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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Bangu, Memória de um Militante - Lauro Reginaldo da Rocha - Bangu - Parte X

Por Brasília Carlos Ferreira – Organizadora, 1992
Lauro Reginaldo da Rocha era Mossoroense 

“NONO DIA”

Naqueles dias amargos, quando as forças pareciam querer me abandonar, eu procurava coordenar minhas idéias e pensava nos milhões de injustiçados que há por esse mundo afora. E no meio dessa multidão imensa eu distinguia caras bem conhecidas, gente do meu sangue, e sentia que não estava me sacrificando por uma causa estranha, ela me pertencia de corpo e alma. E nessas ocasiões eu me sentia desejo de viver para lutar por essa causa e para ver a sua vitória. Era isso o que me dava ânimo para resistir e viver.

A luta entre a vida e a morte estava travada, era difícil prever qual seria a vitoriosa. Sempre que eu fazia um esforço para raciocinar, a dor de cabeça aumentava, eu sentia uma sensação esquisita, parecia que qualquer coisa se rompia no meu cérebro, algo como um véu e envolvia, amortecendo-o, paralisando-o. Impossível era saber quanto tempo durava esse estado de letargia.

Quando, afinal, as idéias iam voltando e se aclarando, era como se eu tivesse saído de um pesadelo.

Dirigi-me ao reservado, acompanhado pelo investigador. Sentei-me no vaso da privada e aguardei o momento. Mas o vigia não se afastava da porta, a um passo de distância. Em dado momento ele virou as costas, fazendo menção de se retirar. Aproveitei o ensejo, levantei-me rápido e, com as duas mãos em concha, apanhei um punhado d’água do vaso. No momento em que levava a boca, recebi um bofetão, por trás. Era o investigador quer voltava no justo momento. A água se espalhou pelo meu rosto, frustrando o meu intento.

Voltei para o canto da sala, para o meu lento suplício. Foram-se as minhas esperanças de chegar aos lábios gotas d’água mesmo poluída. Continuei de pé, não sei, não compreendo como as pernas conseguem sustentar o corpo, e aguardo a hora de ser levado mais uma vez ao “quadrado”. A hora chega, a cena se repete.

O meu físico tornou-se um esqueleto insignificante, os “tiras” se aproveitam disto para me apelidarem de “Pequenino”. Fico revoltado com o gracejo, ao me lembrar que um dos torturadores de alta estatura tem a mesma alcunha. Mas nada posso fazer para impedir essa forma sui generis de sadismo, que é a dos algozes se divertirem às custas de suas vítimas.

Descrever as torturas dessa noite seria repetir noites já descritas: os espetos nas unhas, o remexer de feridas purulentas, as torções de membros descarnados.

O rapazinho histérico que pulava e gritava durante as torturas não mais apareceu. Teria sido recolhido por algum hospício? A ausência do bufão parecia ter tirado a inspiração aos carrascos, estes agem pachorrentamente, a sua lentidão prolonga o meu sofrimento, melhor seria que tudo acabasse de uma vez. Fico pensando que essa fleuma é calculada, que ela faz parte dos “métodos científicos” ensinados pelos nazistas e de que os policiais nativos se vangloriam.

Sinto que a morte está rondando, a qualquer momento um golpe falso pode produzir o fim. Não é isto o que me apavora e sim o fato de que a agonia se prolongue, é sobre-humano o esforço que faço para me manter em pé.

De vez em quando minhas pernas cambaleiam, meu corpo fica suspenso pelas cordas que prendem meus pulsos, as mãos, inchadas, ficam roxas, quase negras. Isto me obriga a realizar um esforço enorme para sustentar nas pernas e aliviar a dor dos pulsos. Por fim, as últimas reservas de resistência física se esvaem, meu corpo descamba definitivamente, até ficar inerte. O meu esqueleto é arrastado até a sala contígua.

CONTINUA...

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