Por Junior
Almeida
Maria Gracinda da Conceição
Quando Maria
Gracinda da Conceição (foto) nasceu em 24 de junho de 1914 ainda não tinha
começado a primeira grande guerra. Ainda não existia copa do mundo e o Brasil
era governado pelo Marechal Hermes da Fonseca. Quem governava Pernambuco era o
também militar, general Dantas Barreto, nascido em Bom Conselho do Papa Caça.
Branca, como é chamada desde pequena casou-se em 1935 com o filho do seu
padrinho Francisco Basílio, o agricultor José Basílio, passando a se chamar
Maria Gracinda Basílio. Viveram juntos por quase 67 anos, até quando ele
faleceu em 2002 com mais de 100 anos de vida. Da união do casal nasceram 14
filhos, sendo 8 mulheres e 6 homens. Desses vieram 50 netos, 63 bisnetos e 9
tetranetos.
Dona Branca
está completando hoje, dia de São João, 102 anos, e uma missa será celebrada
por tão importante data. Depois da celebração uma festa em sua residência no
Sítio Azevém em Paranatama, para familiares e convidados. Dona Branca já viu e
viveu muita coisa em mais de um século de vida. Ela já passou pelo mandato de
34 presidentes da república, e mais as juntas provisórias, a de 1930 e a de
1969. No Estado, 48 governadores já ocuparam o cargo desde o seu nascimento.
Branca já viu os golpes de 1930, o de 1964 e o recente parlamentar/midiático de
2016. Ela viu surgir o Rei do Baião, viu chegar a “luz de Paulo Afonso”, os
automóveis, o rádio, a televisão, e várias outras coisas da vida moderna.
Era pequena
quando aconteceu a hecatombe de Garanhuns, episódio que assombrou não só a
região, como todo o país. Branca viu surgir o banditismo rural, o cangaço, que
apavorou todo o interior do Nordeste. Não só soube por ouvi dizer, soube por
que foi uma das vítimas do maior de todos os cangaceiros, Virgulino Ferreira, o
famigerado Lampião.
Foi assim:
Corria 19 de julho de 1935, quando por volta das 10 da noite, no Sítio Azevém
em Serrinha do Catimbau, hoje Paranatama (foto ao lado), na época distrito de
Garanhuns, bateram à porta do casal Zé Basílio e Branca. Do lado de fora da
casa uma voz dizia ser Lampião, que abrissem logo, sem demora. As pessoas
dentro da casa ainda pensaram em se tratar de um trote, mas a voz de um
conhecido feito refém do bando confirmou a má notícia.
Zé Basílio de
pronto foi ameaçado pelo punhal do “Cego de Vila Bela” em seu peito. Faziam
parte do bando Virgulino Ferreira, o Lampião, sua companheira Maria Bonita,
Maria Ema, Medalha, Fortaleza, Juriti, Moita Braba e Gato. A casa se encheu de
gente. Além dos bandidos, alguns homens acompanhavam a horda como reféns do
grupo. A caterva tratou de exigir dinheiro e ouro dos donos da casa, sempre com
ameaças. Branca em outro cômodo da residência ainda escondeu algum dinheiro da
bodega do seu marido em uns sacos de feijão, mas os cangaceiros descobriram,
derramando um saco de feijão branco e um preto, misturando os dois.
Todas as jóias
dentro de casa também foram entregues aos cangaceiros, mas Branca ficou com Maria
Bonita e Maria Ema, sendo torturada, apanhando de coronha de rifle, para dar
conta de mais ouro, o qual não tinha. A sessão de tortura física e psicológica
fez Branca, na época com 21 anos, ficar toda roxa de tanta pancada.
Ao final, a
horda maldita deixou o casal arrasado financeiramente e psicologicamente,
seguindo para casa do pai de Zé Basílio, onde os cabras de Lampião
saquearam o que podiam e estupraram duas moças. Na madrugada do dia 20, Lampião
seguiu para Serrinha, passando antes na localidade Queimada do André onde
assassinaram o agricultor José Gomes Bezerra. Seguiram para a vila, onde um
grupo de resistência liderados por João Caxeado e Oséias Correia travaram uma
intensa fuzilaria com o Rei do Cangaço e seu bando. O saldo da refrega foi positivo
para o povo de Serrinha do Catimbau, pois pelo lado dos cangaceiros ficaram
feridas as bandidas Maria Bonita e Maria Ema, além de um cachorro do bando de
nome dourado, que morreu em meio ao fogo cruzado, deixando para algum sortudo
uma coleira ornada com moedas de ouro e prata. De Serrinha, ninguém se feriu.
Maria Gracinda
Basílio estará daqui a muitos anos com seu nome nos livros sobre o cangaço,
como já está hoje, citada por grandes pesquisadores, dentre eles João de Souza
Lima, de Paulo Afonso na Bahia, terra de Maria Bonita, Antônio Vilela, aqui de
Garanhuns e Paulo Gastão, de Mossoró no Rio Grande do Norte, terra que se
orgulha de ter vencido Lampião numa batalha épica em 13 de junho de 1927, em
que morreram os cangaceiros Jararaca e Colchete, desmantelando o bando de
Lampião, fazendo com que ele fugisse pra Bahia com apenas cinco cangaceiros.
Dona Branca é
História do Brasil, do Nordeste, da nossa região. É a nossa História. Parabéns
Dona Branca pelos seus 102 anos de vida e parabéns a todos os seus descendentes
por tão importante figura, memória viva do nosso país.
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