Por Raul Meneleu Mascarenhas
As volantes
vinham bem "pertin", estava nos "casco" dos
"cangacêro". Todos iam numa pisada só, como se corressem junto com o
vento. Lampião na retaguarda e dona Maria na frente do grupo. Como um Lobo
protegendo os seus, o "doca" ia vigiando o passar de vassoura de
galhos feita por um dos seus que estava mais atrás apagando os rastros.
Apaga rastros
acolá e ali e chegam num grande lagêdo e ficou mió pros disfarce. Correram
rente a um terço de Nossa Senhora, desenhado nas pedras quando ela passara a
muito tempo por ali, e agora era como se fosse um aviso dizendo "venham
por aqui".
Cansados
chegaram a um local escondido por entre a caatinga branca. Estavam todos com
suas vestimentas de mescla azulada qui nem o manto da Virgem.
- Qui lugar é
esse "meu capitão?" - disseram todos em uníssono.
Lampião com
aquele olho bom, alumiou de espanto seu olhar e viu o branco das árvores
retorcidas, secas como estivessem mortas. Olhou pro céu e viu aquelas nuvens
grandes e brancas, tipo aquelas que enfeitavam os pés da Santa, um sinal de paz
momentânea. A pureza do azul, cor do manto de Nossa Senhora, também era a cor
da água, que espantado via naquele canto das pedras. Tinham se deparado com um
oásis perdido naquele sertão quente e ressequido a Deus dará.
Muito ligado à
natureza, Lampião mais que ninguém, assim como sertanejo calejado, carregava em
sua indumentária as cores “puras” do universo; o vermelho do sangue, para ele o
“encarnado” que lhes dava força, estava enrolado em seu pescoço em um belíssimo
lenço de seda. Como também todo homem do sertão, ele tinha uma relação de
verdadeira adoração com a água, sempre tão escassa, o que fazia com que o azul
fosse a cor do acalanto e da serenidade. Olhou para o sol, com a mão esquerda em
pala e enxergou o amarelo, do ouro e da riqueza. Por vezes, todas as cores
juntas, em combinações faziam-no manso.
- Aqui nóis se
acoita hoje cabroeira!
E todos
aliviados daquela persiga feroz dos valentes nazarenos, trataram de descansar
um pouco daquela sina maldita de perseguidos.
Ao cair a
tardinha, ao tomar seu banho naquelas águas límpidas e azuis, sentiu um perfume
delicioso, e um ouviu um som estranho e melancolicamente cadenciado,
carregados pelo vento. Nunca tinha sentido tal perfume e ouvido aquela música.
Era um ritmo cadenciado e choroso, como se quem estivesse cantando e tocando
aquela viola estivesse chorando. Falava da desdita de viver nas agruras da
caatinga, sem que ninguém tivesse um pouco de pena dele.
Lampião foi se
aproximando devagar, daquele local de onde provinha aquele som tristonho e de
onde vinha aquele perfume. Viu um frasco caído e um líquido incolor a escorrer
nas pedras do lagedo, quando de repente deparou-se com um grande homem
negro, acorrentado pelos pés a um tronco de baraúna. Estava com a viola na mão
e dedilhava de forma compassada enquanto seu lamento saia de seus pulmões
enfraquecidos pela desdita. Lampião olhando fixamente, ficou pasmo quando
aquela imagem sumiu de repente de sua única vista boa. Esfumaçou-se instantaneamente.
Ele pasmo, e consigo mesmo falando, gaguejava e dizia: ... esse local é
encantado! Esse local é encantado!
Depois que a
correria passou, e com alguns dias acoitados naquele local maravilhoso, Lampião
e seu bando descansaram das refregas com as volantes. Ouviram sempre à mesma
hora, aquela música tristonha e calmante, que faziam todos aqueles homens rudes
pensarem na vida e acalmarem-se de sua violência com aquele perfume exalado das
entranhas das rochas.
Depois de
saírem daquele local, nunca mais esqueceram aquele som maravilhoso e só depois
de muito tempo vieram a saber que naquele local, há muitos anos atrás existia
uma grande fazenda, que tinha muitos escravos, onde o seu Senhor vaidosíssimo
não abria mão do seu perfume predileto; e que a música chamava-se Blue.
Acertaram
entre si, que doravante em seus bailes perfumados, lembrariam dessa música e
Lampião, vaidosíssimo, prometera a sua linda Maria, sempre usar o perfume que
se tornou seu predileto também, o Fleurs D’Amour, da maison Roger & Gallet,
fragrância essa criada em 1904 e, até o ano que aconteceu a grande tragédia de
sua morte, e sempre vestir azul.
http://meneleu.blogspot.com.br/2016/08/lampiao-azul.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário