no título, o termo "cordel", mas já na terceira estrofe procura o embrião europeu citando as origens nos centros de Portugal, Espanha e França. Um pouco mais à frente cobra um olhar diferente para o cordel afirmando que "cordel é literatura", logo abaixo, contraditoriamente, diz que cordel é barbante e prega a inoportunidade do termo ao produto cordelístico pedindo que se chame de folheto e não de cordel. A proposição fica vaga porque o termo folheto se emprega ao produto gráfico e não ao conteúdo poético. Observe o leitor que fiz uma gradação: de Manoel Monteiro que era poeta de bancada a Azulão, cantador e de bancada, com ênfase na bancada, depois Antonio Américo, cantador e cordelista, com ênfase na cantoria e Pedro Costa, a síntese mais assentada. Por isso, na estrofe 11, Pedro constrói a divisão dos tipos de poetas do sertão: o aboiador, o escritor, o embolador e o repentista. Fica na citação, não desfia suas ações, seus ofícios, o que os distingue. A partir daí segue a listagem de poetas, sem data de suas aparições. Na penúltima sextilha cita os trabalho de Geová Sobreira e Gilmar de Carvalho para corroborar seu bom trânsito com o pensamento acadêmico. Pedro Costa faleceu aos 54 anos em abril de 2017.

Esses quatro folhetos citados nos ofertam um pouco do olhar dos poetas sobre suas próprias produções e sobre o cordel brasileiro: Manoel Monteiro centrado nos elementos formais, Azulão nos aspectos históricos e sociológicos, Antonio Américo no percurso histórico e genealógico, Pedro Costa na classificação dos tipos de poetas e na busca pela literariedade do cordel. A próxima matéria vai se debruçar sobre o que escreveram metalinguisticamente poetas em atuação.


Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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