Por Domingos Ailton
Há exatos 100
anos, dia 25 de outubro de 1916, coincidentemente data do aniversário de
Emancipação Política de Jequié, o Jornal A TARDE trazia como manchete JEQUIÉ,
Cauassus, Marcionilio e Zezinho dos Laços. A empreitada dos crimes. Narrativa
de uma Cauassu ao nosso repórter, com uma foto da cangaceira Anésia Cauaçu ao
lado de uma criança. Na primeira página e nas páginas internas do jornal,
Anésia narra a trajetória da família Cauaçu cuja grafia da época se escrevia
Cauassu, dando conta de que seus familiares eram simples agricultores e
comerciantes e que se tornaram cangaceiros por conta de uma vingança.
Em Ituaçu, antigo Brejo Grande, na Chapada Diamantina, duas famílias disputavam o poder local: os Silvas, chamados de "rabudos", e os Gondins, denominados de "mocós”. O major Zezinho dos Laços (um dos líderes dos “rabudos”) exige que Augusto Cauaçu acompanhe seu grupo de jagunços em uma emboscada contra a família Gondim. Por conta da recusa de Augusto, este é assassinado a mando de Zezinho dos Laços. Então, a família Cauaçu se reúne e resolve vingar a morte, assassinando Zezinho dos Laços seis anos depois em uma tocaia na Fazenda Rochedo. Chefes dos “rabudos”, a exemplo do coronel Marcionílio de Souza e de Casseano do Areão passam a perseguir e matar membros da família Cauaçu e de seus aliados, comandados por Anésia e seu irmão José Cauaçu. Pressionado pelos coronéis, o então governador da Bahia, Antônio Muniz, denomina o movimento armado dos Cauaçus de "conflagração sertaneja” e envia para Jequié mais de 240 soldados em três expedições da polícia militar da Bahia, com participação inclusive de oficiais que combateram na Guerra de Canudos, a exemplo do tenente-coronel Paulo Bispo. Ocorre então a Guerra do Sertão de Jequié, conflito envolvendo os cangaceiros Cauaçus, policiais militares e jagunços dos coronéis. A força policial pratica uma série de atos violentos não só contra os cangaceiros, mas também contra a população inocente de Jequié e região. O alferes Francisco Gomes – Pisa Macio obriga um homem a comer lama no povoado do Baixão, crucifica outro nas margens do Rio das Contas e lança crianças para o ar,que são amparadas com a ponta das baionetas e levava suspeitos para um pequeno morro no Curral Novo onde eram sangrados com requintes de perversidade. O local ficou conhecido como Morrinho da Matança.
O genocídio é denunciado pelo Jornal A TARDE, que envia um repórter para fazer a cobertura das expedições policiais em Jequié e na ocasião entrevista Anésia Cauçu, dando destaque a sua narrativa a respeito da história do bando e do histórico conflito daquele ano de 1916.
Anésia Cauaçu foi uma mulher que esteve à frente do seu tempo. Foi a primeira
mulher nordestina a ingressar no cangaço, uma vez que em 1911, ano do
nascimento de Maria Bonita, Anésia já lidera um bando de mais de 100
bandoleiros. Ela também foi a primeira no sertão de Jequié a praticar montaria
de frente, já que as mulheres de sua época montavam de lado em uma sela
denominada silhão, e a pioneira das terras jequieenses a vestir calças
compridas (as mulheres do período em ela viveu apenas usavam vestidos e saias),
para facilitar o combate em cima do cavalo. O historiador Emerson Pinto de
Araújo, que registou a história da cangaceira assim a descreve: “era uma mulher
branca, de olhos azuis, bons dentes, alta e delgada, que tomava suas pingas,
sem que ninguém ousasse faltar-lhe com respeito. Numa época em que não existiam
academias de defesa pessoal, ela tinha ginga de corpo, conhecia- ninguém sabe
com quem aprendeu - os ´rabos-de-arraia da capoeira, batendo forte nas fuças de
muitos valentões que tentavam avançar o sinal. Manejando armas de fogo com uma
pontaria invejável, jogava pra escanteio os melhores atiradores. Certa feita,
bafejada pelo acaso, numa distância de trezentos metros, cortou o dedo do
sargento Etelvino, quando este indicava aos seus comandados a direção em que
deveria atacar”. Com base na memória coletiva de tradição oral, em documentos
escritos e no meu imaginário, escrevi um romance histórico que tem como
protagonista Anésia Cauaçu. Inspirado neste texto ficcional, o poeta e
cordelista José Walter Pires produziu um livro de cordel e o compositor e
cantor Jonas Carvalho compôs uma música sobre a saga de Anésia Cauaçu. Diversos
estudos acadêmicos foram e estão sendo desenvolvidos sobre essa guerreira do
sertão de Jequié. A entrevista publicada em 25 de outubro de 1916 e as matérias
publicadas pelo Jornal A TARDE há 100 anos sobre os conflitos na região de
Jequié constituem relevantes documentos da história do coronelismo e do cangaço
na Bahia.
http://www.juniormascote.com.br/blog/100-anos-da-entrevista-da-cangaceira-an-sia-caua-u-ao-jornal-a-tarde/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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