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sexta-feira, 20 de abril de 2018

O CONCHAVO PARA A INVASÃO DE MOSSORÓ E A MORTE DE UM TRAIDOR


Por Sálvio Siqueira

Naquele tempo, sem a participação auxiliadora dos ‘coronéis’, o cangaço não tinha se enraizado nos sertões nordestinos com tanto ênfase. No mundo do ‘coronel’ estava contido o do cangaceiro e vice-versa. O cangaceiro veio, em sua grande maioria, do mundo dos coronéis, pois, eram ex-jagunços que prestavam seus ‘serviços’ sangrentos e secretos ao mesmo. Depois de roubar, extorquir, maltratar e matar a mando do ‘coronel’, alguns jagunços resolve mudar um pouco.

Continuariam fazendo tudo aquilo, porém, a ‘arrecadação’ em dinheiro, prata e ouro no exercício de seus crimes seria dele próprio, quando muito, repartiam meio a meio com o coronel o que já os deixavam de igual para igual nesse sentido.

Com essa determinação dos cabras, os coronéis continuaram contratando outros jagunços, no entanto, aqui acolá, esses ex-jagunços, agora cangaceiros, emprestavam suas espingardas aos serviços dos seus ex- patrões em casos determinados como ‘especiais’: rixa política entre chefes regionais, uma propriedade que queriam comprar e não estava a venda e outros do mesmo porte. Havia, dentre outras, uma boa razão para ocorrer essa contratação, que seria o não aparecimento dos seus homens, com isso ele tirava um pouco dos ombros a suspeita que certamente teria a Força Pública. É claro que sendo um desafeto de determinado ‘chefão’ da região, não só as autoridades como todo o restante da população sabia quem seria o mandante, mas, todos faziam de conta não saberem e o poder estando em suas mãos à justiça não tinha como agir contra os próprios.

Alguns estudantes do tema cangaço acreditam que o ‘coronel’ do sertão nordestino, o latifundiário, era o maior inimigo dos cangaceiros. Ocorria exatamente o contrário. O cangaceiro que se atrevia a ficar inimigo dos ‘coronéis’ não sobrevivia muito tempo. Parte da pirâmide de colaboradores, a malha humana de colaboradores que Lampião, o “Rei do Cangaço”, conseguiu erguer, formar, era dos coronéis que foram à ‘prestação de serviços’ executados em prol do chefe cangaceiro em se tratando de abastecimento com mantimentos, armas e munição, coisas essenciais para sobrevivência de qualquer grupo armado.

Só que quando o jagunço ou cangaceiro chegavam até um coronel ou ao território por ele controlado, há muito que aquela força dominante existia na região, pois vinha, na maioria das vezes, herdada por gerações. Então, para continuarem com as rédeas do poder, logicamente o coronel e cia pendiam, na hora do aperto, para o lado mais forte, o governo, com isso os bandoleiros levavam sempre a pior. Assim, na sequência dos arrochos empregados pela Força Pública o cangaço chega ao seu epílogo em maio de 1940 com a morte do chefe cangaceiro Corisco.

A década dos anos 1920 é considerada como sendo a época em que mais surgiram grupos de bandoleiros armados aterrorizando os sertanejos. Tanto que, estatísticas mostram que após 1922 mais de 40 grupos de cangaceiros agiram no Sertão, microrregião semiárida do Nordeste brasileiro até meados de 1927. Dentre todos os grupos de bandoleiros, bandos de cangaceiros, que apareceram naquele momento, o comandado pelo pernambucano Virgolino Ferreira, o cangaceiro Lampião, natural de Passagem das Pedras, município de Vila Bela, hoje Serra Talhada, PE, foi o que mais se destacou. Igual seus antecessores, Lampião teve que se conciliar com coronéis, roceiros, militares e governantes para conseguir sobreviver às perseguições impostas pela Força Pública.

A historiografia nos mostra que vários dos coronéis que fizeram conchavos com cangaceiros, os traíram para, principalmente, se darem bem diante da ‘justiça’. Mesmo assim, na época do cangaço lampiônico grandes latifundiários, comerciantes e agricultores colaboradores foram presos e abatidos pelas volantes. Exterminando a colaboração dos colaboradores seria o único meio de chegar ao cangaceiro mor.

Naquele tempo, 1927, um dos grandes coiteiros do cariri cearense era o coronel Isaías Arruda. Isaías sempre manteve ao seu comando um bando de jagunços bem armados para não perder o domínio da região. Além disso, tinha constantes contatos com chefes de bandos de cangaceiros incluindo, dentre esses, Lampião. Em certa data, Arruda manda chamar vários chefes de bandoleiros para uma determinada ação. Entre eles estavam Sabino das Abóboras, Massilon Leite e Virgolino Ferreira. Massilon, dono de uma ambição maior do que a dos outros, tem a ideia de atacarem uma cidade de grande porte no Estado potiguar. Passando a ideia para o coronel Arruda, esse também cheio de ambições, concorda e se compromete em fornecer material bélico, alimento e dinheiro para as devidas despesas que teriam na grande empreitada que fariam.

Segundo José Cícero, professor e pesquisador do cangaço, além de Secretario de Cultura de Aurora – CE, o chefe cangaceiro Massilon Leite, quando em viagem ao encontro com o coronel Isaías, na fazenda Ipueiras, “Depois de comerem na casa do vaqueiro, Massilon com seu bando seguiu para o esconderijo da serra dos Cantins a cerca de apenas meia légua da Ipueiras(fazenda do coronel Isaías Arruda arrendada ao cunhado Zé Cardoso) onde aguardaria o coronel e Lampião com relativa segurança.”

Esse vaqueiro em qual casa os cangaceiros de Massilon fizeram uma ‘boquinha’, era o senhor Vicente, que trabalhava para Zé Cardoso, outro fazendeiro cunhado de Isaías, e para o próprio coronel Isaías. Seus serviços não era apenas arrebanhar reses desgarradas, alimentá-las e desleitar as vacas pela manhã, e sim levar e trazer informações dos amigos dos fazendeiros e, principalmente, notícias dos inimigos desses. Estava por dentro de muitos ‘acordos’ e missões destinadas aos jagunços e cangaceiros contratados pelo coronel.

Vejamos, segundo o pesquisador José Cícero, o diálogo que o vaqueiro Vicente teve com Massilon antes de irem à casa do mesmo:

“- Bom dia Massilon! Como você voltou cedo... o combinado num era pro mês que entra? - Disse o vaqueiro com certa intimidade.

- De fato Seu Vicente, nós havia acertado com Zé Cardoso e o coroné pro começo do mês de julho. Mas sê sabe como é, a gente num domina os acontecimentos. – Continuou:

- Por isso tô aqui. E também já sei que o capitão Virgulino já tá chegando aí por perto. Tá pras bandas das porteiras ou nas terras de Antoin da Piçarra dando uma descansada - Explicou Massilon sentado de lado sobre a lua da sela, como que descansando as nádegas da longa viagem.

- É bom prevenir o capitão. Vi dizer que os macacos de Arlindo Rocha e Mané Neto estão fechando o cerco por aquelas bandas. É bom num facilitar. Aqui na Aurora estamos mais protegidos sob os cuidados do coroné Arruda.

Depois emendou: - Mas seu Vicente, me diga, onde está seu Zé Cardoso? –Perguntou:

- Trago a encomenda do coroné Izaías Arruda e tenho um bilhete de Décio Holanda sobre aquele assunto de Mossoró. Neste instante o vaqueiro do Diamante pareceu que tinha fogos nos olhos.

- Ora Massilon, você devia ter mandado dizer antes pelo pessoal das Antas. Zé Cardoso foi pra Missão Véia inda hoje no trem da feira pra tratar de assunto particular com o coroné Izaías. Depois a gente precisa de pagamento né. Disse ele que tinha pressa e tinha urgência. O vaqueiro continuou na sua longa explicação:

- Mas pelo jeito a amanhã cedo já deverá está de volta pelas Ipueiras. – explicou.

- Mas me diga onde vosmicê quer se arranchar? Aqui no Diamante na minha morada ou lá na casa das Ipueiras? Quis saber o vaqueiro. Pensativo Massilon demorou um pouco com o olhar enigmático voltado para o norte. Depois respondeu de chofre:

- Seu Vicente agradeço a sua hospitalidade. Mas quero ficar com meus homens até Zé Cardoso me trazer o coroné, lá na gruta da serra dos Cantins se o amigo não fizer caso pela escolha. – disse ele.

- O amigo acaso podendo me dispor do necessário é lá que eu queria me acoitar pelo tempo devido que for. Tenho coisas importantes para o coroné e naquele esconderijo de Lampião me sinto mais seguro. Sê sabe como é né? Munição e arma nós tem pra qualquer precisão.

- Bom, se o amigo deseja assim. Assim será feito. O resto pode deixar por minha conta.”

Massilon estava retornando de uma ‘missão’ determinada pelo coronel Isaías Arruda onde conseguiu uma grande soma em dinheiro. Esse espólio, produto do crime, tinha que ser repartido com o mandante. Devido ter tido que emprenhar a força e fazer sangue, sem necessidade, diga-se de passagem, Massilon, achou melhor ficar protegido em um dos tantos esconderijos descobertos e usados por Lampião, isso por ter receio de alguma retaliação por parte de alguma volante vinda ao seu encalço.

“Era inegável. Ele (Massilon) temia alguma perseguição pela pilhagem que praticara dias antes. Com toda aquela dinheirama obtida nos últimos saques, Massilon repartiria com o coronel Izaías Arruda. Este era o trato – a partilha seria na base do meio a meio. E de quebra, por conta desse lucro, aparentemente fácil, tentaria convencer o arguto Lampião para a sonhada empreitada da invasão de Mossoró. Seria o xeque mate para subir de vez na vida.” (José Cícero)

Após alguns dias de espera e, por fim, os ‘convidados’ chegam e rumam para a sede da fazenda Ipueiras. Essa fazenda estava arrendada a Zé Cardoso, mas era propriedade do coronel Isaías Arruda, seu cunhado. Nela, em sua sede, foram arquitetados os planos e acordos para a invasão da cidade de Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte. Os quais, diga-se de passagem, não foram por total analisados minuciosamente. “Da qual participaram, além de Massilon, o cangaceiro aurorense Júlio Porto que servia a Décio Holanda do Pereiro, Zé Cardoso, Lampião, Sabino e o coronel Izaías Arruda, este último como o grande patrocinador da empreitada.” (José Cícero).

Nesses dados históricos passados pelo pesquisador José Cícero, “... o cangaceiro aurorense Júlio Porto que servia à Décio Holanda do Pereiro” , aparecem o nome de uma pessoa natural do município de Mossoró, RN. Então surge, evidentemente, uma nova suspeita de onde vieram às informações sobre a riqueza da cidade e de seu prefeito, na ocasião, o coronel Rodholfo Fernandes. Carecendo essa ligação ainda ser bem pesquisada e analisada pelos historiadores.

Segundo escritores, de princípio Lampião não aprova o plano e nega-se a participar. Porém, como a cobiça pelo cobre obscurece a mente humana, Massilon e o coronel Isaías terminam por convencê-lo. E sabemos no que deu.

O coronel Isaías Arruda, arquiteto e patrocinador do plano para o ataque e saque da cidade potiguar do sal, se ver apertado quando o plano não deu certo. Os resultados saíram diferentes do planejado e, além do prejuízo financeiro, seu nome estava em jogo. Sabedor do que ocorria ao bando de bandoleiros chefiado por Lampião em sua jornada de retorno ao Ceará, logicamente ao ponto de partida, as terras da fazenda Ipueiras, arquiteta outro plano para ver se se via livre daquela ameaça, ou daquelas ameaças: Lampião, seus cabras e a Força Pública de três Estados nordestinos empenhados em acabar com o bando, que seria matar seu cúmplice e seus comandados. Na vagem da fazenda, quando da parada do bando enfraquecido pelas constantes derrotas empregadas pelas volantes, o coronel Isaías e seu cunhado Zé Cardoso, mandam que o vaqueiro lhes sirva comida envenenada, coloquem fogo no canavial barrando a via de fuga e, por último, cedem seus jagunços para juntarem-se ao contingente de uma volante cearense a fim de cercarem e atacarem conjuntamente para acabarem de vez com o Capitão cangaceiro. As baixas foram enormes, porém, por incrível que pareça, Lampião consegue se safar dessa grande emboscada juntamente com parte de seus homens e segue para o Pajeú das Flores, seu torrão natal, lambendo suas feridas.

Logicamente a traição do coronel coiteiro não poderia ficar impune. Aí aparece outra forma, maneira, de agir do pernambucano chefe cangaceiro Virgolino Ferreira. Segundo o pesquisador/historiador Frederico Pernambucano de Melo, em seu livro “Guerreiros do Sol”, 5ª edição de 2011, Lampião usa dos serviços de pistolagem para resolver certos assuntos pendentes e um deles era exatamente a traição do coronel Isaías Arruda.

Havia uma família denominada ‘os Paulino’, que era composta por três irmãos: Antônio, Francisco e João, este último sendo o mais velho. Em determinada data o coronel Isaías Arruda envia seus jagunços para darem cabo dos ‘Paulino”, e esses assassinam o irmão mais velho, chamado de João. Sabedor dessa rixa, Virgolino, aproveitando a intriga de sangue, fornece dados e dinheiro para que os dois irmãos matem o coronel. Assim, de uma única jogada, Lampião queria fazer com que Isaías pagasse por sua traição, ocorrida um ano antes, e, ao mesmo tempo, os irmão ‘Paulino’ teriam sua tão sonhada vingança. Apesar do inquérito oficial referir que “os paulinos vingaram o assassinato do irmão mais velho João, morto numa emboscada no serrote d’Aurora pelos jagunços de Arruda no ano anterior. A verdade é que ocorreu um ótimo plano para o assassinato do traidor, “... o assassinato uma vingança de Lampião pela traição do coronel um ano antes, durante a célebre tentativa de envenenamento do bando lampiônico e o histórico cerco de fogo do sítio Ipueiras, propriedade de Arruda em Aurora em cujo local Virgulino se arranchara por diversas vezes. Ocasião em que o rei do cangaço fugia das volantes após o fracasso da invasão de Mossoró, arquitetada sob as estratégias de Massilon Leite e financiada pelo próprio Isaías.” (José Cícero).

Lampião, nessa época, segunda metade do ano de 1928, não tinha condições de retornar ao cariri cearense devido à força de quatro Estados nordestinos, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, conjuntas, estarem no seu encalço dia e noite. No Estado da Paraíba, particularmente, ele há muito não fazia suas incursões devido o atrito criado com o coronel José Pereira, chefe político da cidade de Princesa Isabel, outro coiteiro que o traiu usando o ataque a cidade de Souza em 27 de julho de 1924 pelos cangaceiros de seu bando, o qual ordena aos seus jagunços, em número maior do que o contingente militar daquele Estado saírem em campo para acabarem com ele.

No ocaso do ano de 1928 ele é obrigado a migrar para o Estado baiano tendo consigo apenas cinco cangaceiros “Ponto Fino II” que era seu irmão caçula Ezequiel, “Moderno” seu cunhado Virgínio Fortunato, “Caititu” o Luiz Pedro de Siqueira, “Mergulhão” que era Antônio Juvenal e “Mariano”, Mariano Laurindo Granja. O restante do bando foi abatido, outros se entregarem as volantes para não morrerem e ainda tinha aqueles que desertaram e entraram no meio do mundo sem darem mais notícias... Nas quebradas do Sertão.


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