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terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

LAMPIÃO – O TIRO FATAL DISPARADO POR SANDES – O GALEGUINHO

Por João Costa

Amanhece na Grota Angico em 28 de julho de 1938; a chuva havia sessado, as orações matinais concluídas, o café da manhã servido enquanto alguns cangaceiros ainda dormem – a aurora encontra o capitão Virgulino Ferreira já de pé, saboreando café de punhal na cintura, fuzil ao lado à disposição.

Ao mesmo tempo, subindo riacho seco de Angico, na linha avançada da Volante de tenente João Bezerra está o aspirante Ferreira; militar obstinado e linha-dura; um pouco atrás, o delator Pedro de Cândido e o soldado Sebastião Vieira Sandes, ou Santo – os únicos na numerosa volante que conheciam pessoalmente Lampião.

E um detalhe desconhecido por muitos: Cândido segue Sandes pari passu amarrado ao próprio Sandes.

Cândido, por ser coiteiro da máxima confiabilidade de Virgulino e Sandes por ter sido cangaceiro que gozara da confiança do casal Virgulino-Maria Bonita, tratado intimamente por “Galeguinho”, artesão em couro que dividia com o capitão horas intermináveis no manejo de uma máquina Singer, mas agora soldado volante e atirador de escol.

“Ocupada a posição, a um sinal do aspirante, Pedro de Cândido se aproxima da borda do penhasco e recua de repente, branco como papel: avistara Lampião logo abaixo, em frente de uma pedra pontuda”.

O até então, “Rei do Cangaço está a menos de oito metros de distância, em pé, inteiramente equipado, salvo pelo chapéu e pela cartucheira de ombro”, narra Frederico Pernambucano de Melo, em seu livro “Apagando Lampião”.

E segue narrando em detalhes:

“o coiteiro Pedro de Cândido olha para Santo; por meio de gestos e de movimentos de boca, Santo confirma a identificação para o aspirante (Ferreira) que, em resposta, “olha para Santo e molega o dedo indicador na direção de Pedro”; era a senha para que este também fosse eliminado".

Os demais soldados da volante que subiam o riacho estavam distante e o cerco planejado pelo tenente Bezerra e Ferreira ainda não se concretizara.

Mas na guerra as oportunidades surgem, não dá tempo para “arrodeios” nem vacilações, especialmente quando se trata de emboscada, do fator surpresa e da dimensão do inimigo.

Em cima da grota o aspirante Ferreira, o militar responsável pelo manejo da famosa metralhadora Bergman já está bem posicionado, mas ele também sabe que metralhadoras são pesadas e não apropriadas para tiro de ponto e uma rajada poderia “botar a caçada a perder”.

O historiador narra que o aspirante Ferreira abdicou de apertar o gatilho. Em vez disso, faz gestos para que Sandes se aproximasse. Mas por que Sandes?

Porque era o franco-atirador da volante, habilidoso no manejo do fuzil Mauser alemão modelo 1908, calibre 7mm, cano extralongo, balas novíssimas, ano 1932 e, claro, conhecia pessoalmente Virgulino.

Sandes toma posição de tiro.

Lá embaixo, Lampião leva à boca sua caneca com café, e é nesse exato o instante do disparo fatal, de cima para baixo.

Pou!

O ex-amigo, ex-coiteiro, ex-cangaceiro, carinhosamente chamado por Maria Bonita, de Galeguinho, e agora soldado de volante, Sebastião Vieira Sande – o soldado Santo, põe um ponto final na longa trajetória do bandoleiro mais famoso do Brasil.

- “Foi uma queda desconjuntada do corpo; queda de quem cai para não levantar mais”, relatou Sandes muitos anos depois a Frederico Pernambucano.

“Foi um tiro solitário, certeiro e a uma distância menos de 8 metros”, acrescentou.

Nos segundos seguintes o inferno desabou sobre a Grota de Angico. Agora, chovia balas sobre os cangaceiros – que tiveram poucas chances de organizar um contra-ataque, restando a debandada geral debaixo de nuvens de fumaça da munição detonada e não da névoa do amanhecer.

Após o tiro fatal em Lampião, o soldado Sandes se desamarra de Cândido e faz um gesto inesperado.

- Foge, desgraçado!

Mesmo tendo recebido ordens do aspirante Ferreira para matar o coiteiro ali mesmo, Pedro de Cândido ganha um sopro de vida.

Mas os admiradores do cangaço podem ficar com outra versão dos acontecimentos – a do sargento Antônio Honorato da Silva, o Noratinho.

Ao Jornal Diário de Pernambuco de 2 de agosto de 1938, Noratinho deu a sua versão numa narrativa elaborada. Disse ele:

“Vi Lampião se erguer, apresentando na face a expressão de um enorme pavor. Levei o fuzil ao rosto. Mirei bem. A mulher do bandoleiro, nesse instante, estendeu os braços pedindo clemência. Fiz fogo e o chefe dos cangaceiros baqueou. Acompanhei sua queda com dois tiros”.

O sargento Honorato nunca vira antes Lampião nem de longe nem de perto. Pano rápido.

Acesse: blogdojoaocosta.com.br @joaososuacosta

Fonte: Apagando o Lampião – Vida e morte do Reio do Cangaço, de Frederico Pernambucano do Mello.

Foto1. Sandes (acervo de Frederico P. de Mello) 2. Pedro de Cândido no destaque, de volta a Angico.

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