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quarta-feira, 9 de março de 2016

BRIGAM ESPANHA E PORTUGAL NO SERTÃO DO CEARÁ...


O historiador cearense Capistrano de Abreu sugere um estudo mais aprofundado da colonização dos sertões brasileiros. Ressente-se que a maior parte da nossa historiografia não vai além do litoral. Isto é compreensível porque foi no litoral que cresceram as grandes cidades e escolas, ficando os sertões num isolamento que só diminuiu com o avanço das estradas e dos meios de comunicação. Esse desterro em que viveram populações inteiras justifica a permanência de hábitos alimentares, narrativas orais, cantos e danças. Jorge Luis Borges afirmava não ter encontrado o Oriente em Israel, encontrando-o na Espanha. Da mesma forma podemos afirmar que é possível encontrar um Portugal e uma Espanha que não mais existem, em sertões nordestinos esquecidos no tempo, vivendo medievalmente à margem da história.

A literatura brasileira mais fiel a uma épica sertaneja é o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Ou será Os Sertões, de Euclides da Cunha? Em ambos, o tema da guerra é o motivo da narrativa. No primeiro, um romance, uma disputa entre bem e mal, os bandos de jagunços de Joca Ramiro e do Hermógenes; no segundo, um livro de sociologia e história, a mesma disputa entre bem e mal, representada no povo pobre de Canudos e nas forças policiais da riqueza e do poder instituído. A Guerra de Canudos significou mais para Euclides da Cunha que para a história política do Brasil. Euclides criou uma grande obra e os políticos e poderosos continuam indiferentes aos humilhados e ofendidos.

Três livros sem maior repercussão na vida literária do país, nem mesmo nas cidades onde foram criados, ilustram como vivemos à margem da nossa história: O Clã dos Inhamuns, do cearense Nertan Macedo; O Tratado Genealógico da Família Feitosa, do também cearense Leonardo Feitosa; e Os Feitosa e o Sertão dos Inhamuns, do brasilianista Billy Jaynes Chandler. Neles, conhecemos um pouco da colonização do Ceará, ocorrida a partir do final do século 17, e constatamos o que afirma o poeta Mário Hélio, que as histórias sertanejas em nada ficam a dever à épica e à tragédia gregas.

Duas famílias, os Monte e os Feitosa, durante anos guerreiam entre si, disputando terras e poder, nos sertões dos Inhamuns, Cariri e Icó, aliadas às tribos indígenas locais. O território da guerra é maior que o de muitos países europeus. O curioso da narrativa é que um pedaço da história de além-mar é transposto para as bandas de cá do Nordeste. Os Monte eram cinco irmãos, dois homens e três mulheres, de origem espanhola, que vieram da Europa, fugindo do rigor das perseguições da Inquisição. Dois deles, Geraldo do Monte e sua irmã Isabel, internaram-se nos sertões de Pernambuco e vieram ter ao Ceará. No engenho Currais de Serinhaém, em Pernambuco, residiam os Feitosa, de origem portuguesa, que se comprometeram gravemente no levante dos Mascates do Recife. Para evitar a perseguição que se fez aos brasileiros que entraram nesta sedição, fugiram para o interior do Ceará, onde se fixaram nas proximidades de Icó. O relato é dos historiadores citados. O destino faz com que essas duas famílias se encontrem e se cruzem. Isabel, irmã viúva de Geraldo do Monte, casa com Francisco Feitosa, da família de Serinhaém.

A trama está armada. Questões de honra e disputas pela terra colocam os Monte e os Feitosa em palcos diferentes. A Ibéria se transpõe para as terras secas dos sertões cearenses. A Espanha representada por perjuros e Portugal, por insurrectos. Guerras e rivalidades seculares podem se continuar na paisagem de angicos, aroeiras, imbuzeiros, jucás e pereiros; e no leito seco de rios que só correm no inverno. Ao invés de castelos de ameias, casas de taipa de cumeeiras altas, só mais tarde substituídas por casarões alpendrados de tijolo, alguns com pedestais de mármore vindos da Itália. No lugar de armaduras e brasões de metal reluzente, roupas de couro rude, dos rebanhos apascentados no planalto. Os luxos de ouros e veludos só irão aparecer depois. No início, só existem a dureza da terra, a lei bárbara, a solidão. Matanças infindáveis para garantir o poder. A união proposta pelo casamento degenera em guerra. O velho sangue ibérico, diluído em gerações, é sempre o de espanhóis e portugueses, disputando pedaços de terra.

É também possível que a guerra entre Tróia e Grécia tenha significado mais para Homero, que para os gregos. Homero escreveu o seu poema, que fixa o idioma clássico, organiza a mitologia, arruma os deuses no Olimpo. Os bravos aqueus ou morreram nos combates ou em casa, velhos e nostálgicos. Sem Homero, eles não teriam existência, cobertos pela poeira do esquecimento. A guerra sertaneja entre Montes e Feitosas já rendeu alguns livros. Poderá render muitos outros, pois sobram enredo e mistério. Falta o olhar sobre a nossa história, para que não aconteça o que canta Gerardo Melo Mourão: “Iam caindo: à esquerda e à direita iam caindo; ...primeiro os que já eram lenda na memória dos velhos, depois os avós de meus avós, porque antes tombavam hierárquicos e cronológicos”. Caindo todos no esquecimento da nossa pobre história de Nação.

Ronaldo Correia de Brito em:



Fonte: facebook
Página: Cangaceiros Cariri

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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