Por Jose
Romero Cardoso de Araujo*
As secas
representam, desde tempos imemoriáveis, uma marca indelével no sertão
nordestino. Uma das mais trágicas ocorreu no ano de 1877, tendo se estendido de
forma avassaladora por um período de três longos anos. O sofrimento da gente
nordestina, nos períodos de estiagens, originou lendas que se perpetuaram
através da tradição oral transmitida de geração a geração.
A riqueza da
cultura popular no Nordeste é tão marcante, que um clássico em forma de música
foi inspirado em uma lenda sertaneja. Segundo consta nas memórias dos atentos
sertanejos, a cabocla Maria do Ingá, singular em sua beleza estonteante, era
natural da cidade de Ingá do Bacamarte, no agreste paraibano. Após uma seca que
antecedeu a de 1877-79, provavelmente a de 1848, a formosa cabocla migrou para
a cidade de Pombal, situada além do planalto da Borborema, na confluência dos
rios Piranhas e Piancó. A beleza da jovem despertou paixões desenfreadas em um
caboclo, do qual a tradição oral não ousou declinar o nome para que a bela
Maria do Ingá protagonizasse carinhosamente a mais comovente estória sertaneja.
Na malfadada seca de 1877, ela toma novos caminhos pelas veredas do sertão e
procura novas paragens a fim de continuar o desfile de sua beleza através das
trilhas adustas das caatingas ressequidas, mas felizes por poderem contemplar o
semblante magistral da cabocla.
Maria do Ingá
já era imortalizada pelo sertão que tanto a admirou quando um jovem médico, no
ano de 1932, marco do recrudescimento de uma das maiores secas que o nordeste
já viu, entrou em contato com Ruy Carneiro, oficial de gabinete de José Américo
de Almeida, na época em que este ocupava a pasta do Ministério de Viação e
Obras Públicas do governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934). Faltava
universalizar a emocionante estória ocorrida no sertão paraibano para que a
lenda se eternizasse. O destino se encarregou dos fatos, colocando frente a
frente o Dr. Joubert Gontijo de Carvalho e o futuro senador Ruy Carneiro. O
médico e compositor mineiro, por sua vez, pleiteava um cargo no Ministério de
Viação e Obras Públicas quando o pombalense Ruy Carneiro ativou a sua veia
poética, pedindo-lhe para musicar a terra do Ministro José Américo, visto que o
sucesso granjeado com “Taí ” (Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim, ai meu
bem não faz assim comigo não...) já o havia consagrado no panteão dos grandes
artistas brasileiros. Como a cidade de Areia, situada no brejo paraibano, berço
de José Américo, Pedro Américo, entre outros grandes vultos, não soava
poeticamente, o oficial de gabinete falou-lhe então sobre a lenda que o povo da
sua terra propalava aos quatro cantos desde o marcante final da década de 70do
século XIX. Na hora, Joubert de Carvalho achou extraordinária a idéia de se
musicar a trajetória da sensual cabocla que abalou a ribeira do Piranhas. Mas
achou também que Maria do Ingá não soava adequadamente, tendo de imediato
intitulado a canção com a união do nome da cabocla com o seu local de origem.
Surgiu assim Maringá, a mais bela ode ao sertão sofrido com as secas.
A música
tornou-se o hino sertanejo por excelência, sendo posta de lado somente quando
Luiz Gonzaga gravou Asa Branca. O grande “Lua” conseguiu despertar com sua arte
a identidade nordestina que estava sendo adulterada progressivamente. A emoção
da poesia composta por Joubert Gontijo de Carvalho, sugerida por Ruy Carneiro,
que era talvez o mais profundo conhecedor do sertão nordestino, assinalou em
toda história da música popular brasileira um capítulo em que o Nordeste teve grande
destaque e marcante menção honrosa.
Falando que em
uma leva a cabocla tornou-se a retirante mais comentada, Joubert de Carvalho
despertou um pouco o Brasil e fez ver que a angústia das estiagens é um
problema sério que traz em seu âmago problemas sociais que até hoje não foram
solucionados.
Maringá era
cantada sem cessar pelos trabalhadores nordestinos que migraram para o
Centro-Sul a fim de escapar das secas, dos latifúndios e da falta de
perspectiva advindas com a estagnação econômica da região que um dia foi o mais
importante pólo da exploração mercantilista no Brasil. O esforço e a
contribuição dessa gente foi decisiva na construção de várias cidades que
surgiam, principalmente no Paraná, importante centro cafeicultor que começava a
despontar de forma destacada. No norte paranaense os nordestinos chamavam a
atenção pela alegria disfarçada, que na verdade era tristeza e saudade da terra
natal, relembrando, com Maringá, as colinas sertanejas, as lágrimas nos olhos
após as estiagens secarem todas as cacimbas e riachos, os espinhos do mandacaru
trespassados de aflição e as alegrias das noites sertanejas.
Com o início
da edificação da cidade paranaense, que despontava para o progresso alcançado
com a valorização do café no mercado internacional, ocorre o surpreendente. Os
paranaenses batizam o novo centro urbano com o nome de Maringá.
Tendo por
inspiração o longínquo sertão nordestino, a bela canção de Joubert Gontijo de
Carvalho é um patrimônio nacional. Vale a pena lembrar que Pombal, na Paraíba,
é a homenageada nos refrães da poesia em forma de música , a qual reflete o
íntimo das emoções de um povo castigado pela natureza e pelos homens da terra:
“Antigamente uma alegria sem igual, dominava aquela gente da cidade de Pombal,
mas veio a seca e toda a chuva foi-se embora, só restando então as águas dos
meus olhos quando choram”.
*Geógrafo.
Professor da UERN.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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