Por: Honório de Medeiros
Mais uma vez
releio "Na Ronda do Tempo", do mestre Cascudo. E mais uma vez me
deixo encantar, fico seduzido pelo seu talento de escritor.
Gosto de ler
esses seus livros memorialísticos, tal qual "Ontem" e "Pequeno
Manual do Doente Aprendiz", assim como suas crônicas e perfis, lentamente,
saboreando as palavras, a construção das frases, o bordado do texto que se
delineia ante nossos olhos para o deleite da razão e nos vai conduzindo com
suavidade até seu desfecho, quando, ávidos, passamos adiante em busca da
continuidade desse momento ímpar que somente é conhecido por quem se entregou,
desde há muito, de corpo e alma, ao prazer da leitura.
Cascudo é
inquestionável quanto ao conjunto da obra. Denso, complexo, eterno, se tivesse
nascido na Europa ou nos Estados Unidos seria cultuado. Neste
"Brasil" que segundo suas próprias palavras em "Na Ronda do
Tempo", "regiamente recompensa aqueles que não servem e se servem
dele, condescendendo em ser vaca de leite para malandros escorregadios,
atingindo todas as alturas, rastejando e babando", seu merecimento, o
respeito que se tem por sua produção, é episódico e fragmentado. Resiste bravamente
pelo denodo de alguns enquanto ele, Cascudo, o pensador, o polímata, em sua
própria Região, o Nordeste, se transformou em personagem folclórico. "Vá
ler em Cascudo, ignorante", dizem. Ironia do destino...
Já em 1969, no
"Ronda do Tempo", fino observador do que se lhe passa em seu entorno,
e à Montaigne, um dos seus prazeres literários sempre renovados, observa:
"Para mim, compra-se infinitamente maior quantidade de livros, mas a
leitura é muito inferior e rara." E continua, cáustico: "Desapareceram
aqueles embaixadores da Cultura Axilar, na classificação de Agripino
Grieco, passeando com o volume debaixo do braço. Deduzo esse resultado no
contato de amigos e audição de palestras intelectuais sobre autores. Dá-me a
impressão de viagem aérea. Não há pormenor, figuras, episódios, boiando na
memória. Há visão de conjunto, síntese, resumos impressionistas, marchas,
flashes. A opinião virou parecer técnico. A maior massa adquiriu
para ter o volume que a voga apregoou e é um decesso ignorá-lo, como a um
recanto pitoresco ou Night Club consagrado pelos cronistas da Vanity
Fair.As alusões e conclusões ao autor são sempre vagas e genéricas. E essa
minoria que lê pertence aos concorrentes reais ou em potencial. Já não existe
aquela memória fiel às preferências literárias, recitando trechos e lembrando
frases felizes. O restante olha sem ver. Muito Best-sellerdormindo nas
cestas dos “saldos”."
Impressionante.
O olhar do sábio reconstrói, no presente, com a messe do passado, aquilo que
será o futuro.
A simplicidade
com a qual escreve é algo invejável, quiçá inatingível. Com uma frase expõe um
espaço significativo da realidade. E o faz rendendo homenagens, sempre, à
beleza do estilo, como nessa frase, colhida do seu livro já citado, por meio da
qual critica a excessiva produção líterária daquele tempo (imaginemos o que
diria hoje!): "Passeio furtivo pelas livrarias. Montanhas de livros. Dá-me
o remorso de ser cúmplice."
O quê mais
poderia ambicionar um leitor contumaz ao ler um livro, a não ser se deparar com
uma frase como essa?
Cascudo
sempre!
Honório de Medeiros
http://honoriodemedeiros.blogspot.com.br
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