Por Benedito Vasconcelos Mendes
1 Anais
da 62ª Reunião Anual da SBPC - Natal, RN - Julho/2010 MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS
DA CIVILIZAÇÃO DA SECA Benedito Vasconcelos Mendes 1 I CARACTERIZAÇÃO DA
CIVILIZAÇÃO DA SECA Denominamos de Civilização da Seca a que existe na vasta
área seca e quente do sertão nordestino (Polígono das Secas), que abrange quase
um milhão de quilômetros quadrados e que está localizada no interior do
Nordeste brasileiro, somente atingindo a costa no litoral setentrional do Rio
Grande do Norte e no litoral cearense. Essa civilização é diferente de todas as
outras que ocorrem no Brasil. Ela possui hábitos, costumes, tradições, crenças
e religiosidade bem particulares, somente encontrados nessa área castigada
pelas secas. A denominada Civilização da Seca foi capaz de originar um
cangaceirismo, uma medicina caseira, uma culinária, uma prática religiosa, uma
poesia popular, uma música regional, um tipo de arte, um tipo de arquitetura e
uma engenharia empírica diferentes, próprios do povo dessa região, que, em seu
conjunto, forma a identidade cultural dessa civilização ímpar, pioneira e
criativa, que existe no Semiárido nordestino. Essa civilização começou a ser
formada há pouco mais de trezentos anos, por ocasião da colonização, após a
Guerra dos Bárbaros ( ), sedimentando suas características culturais em um
período de cem anos, de 1880 a Seu progresso econômico e cultural teve início
por volta de 1880, quando a população sertaneja se tornou mais densa e as vilas
e cidades regionais prosperaram economicamente, devido à expansão da cultura do
algodão mocó e à introdução de novas atividades extrativistas, como o
aproveitamento da cera de carnaúba, da borracha de maniçoba, do óleo de
oiticica e da fibra de caroá, que vieram somar com as atividades econômicas
tradicionais da criação de gado e da produção de goma e farinha de mandioca, de
rapadura e cachaça. O período áureo da Civilização da Seca terminou cem anos
depois, ao redor de 1980, em consequência da grande seca do século XX ( ) e da
introdução, no Brasil, da praga do bicudo do algodoeiro, no início da década de
1980, o que fez com que as fazendas do Semiárido deixassem de ser lucrativas e,
em consequência, provocou o empobrecimento e o despovoamento regionais.
Etnicamente, a Civilização da Seca foi formada pela miscigenação das três
etnias, com a mistura de suas respectivas culturas, que viviam no Nordeste Seco
por ocasião da colonização, ou seja, a etnia branca colonizadora/invasora das
terras indígenas, a tapuia, que já vivia no Semiárido, e a negra, vinda da
África, 1 Engenheiro Agrônomo, M.Sc., Doutor, Sócio da Academia Mossoroense de
Letras, Sócio Correspondente da Academia Cearense de Letras, Sócio
Correspondente do Instituto do Ceará e dos Institutos Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte e da Paraíba.
2 como
escrava. Os colonizadores eram, em sua maioria, Cristãos Novos (judeus recém-
convertidos ao cristianismo), que à época da colonização brasileira eram
perseguidos, por motivos religiosos, em Portugal. O espírito aventureiro do
judeu errante, a vontade atávica de ganhar dinheiro do povo judeu e a
oportunidade de se livrar da perseguição da Santa Inquisição em Portugal
fizeram com que a grande maioria dos colonizadores do Polígono das Secas fosse
de aventureiros judeus, que vinham de Portugal solteiros, com o sonho de
enriquecer com a criação de gado nos sertões selvagens do Nordeste. O único
branco que participou da formação do sangue do caboclo nordestino foi o do
colonizador judeu-português, pois os outros brancos que vieram para o nordeste,
na época da colonização, como invasores (franceses e holandeses) ficaram
restritos ao litoral, não penetrando nos sertões secos interioranos. Os brancos
das imigrações mais recentes do final do século XIX e início do século XX, como
os italianos, alemães, russos e espanhóis, se fixaram nas regiões Sul e
Sudeste, de modo que não chegaram ao Nordeste. Os nativos tapuias,
principalmente os da valente nação tarairiu, que viviam a percorrer, da foz à
cabeceira, as margens dos rios intermitentes do Semiárido (rios Piranhas/Assu,
Seridó, Sabugi, Espinharas, Acauã, Apodi/Mossoró, Jaguaribe e outros), eram
altos, fortes, místicos, nômades, corajosos, valentes, vingativos, canibais e
amantes da guerra, da música, do canto e da dança. Os destemidos tapuias
reagiram à invasão de suas terras, passando a consumir os animais e as lavouras
dos colonizadores e a invadir e destruir as fazendas e vilas primitivas. Os
brancos, para estabelecer as fazendas de gado, necessitaram expulsar ou matar
os tapuias. Para isto, fizeram dois tipos de guerra: a de corso, que matava os
guerreiros e escravizava as crianças (curumins) e as mulheres (cunhãs), e a
guerra de extermínio, que aniquilava toda a tribo, guerreiros, velhos, mulheres
e crianças. Nessas guerras, os colonizadores contaram com os bandeirantes paulistas,
com os bandeirantes baianos da Casa da Torre de Garcia D Ávila, com os
bandeirantes pernambucanos do Sobrado e com os índios mansos das tribos tupis
trazidos do litoral. O período mais violento, mais cruel, mais sanguinário da
colonização foi o correspondente ao da Guerra dos Bárbaros, que aconteceu nas
ribeiras dos rios Piranhas/Assu, Apodi/Mossoró e de seus afluentes, no Rio
Grande do Norte e na Paraíba, e que se expandiu para as margens do rio
Jaguaribe, no Ceará. As principais tribos tapuias que se uniram contra o
invasor português foram as dos Janduís, Jenipapos, Paiacus, Canindés, Pegas,
Coremas, Icós, Jaguaribaras, Tremembés, Acriús, Arariús, Anacés e Quixelôs. O
negro trabalhador, pacato e emotivo, que veio como escravo para o Nordeste,
fixou-se principalmente nas duas regiões absorvedoras de mão de obra: litoral
úmido açucareiro e garimpos baianos da Chapada Diamantina, quase não indo para
o sertão seco, pois este tinha como atividade econômica principal a criação de
gado, que não utilizava grande quantidade de braços humanos, pois um só
vaqueiro era suficiente para tomar conta de um grande numero de reses. Como
vimos, o caboclo do sertão semiárido, que representa a etnia da Civilização da
Seca, é quase mameluco puro, inicialmente formado pelo cruzamento do branco
aventureiro, que, vindo solteiro de Portugal, aqui encontrava uma escassa
população branca, também com poucos negros, porém com uma grande quantidade de
mulheres índias, que tinham sido escravizadas nas guerras de corso, por ocasião
da colonização. Portanto, o caboclo do Semiárido é predominantemente de sangue
índio, seguido da étnica branca, com pouca participação da etnia negra. Daí por
que os tipos humanos regionais, como o cangaceiro, o jagunço, o vaqueiro, o
jangadeiro, o curandeiro, o raizeiro, e outros, possuem muitos traços
fisionômicos, psicológicos e culturais dos nativos tapuias. Os cangaceiros eram
valentes, nômades e místicos, como místicos, nômades e valentes foram também os
tapuias. As danças das bandas cabaçais e o xaxado dançado pelos cangaceiros se
parecem mais com as
3 danças
indígenas do que com as danças de origem europeia. A Civilização da Seca herdou
da cultura material dos tapuias a rede de dormir, o pilão horizontal, a
urupema, o abano, o surrão, o uru, a rodilha, a esteira, a cuia e a cuité. Da
cultura imaterial, herdou o misticismo, o processo da feitura da farinha de
mandioca, o hábito de comer mandioca, macaxeira, batata-doce, cará, milho,
frutas silvestres, e muitas lendas, transmitidas pela tradição oral. Da cultura
do judeu colonizador, foi herdado o costume de banhar e cortar as unhas do
morto, de vestir o defunto com a mortalha, de não enterrar o defunto com
objetos metálicos (anéis, medalhas, relógio, pulseiras, cordões e outros), de
enumar o defunto sem o caixão, com o corpo em contato direto com a terra, ainda
o costume de colocar pequenas pedras no pé e sobre os braços da cruz, que marca
o local da morte e/ou de sepultura de pessoas ao longo dos caminhos e estradas
sertanejas, de derramar a água dos potes e quartinhas da casa do morto na noite
do velório, a tradição do casamento endogâmico de tio com sobrinha, e varrer a
casa, da porta da frente para a porta dos fundos, entre muitos outros. II A
ARTE SERTANEJA A arte sertaneja é completamente diferente da arte desenvolvida
na região açucareira do litoral úmido nordestino e nas outras regiões do
Brasil. As artes plásticas, representadas por esculturas, pinturas, desenhos e
gravuras, que ornamentam as capelas, as igrejas, os conventos, os mosteiros, os
palacetes e os solares dos municípios que usufruíram da riqueza proporcionada
pelo ciclo da cana-de-açúcar, como Recife, Olinda, João Pessoa, Salvador e
municípios do litoral alagoano, não são encontradas no sertão pobre e seco do
nordeste brasileiro. No sertão semiárido, surgiram poucos pintores e
escultores, pois não eram artistas plásticos que faziam a arte nos sertões
atormentados pelas secas, e sim artesãos, como os carapinas, os marceneiros, os
tanoeiros, os santeiros, os ferreiros, os flandreiros, os cuteleiros, os
armeiros, os seleiros, as louceiras, as bordadeiras, as rendeiras, as
labirinteiras, as chocheteiras, as tecelãs e outros artífices, que exercitavam
as artes e os ofícios nessa região pobre e seca. A riqueza gerada pela
indústria canavieira fez florescer as artes plásticas na região da Zona da
Mata, enquanto as preocupações com a sobrevivência dos habitantes do Polígono
das Secas fizeram surgir um tipo particular de arte, com tendência mais
utilitária do que estética. O conceito de beleza no povo da Civilização da Seca
era mais ligado à abundância e à utilidade do que à forma, à cor e ao brilho.
Quando o sertanejo observava uma bela árvore florida, a beleza que nela ele
enxergava não era estética, mas utilitária. Ao observar uma árvore, instintivamente
ele avaliava qual a quantidade e a qualidade das toras de madeira que poderiam
ser aproveitadas, ou qual a quantidade de rama que ele poderia colher dessa
árvore para alimentar o gado, quando necessitasse. A harmonia dos ramos, a
arquitetura da copa, a densidade da folhagem, o formato e o colorido das
flores, folhas e frutos não eram percebidos pelo sertanejo, já que sua mente
estava sempre ocupada com as preocupações diárias da sobrevivência. Também o
catingueiro não conseguia ver beleza em nada magro. O cachorro, o gato, a vaca,
a ovelha, o porco, a cabra, o cavalo, e até a própria mulher, só eram bonitos a
seus olhos se estivessem gordos. O tempo chuvoso, a paisagem verde, viçosa, com
muito pasto e gado gordo eram o que ele achava de mais belo no sertão. Os
artesãos regionais, que constituíam os verdadeiros artistas da Civilização da
Seca, faziam suas obras de arte utilitária (louças de barro, carona, selas e
outros artefatos de couro, rendas, bordados, labirintos, crochês, artesanatos
de palha, de cipó e de fibras vegetais, carros de boi, bolandeiras, ancoretas,
pipas, dornas e roladeiras, prensas de madeira,
4 caixões
de farinha, móveis e muitas outras peças de uso cotidiano), com o objetivo
único de facilitar a vida dos habitantes do Semiárido. Tais artistas
engendravam, fabricavam e consertavam objetos, utensílios domésticos,
apetrechos de trabalho, implementos agrícolas, máquinas e equipamentos do setor
produtivo (agroindústrias, como casa de farinha, engenho de rapadura, alambique
de cachaça, descaroçador de algodão, casa de beneficiamento de cera de
carnaúba, galpão de preparo de borracha de maniçoba, galpão de beneficiamento
de fibra de caroá, usina de prensagem de oiticica, cozinha de queijo de coalho
e de manteiga do sertão, oficina de carne de charque e sala de fiar e tecer).
Usavam a matéria-prima que a natureza oferecia em abundância, como madeira,
couro, barro, palha, cipó e fibras vegetais. No início do século XX, começaram
a aparecer no mercado regional, a preços competitivos, outras matérias-primas
de origem industrial, como ferro, aço, cobre, bronze, zinco, alumínio,
borracha, vidro e plástico. Os artistas que surgiram no sertão seco do Nordeste
eram dotados de invulgar senso de improvisação e criatividade. Eles
direcionavam todo o seu talento, toda a sua inventividade, toda a sua
criatividade para criar coisas úteis, de modo a facilitar o modus vivendi da
população. Uma das poucas manifestações artísticas puramente contemplativa que
surgiram no interior do Nordeste, foi a expressada pelo mestre Vitalino de
Caruaru PE, que idealizou e difundiu a feitura de bonecos de barro retratando
as atividades humanas, o homem e os animais do Nordeste. Ele vivia no Alto do
Moura, nos arredores de Caruaru, dedicado à sua arte figurativa. A arte religiosa
regional (imagens e ex-votos) foi muito estimulada pelas romarias que os
sertanejos realizavam a Juazeiro do Norte e a Canindé, no Ceará, para veneração
ao Padre Cícero e a São Francisco das Chagas, respectivamente. Os santeiros da
Civilização da Seca, usando a imburana, o cedro, com a força do talento,
popularizaram as imagens do Padre Cícero, do Frei Damião e do Padre Ibiapina,
além dos santos oficiais da Igreja Católica mais venerados na região, como São
Francisco, São José, Nossa Senhora de Fátima, Santa Luzia, Santo Antônio, Santa
Rita de Cássia, e vários outros. Essa arte tão particular desenvolvida pela
Civilização da Seca, aproveitando os embasamentos culturais herdados das etnias
que lhe deram origem, com as marcantes adaptações proporcionadas pelas
condicionantes climáticas e edáficas do Polígono das Secas, retrata, com
fidelidade, a riqueza cultural dessa civilização. Dos tapuias, herdou-se o rico
artesanato feito de palha, cipó, fibras vegetais e de barro. Dos portugueses, a
técnica de produzir lindos bordados, rendas, labirintos e crochês, bem como os
embasamentos técnicos utilizados pelos velhos carapinas, marceneiros,
tanoeiros, ferreiros e seleiros. Na área musical, as maiores expressões
artísticas da Civilização da Seca foram as Bandas Cabaçais, os Violeiros, os
Rabequeiros e a música regional propriamente dita, constituída pelo baião, pelo
xote e pelo xaxado. As bandas Cabaçais, formadas por dois pífanos de taboca, um
zabumba, uma caixa e um prato surgiram no interior do Ceará, da Paraíba e de
Pernambuco, e se apresentavam dançando, tocando e cantando, numa coreografia
muito própria, animando os forrós, as festas de batizado e casamento, nas
fazendas, as festas religiosas e, até, acompanhando enterro de anjinhos. Uma
das bandas cabaçais mais famosas foi a dos Irmãos Aniceto, de Crato-CE, que
ainda hoje faz apresentações na região do Cariri, nos municípios limítrofes dos
Estados do Piauí, do Ceará, de Pernambuco e da Paraíba. A música popular
regional, antigamente restrita ao Nordeste, tornou-se de aceitação nacional,
graças ao genial cantor e sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga (Luiz Gonzaga do
Nascimento, ), ao compositor cearense Humberto Teixeira (Humberto Cavalcanti
Teixeira, ) e ao cantor e ritmista parabiano Jackson do Pandeiro (José Gomes
Filho, ), os quais introduziram o baião, o xote e o xaxado no cerne da música
popular brasileira, ritmos hoje apreciados em todo o Brasil.
5 Os
poetas populares da poesia de improviso geralmente se apresentavam com suas
violas, às vezes, com rabecas. Esse gênero de poesia passou a ser mais estudado
e valorizado pelos intelectuais e pelas academias, graças ao gênio poético do
cearense Patativa do Assaré (Antonio Gonçalves da Silva, ), ícone dos
menestréis do povo da Civilização da Seca. Além de Patativa, outros
cordelistas, também geniais, já haviam imortalizado esse tipo de arte dos
repentistas-violeiros, como os paraibanos Romano da Mãe D Água (Francisco
Romano Caluete, ), (Inácio da Catingueira ( ), João Martins de Athayde ( ),
Pinto do Monteiro (Severino Lourenço da Silva Pinto, ) e Leandro Gomes de
Barros ( ), os norte-rio-grandenses Elizeu Ventania (Elizeu Elias da Silva, ) e
Fabião das Queimadas (Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha, ), o cearense Cego
Aderaldo (Aderaldo Ferreira de Araújo, ), o alagoano Rodolfo Coelho Cavalcante
( ), o baiano Cuica de Santo Amaro (José Gomes, ), os pernambucanos Irmãos
Batista (Otacílio Batista Patriota, ; Dimas Batista Patriota, e Lourival
Batista Patriota, ). Ao som melódico das violas, com desafios e motes provocantes,
os versos eram produzidos de repente, na improvisação, encantadora e genial,
dos menestréis do povo, que no passado, em sua maioria, eram analfabetos ou
semianalfabetos, porém dotados de talento poético extraordinário. A xilogravura
é a arte de gravar na madeira. É um tipo de carimbo em que a ilustração é
formada pelo entalhe na madeira. A matriz, de madeira, é entintada e impressa
no papel. As matrizes de impressão das ilustrações são talhadas em tábuas de
madeira mole, como a cajazeira, a imburana ou o cedro. O xilógrafo utiliza
apenas um canivete ou uma pequena faca, bem amolada, para talhar a madeira.
Essa arte foi introduzida há muito tempo no Nordeste, mas só no começo do
século XX, com o seu uso na ilustração de capas de folhetos de cordel, foi que
ela se tornou popular na região. Foi um casamento perfeito, o da literatura de
cordel com a xilogravura. No Nordeste, essa técnica foi também usada para
ilustrar jornais e rótulos de garrafas de cachaça e de vinagre. Juazeiro do
Norte, no Ceará, e Caruaru, em Pernambuco, são dois importantes centros
produtores de xilogravuras. Mestre Noza, xilógrafo e santeiro de Juazeiro do
Norte, foi um dos expoentes dessa técnica. Um dos mais talentosos xilógrafos do
nordeste brasileiro foi João da Escóssia ( ). Quando este exercia o cargo de
diretor do jornal O Mossoroense, fundado por seu pai, Jeremias da Rocha
Nogueira ( ), ilustrava seu jornal com artísticos trabalhos de xilogravura,
notadamente entre os anos de 1902 e 1919, como se pode ver nos jornais conservados
pelo Museu Municipal de Mossoró. A arquitetura de taipa, com piso de chão
batido e coberta de palha de palmeiras (carnaubeira, babaçu ou ouricuri), usada
nas habitações e construções rurais (galpões, armazéns e agroindústrias),
transformou-se na arquitetura símbolo do Semiárido nordestino. A casa de taipa
típica do sertanejo humilde, construída por ele mesmo, possui um copiá com
porta e janela de frente, uma janela na camarinha, outra na cozinha e uma porta
nos fundos (cozinha). As portas, invariavelmente, eram de pau-branco, imburana
ou de cumaru, madeiras típicas das caatingas. As linhas da cobertura eram de
carnaubeira, aroeira, angico ou de pau d arco. Os caibros, de pau-branco ou de
pereiro, e as ripas de marmeleiro. A cerca do quintal, o jirau e o chiqueiro
das galinhas eram de varas de marmeleiro. Os ganchos, para armar as redes, eram
de mofumbo. As duas portas da casa eram divididas ao meio (meia porta). Durante
o dia, ficava aberta a banda de cima. As portas e as janelas eram trancadas por
tramelas e trancas de madeira, pois somente a porta da frente possuía
fechadura. Para construir a casa, primeiramente o sertanejo escolhia um local
elevado, de preferência onde houvesse um pé de juazeiro, para deixá-lo no
terreiro. Depois de marcar o chão com as divisões da casa, armava-se o
madeiramento, que se constituía de
6 forquilhas
de aroeira, para receber a cumeeira e as outras linhas, os portais de aroeira,
angico, pereiro ou pau-branco para receber as portas e janelas, e os esteios
para sustentar as paredes, que geralmente eram de sabiá, pau-branco ou pereiro.
Nos esteios, eram amarradas, na posição horizontal, as varas de marmeleiro.
Para o amarradio, usava-se embira de palha de carnaubeira ou de entrecasca de
caule de árvores das caatingas, como a jurema de embira, sabiá e o mororó. A
pequena e humilde casa, de apenas um quarto, era formada pelo copiá, sala,
camarinha, corredor, cozinha e quintal, onde ficavam o banheiro, o galinheiro e
o jirau para secar as panelas. Na sala, situava-se o oratório com figuras de
santos em quadros e as imagens de gesso ou madeira dos santos canonizados pelo
povo (Padre Cícero, Frei Damião, Padre Ibiapina, Beato Antônio Conselheiro e
Beato Zé Lourenço). O excelente acervo do Museu do Sertão, localizado nas
proximidades da cidade de Mossoró-RN, mostra, com muita exatidão, como as artes
e os ofícios eram praticados pelos nossos antepassados que habitavam os sertões
semiáridos do Nordeste. Lá estão expostos os fornidos e grandes caixões de
armazenar rapadura e farinha de mandioca, as complexas e gigantescas
bolandeiras, os variados tipos de prensa, usados nos descaroçadores de algodão,
nas casas de beneficiamento de cera de carnaúba, nas casas de farinha, nas
queijarias e nos galpões de preparar fardos de fibras de coroá. Lá, o visitante
pode observar os modelos de pilão, catavento de talos de carnaúba, pipas,
ancoretas, dornas, roladeiras, balanças de madeira, engenhos de pau, carros de
boi, e os mais diversos objetos, utensílios domésticos, apetrechos de trabalho,
implementos e máquinas fabricadas pelos artistas regionais.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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