Por Rangel Alves
da Costa*
A razão e a
loucura estão no mesmo nível de consciência. Não há que se pensar diferente. A
razão do suposto normal não é diferente daquele reconhecidamente louco. Tudo é
uma questão de perspectiva social ou de conveniência. Mesmo não diferenciando
aspectos como psicose de louco e psicose de normal, a ação do louco foi eleita
como distúrbio mental e o ato insano do sadio não.
Neste sentido,
atirar pedra é sinal de loucura, fazer caretas é comportamento de louco,
conversar sozinho e assim se realizar é prova de insanidade, namorar a lua e se
apaixonar pelo céu estrelado são sintomas de maluquice total. Tudo isso na
perspectiva da sociedade dita normal e de pessoas que não conseguem avistar o
outro senão pela imagem do próprio espelho.
E diz que o
louco vive num mundo desconhecido e sombreado. E diz que o louco não pensa e
nada faz senão maluquice. E diz que o louco está destinado ao seu mundo
próprio, à sua irrealidade e à sua ilucidez. E diz que o louco é um doente que
precisa ser evitado. Mas não diz que o louco é um ser humano que precisa ser
reconhecido e a loucura é um estado mental que precisa ser compreendido.
E qual a
verdadeira loucura do louco? Será que sua diferença, seu jeito peculiar de ser,
de pensar e de agir? Ou será que por que vive num mundo tão próprio deva ser
invejado pelos que vivem num mundo de ninguém? Sábias palavras daquele que
disse ser o mundo da loucura a realidade de vida que todos desejariam
encontrar, pois sublime, humana, encantadoramente bela.
Numa
comparação com a normalidade dos seres, de longe a loucura seria a fantasia boa
que todos desejam ter. Uma loucura sem maldade no coração, sem comportamentos
voluntariamente doentios, insanos, nefastos. O louco real é a pessoa mais
verdadeira que possa existir. E certamente muito diferente daqueles que se
disfarçam de normalidade para transformar o mundo num leito de dor e
sofrimento.
Mas não seria
loucura a grande maioria das ações daqueles tidos como normais? Matar a sangue
frio é um ato de normalidade? A intencionalidade da prática do mal não seria
exasperação psicótica? Ferir o outro sem motivo algum é atitude correta? Tudo
fazer e tudo buscar para prejudicar o outro e quando este sequer se preocupa
com a vida daquele é sinal de comportamento sadio?
Indo mais
adiante: o terrorismo é ato de consciência ou da mais pura e cega insanidade?
Invadir uma aldeia de população empobrecida, sequestrar crianças e tirar a vida
de quem se opuser à ação é revelação de ato racional ou de bestialidade
psicótica? Governantes e ditadores que mandam dizimar opositores e até
inocentes agem por alguma razão aceitável ou por covarde ensandecimento?
Observa-se, então, que os verdadeiros insanos não são aqueles que sobem na
pedra grande para abraçar o sol, mas aqueles que fingem ter consciência.
Pessoas
sedentas de mal que agem por pura maldade nem sempre são reconhecidas como
loucas. Pessoas que sempre fazem assim nem sempre têm os seus comportamentos
questionados. Amolda-se à esfera da criminalidade, da desumanidade ou da
tirania, mas nunca considerando a loucura em si. Significa dizer que atirar uma
pedra é reconhecível como ato próprio de louco, mas atirar uma bomba que mate
dezenas de pessoas é apenas uma questão de perversidade.
Parece ser uma
questão cultural. E é mesmo. O que a sociedade elege como regra, tudo o demais
será exceção e, quando não, defeito ou negação. Ao avistar o de juízo afetado,
o outro logo cria conceitos, características, aspectos, e geralmente
preconceituosos ou de desvalorização. Então visualiza uma simbologia enraizada
no pensamento. E não se terá senão o louco como perigoso, como ameaça, como
verdadeiro monstro e capaz das piores práticas.
Acaso alguém
lhe pergunte se conhece aquele louco de perto ou se já tentou dele se aproximar
para qualquer contato, certamente dirá que não. Verdadeiramente não conhece,
mas as conclusões já estão tomadas. Revela-se então a cultura do ódio, do
preconceito, da discriminação, da negação do ser humano, da desvalorização da vida.
E assim acontece com os loucos da própria família. O problema não é a loucura
em si, mas o estigma que se criou acerca desse estágio mental.
A simples
noção de ato de loucura como antônima a ato de consciência já revela um
prejulgamento. Ato de loucura é qualquer ato humano praticado além dos limites
do razoável, enquanto ato de consciência é todo ato nascido de uma
intencionalidade. Neste sentido, o praticante do ato de loucura jamais será o
louco enquanto perturbado mental, mas sempre o ser humano visto como normal. E
assim porque o louco não comete loucura, apenas vive o seu mundo.
E o seu mundo
cabe todo e inteiro na sua inconsciência, que também é a mais pura das
consciências. E assim avisto aqueles loucos com suas flores à espera da noite.
Flores à lua, às estrelas, aos simbolismos tão belos no ser humano. E assim
avisto os loucos com suas flores, mesmo que muitos imaginem sempre pedras em
suas mãos.
Poeta e
cronista
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