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sexta-feira, 20 de abril de 2018

DESALENTO


*Rangel Alves da Costa
Uma estrada. Um caminho. Um voo. Uma fuga. Um sonho. Um horizonte. Um destino. Uma sina. Um desespero. Um medo. Um desejo. Uma saída. Mas quando abrir a porta e enfrentar o desconhecido além?
Acordar e de repente se sentir em fúria. E, inconformado com o que sequer sabe o que seja, confrontar a si mesmo e a tudo. E então bradar, chutar, se extremar na violência. “Chega, chega, chega. Vá tudo pra puta que pariu. Nada presta, nada me serve, nada disso vale porra nenhuma. Já estou cheio dessa mesmice de merda, dessa droga de vida”. E vai batendo portas, esmurrando paredes, chutando tudo o que encontrar pela frente.
Vai partir. Não sabe para onde, mas tem de partir. E sem demora. É preciso aproveitar a cólera para não se arrepender. A cegueira da raiva acaba guiando ao desatino, mas qualquer caminho será melhor que ficar. E no silêncio da fúria a mente esbraveja: “Chegou a hora. Demorei demais suportando o insuportável. Aqui não nasci e aqui não hei de findar. E se existe uma estrada, então é por ela que devo seguir”.
A mente se demonstra menos furiosa que o ser em si, que a impulsividade em si. Mas nem sempre o pensamento doma a impensável atitude, pois é na irracionalidade que as estradas de labirintos e espinhos logo chamam à caminhada. E não há ponderação a ser feita quando a furiosa impulsividade diz que vá, que siga, que nem pense duas vezes em seguir adiante.
Deixando-se levar pela cegueira, pelo ódio e pela voraz decisão, sequer imagina as consequências mais prementes de qualquer abrir a porta. Tanto faz que esteja um tempo de vendavais e tempestades, um tempo de abismos e medos, um tempo de sombras e escuridões. Assim porque a cegueira de revolta impensada acaba criando uma ilusão proveitosa e convidativa. As ilusões das flores na estrada, dos frutos pelos pomares, das fontes de água doce.


Então as armadilhas se lançam ao cuidado de não fazer refrear os desacertos da vida. Lançam mais lenha na fogueira ainda crepitante e ardilosamente sopram o fogo voraz da incoerência. E ainda têm o cuidado de gritar aos ouvidos: “Você é covarde, é medroso, é a fraqueza em pessoa, é? Mostre que é dono de si mesmo, que faz o que bem desejar. Não estava decidido a abandonar tudo e sair por aí, então porque não abre logo a porta e vai apenas seguindo? Garanto-lhe uma alegria caminhada e um grandioso destino, sem arrependimento nem vontade de jamais retornar. Então abra logo essa porta e vá”.
No momento seguinte, ele já está calçando o chinelo e procurando a chave da porta. Vira e revira tudo e nada de encontrar. Ela não está em outro lugar senão na porta, no local de sempre, mas eis que forças ocultas, em constante luta com as armadilhas, também agem para permitir que o ser se sinta encorajado a repensar suas decisões e a agir de modo tão doloroso à própria vida. Mas a fragilidade dele era tamanha que as armadilhas logo trouxeram a chave quase diante dos olhos.
Abriu a porta e nem olhou para trás. Abriu rapidamente a porta e sequer se permitiu um olhar de despedida às velhas paredes, aos móveis antigos, aos livros velhos, às relíquias, aos retratos, à vida ali existente. A chuva caía em temporal, mas se imaginou num instante de sol e de estrada aberta. E as armadilhas diziam vá, vá, vá, pois um dia bom para seguir ao longe. E ele, sem ao menos fechar a porta, deu o primeiro, o segundo, o terceiro passo. Agora era só seguir em frente.
Mistério dos mistérios, segredos das forças que nunca abandonam os desalentados. De repente sentiu o peso da chuva, sentiu-se molhado, encharcado. Olhou para cima e só encontrou água caindo. Abriu os braços e se deixou inundar. Depois se debruçou sobre o chão empoçado e chorou. E assim permaneceu durante muito tempo, até a chuva cessar. Ao levantar os olhos e olhar para estrada adiante, apenas disse: que estrada mais difícil de ser seguida.
E retornou para dentro de casa. Preparou um café quente e retornou à soleira da porta, lançando o olhar à paisagem molhada e silenciosamente dizendo: logo tudo estará renascido.

Escritor
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