* Bárbara
de Medeiros
Mais uma madrugada
chegou e eu não consegui dormir por causa de uma velha amiga chamada ansiedade.
Quando meu coração acelera a velocidades exorbitantes e minha cabeça gira,
minha única escolha é me agarrar a um refúgio que guardo a sete chaves (e uma
senha de dezessete dígitos) no fundo do meu computador, em que fotos,
depoimentos e prints de conversas ajudam a me lembrar que, no fundo, no fundo,
eu não sou odiada por todos que me conhecem.
(talvez pareça
ridículo, mas quando eu não consigo dormir à noite o motivo normalmente é
esse).
Hoje resolvi
abrir uma conversa antiga com um dos melhores professores que já tive na vida –
não citarei nomes porque ele sabe quem é. De todas as escolas em que já
estudei, a dele foi a minha favorita, e o mais engraçado é que ele é a única
coisa que eu sinto falta quando lembro dos momentos que passei lá. O resto,
consigo reconhecer que “foi bom enquanto durou”, e a nostalgia não me consome e
a saudade não me afoga quando penso.
Ele, ao
contrário, é servido nas minhas lembranças numa bandeja de ouro com uma taça de
melancolia, e a falta dele dói tanto que eu juro que sinto que falta um pedaço
do meu coração.
Mas as
lembranças escoam no tempo, e por mais que eu não duvide da importância que ele
teve na minha vida (escolar e pessoal), não consigo lembrar grande parte dos
momentos que compartilhamos. E é por isso que às três da manhã me encontro
revirando as mensagens trocadas pelo Facebook há quase quatro anos (eu juro que
parece que foi ontem).
Pra começar,
ficou óbvio pra mim que grande parte do tempo eu, como a adolescente bipolar
que era, perdi bastante tempo estando chateada com ele, provavelmente como uma
forma de chamar atenção? Nossa turma foi a primeira que ele ensinou, e eu sei
que o apego que eu tive por ele todas as outras meninas da sala também tiveram,
e ele teve por todas nós. Mas seria exagero dizer que nós tinhamos uma conexão
especial?
Minha mãe
suspiraria e reviraria os olhos, lembrando-me que eu sempre tive um fetiche por
professores. Por mais que ele tenha sido meu professor de história, pasmem! Eu
nunca fui apaixonada por ele. Não era apaixonada por ele, como fui pelo seu
antecessor e pelo seu sucessor e por tantos outros que me deram essa fama de
platonicamente Lolita. Eu o amava.
Mas eu não o
amava com suspiros apaixonados e sonhos acordados, com a ansiedade feliz e
infantil de uma criança que imaginava ter encontrado seu príncipe encantado. Eu
nunca pensei nele como um homem com quem eu poderia ter meu
felizes-para-sempre, ou qualquer outra coisa que a gente imagine que é o amor e
a base de um relacionamento quando se é adolescente.
Eu o amava com
o fervor de uma menina encantada, apaixonada pela paixão com o qual ele
ensinava nossa matéria favorita, com a habilidade que logo fez todas as
quarenta meninas da sala amarem história. Eu o amava com uma preocupação lenta
e constante: “Você está bem?”, “Você precisa de alguma coisa?”, “Posso te
ajudar?”.
Eu o amava
todas as vezes que pulava da cama ansiosa porque teríamos aula, todas as
segundas e sextas, e era como se só nesses dias a vida fizesse sentido. Porque
ele me entendia, me respeitava e me fascinava.
E eu não o
amava como quem esperava algo dele ou de mim ou de nós, eu o amava pelo que ele
representava pra mim, o mestre que não se achava nada, mas que dava tudo de si
para que nós fossemos alguém.
Nós éramos o
seu mundo e a realização de um sonho, e quando eu vi a decepção começar a
corroer seu coração, tão jovem, tão cedo, foi como se estivesse me matando
também.
Seria
prepotência dizer que eu fui seu bote salva-vidas? Eu me senti assim. Eu fiz de
tudo para que fosse assim.
E eu disse que
o amava, todos os dias, com um abraço apertado, com um olhar encantado ou com
as palavras mágicas, digitadas ou pronunciadas.
Por que é tão
difícil dizê-las?
Por que é um
tabu?
Porque esse
homem foi importante para mim, e eu o amei, e não de uma forma sexual ou
romântica, mas como uma evolução natural do processo de admiração que vivi.
Eu o amei como
amo meu pai, minha mãe, meu irmão, a memória da minha avó e meus amigos mais
queridos, e um monte de outros professores que vieram antes e depois dele.
E ele sabe
disso.
Mas em algum
momento, entre esses quatro anos que nos afastaram fisicamente um do outro, eu
mudei.
E dizer “eu te
amo” se tornou tão, tão difícil. Algo que a gente fala pros pais, pro irmão
quando necessário, pros amigos após um momento de hesitação, pros avós porque
eles precisam ouvir, e apenas raramente pra um interesse amoroso.
Nunca pra
professores.
Mesmo que seja
verdade, e que nosso coração esteja explodindo de amor por eles.
Porque não é
apropriado.
E eu só tenho
pena. Porque talvez se não houvesse o “o que ela quis dizer com isso?” e as
pessoas dissessem tudo o que sentem e querem que seja dito, o mundo seria um
lugar com mais amor e felicidade.
Esse texto é
um desabafo longo demais, que talvez nunca seja a luz do dia, de uma menina que
está prestes a completar dezoito anos e não sabe a última vez que falou que
amava um professor.
Hoje, por
escrito e sem citar nomes, eu gostaria de dizer.
Eu amo vocês.
Muito obrigada por serem pessoas lindas, por dentro e por fora, que fazem
acordar cedo valer a pena quando vejo aquele brilho de felicidade nos seus
olhos, por estarem ensinando algo que gostam.
Eu amo você,
primeiro professor de história que viu potencial em uma menina ignorada por
todos ao seu redor.
Eu amo você,
professor de inglês que hoje é amigo e que eu ainda estou descobrindo novos
motivos para amar.
Eu amo você,
professor de história-músico por quem eu nutri uma paixão platônica e que hoje
é o fruto das minhas maiores risadas.
Eu amo você,
professor de francês que deve ter sido minha alma gêmea em alguma vida passada.
Eu amo você,
professora de matemática que sem sorrir na maior parte das aulas cavou um túnel
em meu coração até encontrar seu lugar.
Eu amo você,
professor de geografia que me ensinou mais do que eu posso colocar em papel.
Sinto sua falta todos os dias.
Eu amo você,
minha primeira professora de inglês. E sua morte não pode nunca tirar de mim a
importância da sua vida na minha.
E eu amo você,
meu último professor de história e minha última paixão platônica. Sua aula era
uma peça de teatro da qual eu nunca conseguia tirar os olhos.
Espero um dia
recuperar a coragem de dizer o que precisa ser dito, sem medo do que os outros
pensam que eu quero obter com o que digo.
Nunca é nada
demais, só uma consciência limpa e um coração um pouco menos pesado.
Porque sabe
como é: tem horas que o amor transborda.
Extraído do blog do escritor e pesquisador do cangaço Honório de Medeiros - http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário