Por: Francisco C. Jorge de Oliveira
Sou cabo da Polícia Militar do Paraná. Meu nome é Francisco
C. Jorge de Oliveira e moro na cidade de Florestópolis, Norte do Paraná.
Tem um Senhor aqui no meu bairro, um pernambucano da
cabeceira do Pajeú. Ele se chama Tenório,
tem 101 anos de idade e goza de plena lucidez. Eu adoro prosear com ele só para
ouvir suas histórias com seu sotaque coloquial nordestino, pois lendo sobre o
cangaceiro Mergulhão, lembrei-me de um caso que ele me contou deste pérfido
cangaceiro.
Diziam que numa fazenda por nome "Água do Teiú"
de um coronel chamado Juvêncio Dantas, havia um jagunço de alcunha Mané cruza faca.
Diziam que o cabra era um demônio, brigava de punhal, no tiro, matava, feria e
sempre saia ileso; ele tinha o corpo fechado; todos o temiam e ninguém se
atrevia a saquear aquela propriedade.
Um dia o tal jagunço se apaixonou por uma inócua
mocinha de um sitio ao lado, e simplesmente a raptou, levando-a para viver em
sua companhia naquele remoto lugar. Só o que o facínora não sabia, era que a
tal donzela era prima do cangaceiro "Mergulhão”, e neste mesmo dia
Mergulhão chegou com mais três cangaceiros para pernoitar no sítio do seu tio que os acolheu.
Durante o jantar, lhes pôs a par dos fatos. Mergulhão
ficou possesso, queria já naquela hora ir buscar a prima, mas, foi logo
advertido pelo tio dos poderes místicos do jagunço, e que naquela noite o
carrasco não iria molestar a menina, pois era dia de São Cipriano.
Mergulhão foi informado que o tal malfeitor todos os
dias de manhã, ia beber água em uma cacimba cavada por um raio perto de um
lajedo nas margens de um riacho temporário. Assim que a zabelê cantou
despertando a alvorada, Mergulhão já se encontrava na emboscada pronto para
agir. Sua arma era um velho bacamarte doado pelo Sinhô Bento, um preto velho
benzedor amigo da família, e foi carregada na noite de sexta feira, com quatro
dedos de pólvora negra, e a bucha era de mortalha de defunto, socada até a
vareta pular fora da boca do cano. Os projéteis eram três balotes de estanho
derretidos e forjados com fogo da madeira de cruzes de cemitério.
Quando o sol despontava entre os ramos de guipás,
surge o tal jagunço montado em um burro preto dos olhos vermelhos como os do cão.
Mergulhão sentiu um friozinho na espinha, mas permaneceu firme na cilada. Então
o homem mal apeou de sua montaria, e pegando uma cabaça, mergulhou-a nas águas turvas
e salobras da cacimba. Mergulhão apontou a arma, mas quando fez a visada, o
cabra ficou invisível e desapareceu, e só se ouvia o gorgolejar do jagunço. Foi
aí que uma voz murmurou no ouvido de Mergulhão: “atire no fundo da cuia.” Mergulhão
obedeceu a voz e arrastou o dedo. O tiro foi um trovão que acordou lá nas
caatingas o bando de Lampião.
Parecia até que a carga foi feita por satanás; que no
açoite da pancada, o cão se armou e voltou para trás. O burro corcoveou pulando
e caiu com o ânus sobre um galho de um pau de braúna e agonizando morreu
lentamente ali empalado.
Mergulhão que havia desmaiado com o tranco da arma,
acordou assustado, vendo inerte o corpo do jagunço sem a cabeça, que foi arrancada
com o impacto do disparo
Mergulhão nem o enterrou, deixou-o ali á mercê dos
urubus, e deslocou imediatamente para onde estava a menina. E assim que lá
chegou, tirou-a das mãos dos estranhos que atônitos não esboçaram nenhuma
reação. Ilesa, Mergulhão a trouxe e entregou ao tio que de tão alegre, matou um
bode e o assou para almoçarem tomando pinga.
Ao entardecer jantaram uma buchada
com pimenta, farinha e cachaça da boa. No outro dia, antes do sol nascer, Mergulhão
partiu com seus comparsas embrenhando-se às caatingas, tomando um rumo
ignorado.
Então meus amigos leitores, é ou não é verídico este caso? Cabe a
vocês decidirem.
Francisco C. Jorge de Oliveira
Da cidade de Florestópolis, Norte do Paraná.
O que mais me fascina nas histórias sertanejas de meu pais, é a criatividade dos nossos autores. A crendice popular é um fator que desperta a curiosidade do leitor levando seu imaginário ao mais alto grau de realismo no conceito abstrato de suas ideias fabulosas.A lógica impossível de conhecer e viver uma aventura irreal, é a mais doce maneira de dar estimulo a uma mente sã, porém muito cansada de um velho cidadão que sofre com uma vida real de tantas adversidades e decepções esportivas, políticas, econômicas etc...etc...etc...
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