Por: Rangel Alves da Costa(*)
COM KI-SUCO E BOLO (MEU ANIVERSÁRIO)
Façam as
contas. Nascido a 16 de março de 1963 em Nossa Senhora da Conceição do Poço
Redondo, numa quinta-feira. Hoje, sábado, 16 de março de 2013. Não dá outra.
Cinquent’anos.
E hoje vou
comemorar com ki-suco e bolo. Ki-suco de groselha e bolo de ovos. Aliás, tais
coisas jamais deveriam ser suprimidas da mesa de qualquer aniversário. O
ki-suco e o bolo fazem parte da cultura natalícia. Tentar negar isso é esconder
as próprias origens.
Certamente que
hoje nem criança dá mais importância a isso. Desconhece, assim, o prazer de se
derramar cinco ou seis saquinhos de pó do refresco artificial numa vasilha
grande, acrescentar açúcar e pedras de gelo, e depois mexer cuidadosamente. Uma
delícia.
Juntamente com
o bolo, bastava isso e a comemoração estava garantida. E como presente de
aniversário geralmente um sabonete ou uma alfazema barata. Mas não precisava.
Ninguém se importava muito com o valor do recebido não. O valor maior estava na
presença e no reconhecimento da amizade.
Já os mais
adultos comemoravam do jeito que dava, sem qualquer requinte ou ostentação.
Casca de pau da boa, tubaína, destilados de qualquer bodega, uma cervejinha
apenas para tirar o queimor, e no mais a velha e saborosa buchada, a caça
jogada na brasa, o que existisse para ser servido. Muitas vezes era assim que
se comemorava qualquer coisa nos rincões sertanejos.
Certa feita,
em plena comemoração, eis que recebo o presente mais significativo de toda a
minha vida. Alguém chegou com uma melancia e me presenteou. Disse que não havia
encontrado outra coisa. E pediu-me para aceitar, pois era de coração. E era
mesmo. E ficou no meu coração. Nunca tive coragem de cortá-la ao meio. Definhou
pelo tempo. Jamais esqueço passagem tão simples, mas de uma imensa importância
na minha memória.
Mas hoje,
infelizmente - e como dói -, não estarei no meu sertão para receber os bons e
queridos amigos. Como não haverá festa de estoque e repetição, de freezers
cheios e imensidão de panelas, também não pude convidar todo o Poço Redondo.
Contudo, muitos amigos já memorizaram a data e certamente estarão por aqui. E
como ficarei contente e agradecido em recebê-los. Se você puder também apareça.
Assim, quem
quiser aparecer por aqui já se sinta convidado. E acaso ache cafona ou coisa
pobre o ki-suco com bolo, garanto que não sairá sem experimentar quitutes e
guloseimas. Refrigerante, cerveja, uísque, cachaça, para beber mordiscando
assados gordurosos. Mas duvido que se compare ao ki-suco com bolo.
Mas voltando à
data e à idade, 16 de março e cinquenta anos, creio que, ao menos com relação à
idade, é o que menos interessa. Assim enfrento meus idos de calendário. Daí que
hoje não completo cinquenta anos não. Tenho dez, tenho cem anos. Pode me chamar
de criança ou de velho. Tudo será perfeitamente cabível.
Creio que a
idade do ser humano está na idade que ele vive o seu tempo. Quem tem vinte
anos, por exemplo, não tem que, necessariamente, viver segundo a mentalidade
dessa idade. A idade é um portal entre o passado e o futuro, e por isso cada um
de repente tem de rejuvenescer ou de envelhecer. Somente assim compreenderá o
contexto da vida.
Daí que afirmo
a minha meninice traquina e os meus tantos anos, num envelhecimento profético.
Cinquenta anos dizem respeito apenas ao tempo vivido até o momento, mas não
representam nada daquilo que me vem refletido no espelho do que já fui e do que
ainda serei. Recordo o ontem e imagino o amanhã. E vou vivendo como já
estivesse mais adiante, com mais tantos outros anos. Por isso sou tão menino e
tão velho.
Mas o agora
também é de reflexão. Já são mais de três anos que minha mãe, D. Peta, não está
mais por aqui para esbanjar alegria nessa data. E meu pai, Alcino, também
partiu antes desses meus cinquenta anos. Ela certamente tomaria do ki-suco e
comeria do bolo, ele beliscaria tudo que houvesse à mesa.
Mas saibam que
o seu filho segue adiante, lutando sempre, sem temer nada que venha de humano,
e agora ainda mais tendo a consciência que a árvore solitária cresce cada vez
mais para, lá do alto, avistar o quanto o mundo é imenso e belo.
E servir de
pouso, e servir de ninho, pois a solidão da árvore encontra alento nas coisas
mais simples e singelas da vida. Assim sou. Assim sou eu.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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