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segunda-feira, 24 de maio de 2021

QUEM FOI PADRE IBIAPINA?

Por Benedito Vasconcelos Mendes1

Padre-mestre Ibiapina (José Antônio Pereira Ibiapina, 1806-1883) foi um professor, advogado, juiz de direito, chefe de polícia (delegado), deputado geral do império (deputado federal) e padre diocesano cearense, que se tornou famoso em todo o Nordeste brasileiro, por suas ações como missionário evangelizador e como filantropo, no interior dos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Suas viagens entre cidades litorâneas eram feitas em barcos ou navios (vapor) e nos sertões e serras, a pé, em carro de boi, a cavalo e quando ficou paralítico, fazia pequenas viagens em liteiras e redes, levadas nos ombros de beatos e de fiéis. Nasceu em Sobral-CE e morreu na Casa de Caridade de Santa Fé, no município de Solânea-PB, onde passou os últimos 10 anos de vida e lá foi sepultado.

Ibiapina, depois de ter sido noivo, Professor da Faculdade de Direito de Olinda-PE, Juiz de Direito e Chefe de Polícia em Quixeramobim-CE, Deputado Geral do Império no Rio de Janeiro e Advogado famoso em Areia-PB e em Recife-PE, decidiu, aos 47 anos incompletos, ser Padre e experimentar uma prática sacerdotal diferente, idealizada por ele, baseada na caridade, no trabalho, na penitência, na oração, no aconselhamento, na evangelização e na administração dos Sacramentos da Igreja Católica. Foi o primeiro líder religioso a exercitar a religião no templo e fora dele, cuidando do espírito e do corpo dos mais necessitados. Foi pioneiro na realização de uma prática religiosa singular, que tinha a caridade e o amor ao próximo como bens maiores. Este modo distinto de fazer religião, usado nos sertões nordestinos, aproveitava algumas tradições culturais dos sertanejos, como o misticismo, o apadrinhamento, o aconselhamento, a romaria e o trabalho no sistema de mutirão. Vários outros líderes religiosos carismáticos sertanejos, contemporâneos do Padre-mestre Ibiapina, copiaram sua maneira diferente de praticar a religião. O Beato Antônio Conselheiro, por exemplo, com exceção das casas de caridade e dos hospitais, fazia tudo que Padre Ibiapina fazia: construía capelas, igrejas, cruzeiros e cemitérios. Para ajudar os mais necessitados, fazia roçados, barreiros (pequenos açudes) e cacimbões, sempre utilizando o sistema de mutirão. Ele só não edificava hospitais e casas de caridade, porque não merecia o apoio das classes abastadas dos lugares onde atuava. Somente os ricos podiam colaborar financeiramente, para criar e manter em funcionamento os hospitais e as casas de caridade. O Beato Antônio Conselheiro praticava um tipo de religião marginal, voltada exclusivamente, para os pobres e miseráveis e sem apoio dos padres e sem ajuda financeira dos letrados e poderosos das vilas e cidades que visitava. O Padre-mestre Ibiapina era o missionário das multidões, detentor de uma oratória eloquente,

1Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor. Membro Efetivo da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Academia Mossoroense de Letras, Instituto Cultural do Oeste Potiguar, Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e do Centro Cultural dó Ceará.

convincente, madura, elegante, coerente e que transmitia muita fé em Deus e na Santa Igreja Católica. Ibiapina foi o peregrino que evangelizou e transmitiu a fé, o missionário que praticou, com excelência, a caridade e o benfeitor que melhorou a vida dos mais necessitados. Seu biógrafo Celso Marques Mariz, 1885-1982, o denominou “Apóstolo do Nordeste” e o Padre Francisco Sadoc de Araújo, 1931- , em sua bem documentada obra sobre o Padre Ibiapina, o chamou de “Peregrino da Caridade”. O grande sociólogo Gilberto de Mello Freyre, 1900-1987, considerou o Padre Ibiapina como a maior figura da Igreja Católica no Brasil, sob a ótica do cristianismo social. O povo o chamava de “Santo do Nordeste”, “Santo Missionário”, “Pregador das Missões”, “Evangelizador do Sertão“, “Peregrino Evangelizador”, “Apóstolo do Nordeste”, “Santo Peregrino” e outros nomes.

Padre Ibiapina introduziu uma forma de saudação, que ainda hoje é usada pelos sertanejos da região semiárida:”Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”. Resposta: “Para sempre seja Louvado”.

1. DESCENDÊNCIA FAMILIAR

Padre Ibiapina era descendente de tradicionais e abastadas famílias sobralenses. Seus pais, Francisco Miguel Pereira, 1774-1825 e Tereza Maria de Jesus, 1785-1823, provinham de famílias importantes da região, com boas tradições morais, culturais e religiosas e de elevadas posições sociais e financeira. Eram proprietários da Fazenda Olho D’água, onde nasceu, foi batizado e viveu até os 10 anos de idade o Padre Ibiapina. A Fazenda Olho D’água localizava-se a cerca de 40 quilômetros do centro da cidade de Sobral, na direção da Serra da Ibiapaba. O pai do Padre Ibiapina, Francisco Miguel, no final de sua vida, devido ao seu engajamento e ao de seu filho mais velho, Alexandre Raimundo Pereira Ibiapina, 1804-1826, na Confederação do Equador, passou por sérias dificuldades financeiras, tendo morrido pobre e com muitas dívidas. Com o desfecho da revolução (Confederação do Equador), pai e filho foram condenados à pena capital. O pai, Francisco Miguel, não teve perdão e foi fuzilado no dia 7 de maio de 1825, no antigo Campo da Pólvora, atual Passeio Público, em Fortaleza, onde dias antes já tinham sido fuzilados Coronel João de Andrade Pessoa (Pessoa Anta), 1787-1825, e Padre Mororó (Gonçalo Inácio de Loyola Albuquerque e Mello, 1774-1825, que também foram mártires da Confederação do Equador. Seu filho, Alexandre Raimundo, foi condenado à morte, juntamente com o pai, mas teve a pena comutada em degredo perpétuo, na Ilha de Fernando Noronha, e lá teve morte misteriosa nos penhascos ao redor do Forte dos Remédios, talvez empurrado por soldados nos desfiladeiros, que descem até ao mar.

Francisco Miguel teve oito filhos, quatro homens e quatro mulheres, sendo o terceiro deles, o Padre Ibiapina. Além de Sobral, Francisco Miguel e sua família moraram em Ibiapina-CE (alguns

meses de 1816), Icó-CE (1816-1819), Crato-CE (1819- 1822) e Fortaleza (1822-1825). Em Icó e no Crato desempenhou a função de Escrivão e Tabelião e em Fortaleza exerceu o cargo de Escrivão da Fazenda. Em 1823, já residindo em Fortaleza, perdeu sua mulher e em agosto de 1824, viúvo, envolveu-se de corpo e alma, juntamente com seu filho Alexandre Raimundo, no movimento revolucionário Confederação do Equador, que culminou com sua prisão, após a morte de seu comandante Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, 1789-1825, que também era o Presidente da República do Equador no Ceará. A morte de Tristão Gonçalves e a prisão de Francisco Miguel e de seu filho Alexandre Raimundo ocorreram no dia 31 de outubro de 1824, na cidade de Jaguaribara, no interior do Ceará. Na Confederação do Equador ocupou o posto militar de Tenente-coronel e foi eleito Deputado Constituinte, representando o Ceará junto à Assembleia Constituinte da Confederação do Equador.

Era costume entre os confederados escolher um “nome de guerra”, que era adicionado como sobrenome. Antônio Miguel escolheu “Ibiapina”, alterando, assim, seu nome para Antônio Miguel Pereira Ibiapina. Depois seus filhos também adotaram o sobrenome Ibiapina.

2. FORMAÇÃO EM DIREITO E EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DE PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, DEPUTADO DO IMPÉRIO, JUIZ DE DIREITO E CHEFE DE POLÍCIA

Em 1832, Ibiapina formou-se na primeira turma do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) da pioneira e histórica Academia de Ciências Sociais e Jurídicas da Cidade de Olinda, uma das duas primeiras faculdades de direito criadas no Brasil, em 1827, juntamente com a famosa Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo-SP. Inteligente e estudioso que era, ao terminar o curso de advocacia, foi ser professor de Direito Natural, na faculdade onde se formou e, por coincidência, o seu irmão João Carlos Pereira Ibiapina, 1810-1875, foi seu aluno. Ao terminar o ano letivo como professor da Faculdade de Direito de Olinda, foi à Fortaleza para se casar com sua noiva, Carolina Clarense de Alencar Araripe, 1817-1867, porém foi surpreendido com a notícia do casamento inesperado de sua noiva com um primo dela, Antônio Ferreira Lima Sucupira. Carolina Clarense era filha do Presidente da República do Equador no Ceará, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe.

Em 1834, Ibiapina tomou posse como Deputado Geral do Império, representando o Estado do Ceará na Assembleia Legislativa Nacional, para a legislatura de 1834-1837. Após os trabalhos legislativos como Deputado Geral do Império, do ano de 1834, no Rio de Janeiro, ele voltou ao Ceará e tomou posse como o primeiro Juiz de Direito da Comarca de Campo Maior, hoje, Quixeramobim-CE, cargo que tinha sido nomeado, a cerca de um ano atrás, por Carta Imperial de 13 de dezembro de 1833. Em Quixeramobim, por solicitação do Governador do Ceará, Padre José

Martiniano Pereira de Alencar, 1794-1860, ele assumiu também a Chefia de Polícia da citada cidade. Ocupou o cargo de Juiz de Direito durante três meses e no começo de 1835 pediu demissão e voltou ao Rio de Janeiro para exercer suas funções de Deputado.

3. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA

Ao encerrar-se o seu mandato de Deputado na Assembleia Nacional em 1837, Ibiapina não quis mais continuar na vida política e retornou a Recife, onde pretendia abrir escritório de advocacia, mas iniciou sua vida de advogado na Paraíba, atuando no fórum da Vila Real do Brejo de Areia, onde residiu por cerca de três anos e ficou famoso como advogado criminalista. Sua atuação como advogado foi excepcional. Ficou na história a antológica defesa que o Dr. Ibiapina fez de um pobre e desgraçado réu (Felipe José da Silva, natural de Acari-RN, que morava na comunidade de Poções, próximo de Areia-PB), que estava sendo condenado à morte por enforcamento por ter matado o amante de sua esposa, quando o surpreendeu em pleno ato sexual com sua mulher (Maria Manuela da Conceição, nascida em Açu-RN). O amante era o próprio pai dela e só fazia três meses que o jovem casal tinha se casado. Com a habilidade de competente criminalista que era, usando seus excepcionais dotes oratórios e tendo coerência na argumentação, conseguiu evitar a pena capital do desvalido réu. Este inusitado e complexo crime passional, envolvendo incesto, delito de adultério e homicídio, exigiu uma defesa minuciosa e competente, que Dr. Ibiapina fez por escrito. Este fato o transformou em mito. Os poetas populares fizeram ampla divulgação do ocorrido, em suas obras de cordel.

De 1840 a 1850, Ibiapina advogou em Recife-PE, onde conquistou merecida fama, por sua competência profissional. Residia com suas irmãs Maria José Ibiapina, 1814- ) e Ana Ibiapina, 1815-1912, além da preta Lulu, doméstica, que Ibiapina tinha como filha. Morava em uma pequena casa alugada na Rua Santa Rita, 37, no Bairro São José, em Recife. Em 1849, Dr. Ibiapina sofreu uma forte desilusão de sua profissão de advogado, quando tomou conhecimento da decisão judicial de dar ganho de causa ao adversário de um de seus clientes. Esta inesperada e injusta sentença feriu os sentimentos de honradez deste consciencioso advogado, que para preservar sua dignidade abandonou a profissão e passou a ter uma vida reclusa, de estudo e oração. Ibiapina devolveu ao seu constituinte a importância recebida pelos seus honorários advocatícios, doou aos colegas sua excelente biblioteca e tornou público sua decisão de nunca mais voltar a advogar.

4. VIDA RECLUSA DE ESTUDO E MEDITAÇÃO

Dr. Ibiapina, desencantado do matrimônio, desenganado da política e da magistratura e agora desiludido da justiça dos homens resolveu dedicar-se, de maneira exclusiva, à prática religiosa, na esperança de encontrar a plena realização de sua vida. Embora Dr. Ibiapina tenha

conseguido excelência em tudo que fazia, seu passado foi marcado por decepções e desilusões. Em 1850, aos 44 anos de idade, após deixar de advogar, passou três anos morando em um sítio que tinha comprado, passando a ter uma vida reclusa de meditação e de oração.

O sítio onde o Padre Ibiapina ficou isolado, em vida contemplativa, de reflexão e de estudo aprofundado de Filosofia e Teologia, localizava-se às margens direita do Rio Capibaribe, em Caxangá, perto da povoação da Várzea, próxima de Recife. O local era bucólico, bonito, tinha um bem cuidado pomar, um florido e lindo jardim e uma Capela dedicada a São Francisco de Paula. As águas correntes e límpidas do Rio Capibaribe, que cortava a propriedade, completava a beleza e a tranquilidade do local, apropriado para a reflexão e meditação. Ele usava a capela para as suas orações, meditações e para assistir à missa dominical, além de cuidar do jardim e do pomar, enquanto sua irmã caçula, Ana, preparava as refeições e a limpeza da casa. Neste ambiente de solidão, acolhedor e de paz, Ibiapina refletiu sobre seu passado, planejou o seu futuro e decidiu ser sacerdote, para servir a Deus e aos homens. Dr. Ibiapina analisou, minuciosamente, sua vida passada, de tantas e variadas vicissitudes e planejou o seu futuro. Em uma de suas reflexões, assim escreveu Dr. Ibiapina: “Desde o começo da minha vida, que as desgraças me cercam. Meu pai fuzilado pela política; meu irmão desterrado, onde morreu desgraçadamente; minhas irmãs, em tenra idade, abandonadas em casas de parentes, deram ao meu espírito uma direção tão penosa que aprendi a pensar seriamente, na idade da juventude, e com pendor sempre para as coisas penosas”. Depois desta experiência contemplativa, Dr. Ibiapina conquistou a paz espiritual e decidiu realizar a vocação sacerdotal, que lhe acompanhava desde criança. Vendeu o referido sítio de Caxangá e com o dinheiro comprou a casa da Rua Santa Rita, em Recife, onde tinha morado.

5. ORDENAÇÃO SACERDOTAL E SEUS TRÊS PRIMEIROS ANOS DE PADRE

Voltando a morar em Recife, depois de ter passado três anos afastado do convívio social, isolado em seu sítio de Caxangá, Dr. Ibiapina continuava com o firme propósito de ser padre, mas não externava esta vontade a ninguém. Certo dia, atendendo ao pedido de dois padres amigos do Dr. Ibiapina (Cônego Lourenço Correia de Sá e Padre Francisco José Tavares da Gama) e com o conhecimento do Bispo Dom João da Purificação Marques Perdigão, 1779-1864, o acadêmico Américo Militão, amigo comum dos dois padres, do Dr. Ibiapina e do Bispo Dom João, foi até a casa do destacado advogado sugerir que ele se ordenasse. Assim respondeu Dr. Ibiapina: “Senhor Américo, o Senhor foi mandado hoje aqui pela Providência. Saiba que meu espírito há muito luta com esta ideia e esse é o meu maior desejo, mas eu não me achava com coragem de me abrir com ninguém. Faça ver o Senhor Dom João que quero ordenar-me, mas não me sujeito a exame nenhum. Se for possível assim, muito bem. Do contrário, nada se fará”. Cerca de um mês depois, no dia 3 de julho de 1853, Dr. Ibiapina foi ordenado sacerdote, por Dom João da Purificação, com 47 anos

incompletos. No dia 26 de julho do mesmo ano, na Igreja da Madre de Deus, em Recife e na presença de suas duas irmãs, Maria José e Ana, Padre Ibiapina celebrou sua primeira missa. Após ser ordenado, Padre Ibiapina foi nomeado, por seu Bispo Dom João da Purificação Marques Perdigão, para ser Vigário Geral da Diocese de Olinda e Recife, e depois, Lente de Eloquência Sagrada, no Seminário de Olinda. Também no Seminário Diocesano de Olinda, Padre Ibiapina foi professor da disciplina História Sagrada e Eclesiástica.

6. VIDA MISSIONÁRIA DE PEREGRINAÇÃO, EVANGELIZAÇÃO E CARIDADE

Em 1855 ocorreu uma grave epidemia de cólera-morbo, que provocou milhares de mortes nas províncias (estados) nordestinas. Esta terrível peste sensibilizou tanto o Padre Ibiapina que ele decidiu abandonar o magistério no Seminário Diocesano de Olinda para se dedicar inteiramente aos doentes e miseráveis no interior do Nordeste.

No dia 8 de dezembro de 1855, por ocasião da celebração do primeiro aniversário da Proclamação do Dogma da Imaculada Conceição de Maria, Padre Ibiapina tomou a decisão de alterar o próprio nome, passando a assinar sem o sobrenome “Pereira”, substituindo-o pelo complemento “de Maria”, em homenagem à Mãe de Deus. A partir daí, Padre José Antônio de Maria Ibiapina iniciou sua vida de missionário peregrino, no interior do Nordeste, levando a mensagem confortadora e transformadora do Evangelho, juntamente, com o exercício da caridade aos sertanejos mais humildes e abandonados. Por cerca de 28 anos, o Padre-mestre Ibiapina peregrinou no interior de cinco Estados nordestinos (Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí) realizando as santas missões, onde pregava o evangelho, celebrava missas, novenas, batizados, casamentos e outros atos religiosos; fazia orações, prédicas e aconselhamentos; rezava o terço e o rosário; cantava o ofício de Nossa Senhora, salmos e ladainhas; entoava cânticos e louvores. Como líder comunitário, utilizando o trabalho dos fiéis no sistema de mutirão, construía igrejas, capelas, cruzeiros, cemitérios, fazia açudes, roçados, cacimbões, casas paroquiais, pequenas bibliotecas, hospitais, escolas e as benfazejas Casas de Caridade, que eram orfanatos para crianças abandonadas do sexo feminino. Ele construiu 22 Casas de Caridade, para criar, educar e dar formação moral, religiosa e profissional às crianças e jovens órfãs ou que os pais não tinham condições de criá-las e educá-las. Cada casa de caridade tinha seu regulamento, sua escola, sua capela, sua enfermaria, seus aposentos, sua cozinha e seu refeitório. As internas recebiam educação formal, para aprenderem a ler, escrever e contar; educação religiosa e moral e educação profissional, onde recebiam aulas de corte e costura, bordado, fiação, tecelagem, arrumação da casa (cama, mesa e banho) e de culinária, além de artesanato de cipó e palha. Cada casa tinha suas cuidadoras, que eram as irmãs voluntárias (beatas) lideradas pela Irmã Superiora, que cumpria, rigidamente, os regulamentos, elaborados pelo Padre-mestre Ibiapina. As Irmãs de Caridade usavam

hábitos e tinham vida reclusa, de oração, jejum, penitência e caridade, além da prática diária da religião católica. Eram beatas voluntárias, pois não pertenciam ás ordens religiosas formais, instituídas pelo Vaticano. Nas Casas de Caridade só moravam mulheres e não tinham empregadas nem escravas. As tarefas da casa eram executadas por todas que lá moravam. Os irmãos (beatos) faziam os trabalhos externos e tiravam esmolas para a manutenção da casa. Todas as casas de caridade tinham seu grupo de “Irmãs de Caridade” (conhecidas por beatas, freiras ou simplesmente irmãs) e de Gideões, que eram pessoas de destaque do lugar, que se comprometiam em angariar dinheiro, alimentos e outros bens, para a manutenção da Casa de Caridade. Algumas das Casas de Caridade tinham gado e outros animais, que eram cuidados pelos beatos. As vacas produziam leite, as galinhas produziam ovos, e os ovinos, caprinos, suínos e aves forneciam carne para a alimentação das que habitavam na casa. Além da Tia Aninha, beata irmã do Padre- mestre Ibiapina, que vivia na Casa de Caridade de Gravatá do Jaburu, em Pernambuco, uma outra beata que ficou bastante conhecida foi a Irmã Vitória de Santa Júlia Ibiapina, moradora da Casa de Caridade de Triunfo-PE. Os beatos mais famosos foram o Irmão Inácio, natural de Açu-RN, Irmão Aurélio, nascido no Crato-CE e o Irmão, mestre-escola, Antônio (Antônio Modesto de Maria Ibiapina, 1857-1927). O Irmão Inácio acompanhou o Padre-mestre Ibiapina desde 1862, quando decidiu deixar Açu-RN e acompanhar o peregrino missionário até sua morte em 1883. Na grande seca de 1877-1879, ele foi o principal arrecadador de recursos para a manutenção das casas de caridade. Acompanhava Ibiapina em suas viagens, fazendo mandados e prestou relevantes serviços as Casas de Caridade.

Entre 1856 a 1860, Padre Ibiapina dedicou-se às vítimas do cólera-morbo no interior de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba. Iniciou suas atividades no pequeno e atrasado povoado de Gravatá do Jaburu, hoje Gravatá do Ibiapina, atual distrito do município pernambucano de Taquaritinga do Norte. Primeiramente, ele construiu aí um pequeno hospital para tratar os coléricos, uma capela e um açude e, posteriormente, a primeira Casa de Caridade, das 22 que construiu ao longo de sua vida. Concomitante com a construção da Casa de Caridade de Gravatá do Jaburu, em 1860, foi também organizada a Casa de Caridade de Mossoró-RN. Depois de inaugurar a Casa de Caridade de Gravatá do Jaburu, Padre Ibiapina trouxe sua irmã Ana Ibiapina, que se tornou beata e dedicou sua longa existência, exclusivamente, aos serviços da referida instituição. Adotou o novo nome de Beata Ana Maria de São José, mas era chamada, carinhosamente pelo povo, de Tia Aninha. Ela viveu neste orfanato até sua morte, que ocorreu em 1912, com 97 anos de idade.

Após a morte do Bispo da Diocese de Olinda, Dom João da Purificação Marques Perdigão, assumiu o Bispado Dom Manoel do Rêgo Medeiros, 1829-1866, que dividiu a Diocese em quatro Províncias: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas, e nomeou, em 1866, O Padre

Ibiapina para ser Visitador da Província da Paraíba, mas ele praticamente não exerceu este cargo, porque Dom Manoel do Rêgo faleceu inesperadamente, oito meses depois de sua posse. Um fato interessante e digno de recordação ocorreu em 1867, durante uma visita que Padre Ibiapina fazia ao povoado de Fazenda Grande, hoje cidade de Floresta-PE. Neste período, Floresta estava vivenciando acirradas e cruentas lutas políticas. Neste ambiente hostil de ódio e esfacelamento das famílias, nas lutas pelo poder político, Padre Ibiapina tomou para si a tarefa de apaziguar e desarmar os adversários. No púlpito falou com eloquência e externou seu grande poder de persuasão. Chamou os contendores à razão e à aderirem a fraternidade. Ao terminar sua preleção mandou cavar no centro da rua principal da vila uma circunferência, com alguns palmos de profundidade e ordenou com sua autoridade de Padre carismático, que os homens, de todos os partidos políticos, depositassem suas armas na circunferência escavada. Pouco a pouco, os inimigos rancorosos da véspera, à beira daquele estranho buraco, atiravam as armas e estendiam, uns aos outros, as mãos amigas. Depois, Padre Ibiapina mandou fechar com cimento o arsenal. Posteriormente, Padre Ibiapina ergueu sobre o local um cruzeiro, como símbolo da fé e do amor entre os homens. Em Vila Bela, hoje município de Serra Talhada-PE, o Padre-mestre Ibiapina fez o mesmo gesto simbólico, que fizera em Floresta. Mandou cavar um buraco em frente a matriz e enterrou as armas brancas e de fogo, que estavam em poder dos fiéis.

Por ocasião das Santas Missões que o Padre-mestre Ibiapina pregou em 1862, em sua terra natal, Sobral, ocorreram dois fatos curiosos, um foi a presença de Antônio Vicente Mendes Maciel, 1830-1897, que à época trabalhava como caixeiro em Sobral e que seria o futuro beato Antônio Conselheiro, protagonista da Guerra de Canudos. A outra curiosidade foi a queima de objetos de vaidade e distração que, segundo Ibiapina, atraia vício, prostituição, ociosidade e desordem, como violas, violões, rabecas, guitarras, bandolins e tamborim. Foram também queimados balões e biqueiras. Após a sua prédica contra os vícios e objetos de vaidade e distração, os fiéis, de livre e espontânea vontade, foram trazendo seus instrumentos musicais para serem queimados na fogueira aberta em frente à igreja. Achava ele que o divertimento em festas dançantes, atraia bebedeira, brigas e mortes. A grande obra que o santo missionário realizou em sua terra foi a inauguração da Casa de Caridade de Sobral, em 1862. Um dos Gideões da Casa de Caridade de Sobral, Senador do Império Francisco de Paula Pessoa, 1795-1879, doou 340 cabeças de gado, para garantir a manutenção da referida casa.

O primeiro Bispo do Ceará, Dom Luís Antônio dos Santos, 1817-1891, visitou a Casa de Caridade de Sobral poucos dias após sua inauguração e ficou deveras impressionado com a grandeza desta obra, para dar guarida às meninas órfãs e desamparadas da região de Sobral e resolveu oferecer 380 mil réis para ajudar nas despesas iniciais daquele asilo de crianças e jovens desvalidas.

Uma curiosidade ocorrida nas missões do Cariri Cearense, realizadas pelo Padre-mestre Ibiapina, foi a presença do jovem Cícero Romão Batista, dois meses antes de ele começar seus estudos no Seminário da Prainha, em Fortaleza. Muito tempo depois, Padre Cícero veio a ser um dos principais líderes religiosos, que ajudou a moldar os padrões da prática religiosa adotada pelos sertanejos. Esta religiosidade típica do povo do interior do Nordeste foi formada, por terem vivido, na mesma época e na mesma região, expressivos líderes religiosos carismáticos, dentre eles Padre Ibiapina, Padre Cícero (Cícero Romão Batista,1844-1934), Beato Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel, 1830-1897), Beato Zé Lourenço (José Lourenço Gomes da Silva,1870- 1946), Beato Zé Senhorinho (José Ferreira da Costa, 1892-1938) e Frei Damião (Pio Giannotti, 1898-1997).

A Casa de Caridade do Cariri foi inaugurada no dia 2 de fevereiro de 1865 e situava-se na vila de Missão Velha, hoje cidade de Missão Velha, no Sul do Ceará. Como vimos, as duas primeiras Casas de Caridade construídas pelo Padre-mestre Ibiapina foram as de Gravatá do Jaburu, em Pernambuco, e a de Mossoró-RN, no ano de 1960, e as duas últimas foram as das cidades paraibana de Campina Grande e Cabaceiras, em 1972. Padre-mestre Ibiapina morou seus últimos 10 anos de vida na famosa Casa de Caridade de Santa Fé, em Solânea-PB. No dia 30 de dezembro de 1875, quando pregava na vila do Triunfo, hoje cidade de Triunfo-PE, foi acometido de uma congestão cerebral (AVC - acidente vascular cerebral) que lhe paralisou as pernas, ficando a partir daí paraplégico, preso a uma cadeira de rodas. No dia 7 de janeiro de 1876, ainda convalescente, foi trazido sobre uma cama, nos ombros dos amigos, de volta ao seus aposentos, na Casa de Caridade de Santa Fé. Não podendo mais realizar longas viagens, passou a administrar as demais Casas de Caridade espalhadas pelo Nordeste por cartas. Em Santa Fé ficou sendo professor, confessor, capelão e administrador da Casa de Caridade.

Durante a grande seca de 1877-1879, a miséria tomou conta do sertão nordestino. O rebanho bovino da região foi todo dizimado pela fome e pela sede e grande parte da população humana sucumbiu à fome e as doenças, como o cólera, a varíola e a catapora. Faltou comida para alimentar as residentes das Casas de Caridade e para os flagelados da seca que, diariamente, recebiam comida, remédio e apoio espiritual das Irmãs moradoras das Casas de Caridade. Sem poder viajar, por estar paralítico e com saúde precária, Padre-mestre Ibiapina autorizou o Beato Inácio a viajar ao Rio de Janeiro para tirar esmolas, para alimentar os desvalidos da seca. Irmão Inácio, com carta de recomendação assinada pelo Padre Ibiapina, trajando camisolão azul de beato, com uma grande cruz pintada na parte da frente, bentos pendurados, descalço, cabelos e barba crescidos, chamava a atenção dos cariocas. Irmão Inácio arrecadou 22 contos de réis, quantia significativa, que deu grande ajuda ao Padre Ibiapina, para comprar alimentos para os famintos.

O retrato clássico do Padre-mestre Ibiapina existente na Casa de Caridade de Santa Fé foi pintado pelo grande pintor paraibano Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, 1854-1916, irmão do famoso artista brasileiro, de fama internacional, Pedro Américo de Figueiredo e Melo, 1843-1905. Este importante quadro, óleo sobre tela, não se encontra mais no prédio-museu da Casa de Caridade de Santa Fé, pois o levaram para ser guardado em outra cidade.

Em 1992, Padre-mestre Ibiapina foi proclamado, pela Congregação das Causas dos Santos do Vaticano, como Servo de Deus. Seu processo de canonização, como santo oficial da Igreja Católica, continua em andamento no Vaticano.

LITERATURA CONSULTADA

1. ARAÚJO, Francisco Sadoc de. Padre Ibiapina: Peregrino da Caridade. Fortaleza-CE, Gráfica Tribuna do Ceará, 1995, 213 p.

2. CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. “Padre Ibiapina” in: Livro das Grandes Figuras, v. 6, Natal, 1989.

3. MARIS, Celso Marques. Ibiapina, um apóstolo do Nordeste. João Pessoa-PB.Editora União, 1942.

4. FREYRE, Gilberto de Mello. Sobrados & Mocambos. Rio de Janeiro, 1967. t 1.

5. HOORNAERT, E. Crônica das Casas de Caridade Fundadas pelo Padre Ibiapina. Fortaleza-CE. Museu do Ceará; Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2006; 252 p. (Coleção Outras Histórias, 39).

6. MARIS, Celso Marques. Ibiapina, um Apóstolo do Nordeste. João Pessoa-PB. Editora União, 1942.

7. SILVA, B. Padre Ibiapina. Fortaleza-CE. Ed. Demócrito Rocha, 2002. 104 p. il. (Coleção Terra Bárbara).

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