Missão Nova no começo dos anos 80 |
Manhã de domingo. O padre subia vagarosamente
o alto barranco da estrada de barro em seu jerico. Um pouco à frente seguia sem muita pressa o seu
desajeitado sacristão; quase um Sancho Pança de um Quixote surreal e, tipicamente sertanejo. Ia ele montado em seu burrico ‘cardão’ que parecia muito mais
cansado do que de fato, se encontrava.
Vinham da cidade pela antiga estrada do
Morro e do coqueiro para à tradicional celebração do santo padroeiro que naquele ano coincidiu também com a feira de domingo. Dois acontecimentos marcantes daquele solitário e bucólico vilarejo esquecido na solidão do mundo.
No burrico em que vinha o sacristão, dois
caçuás de couro surrado(que pela cor penso que não era de boi como a maioria,
mas de bode curtido)... De cada lado dividido, o peso, entre outras coisas, também além de presentes; cuidadosamente as alfaias, os objetos sacros a serem utilizados no culto divino
pelo sr. padre.
Missa de Santo Antonio – o padroeiro. O
lugarejo estava em festa. O ar era de puro entusiasmo e alegria o que tornava aquele ambiente ainda mais encantador e aprazível. Tudo pronto e
belamente organizado para receber o vigário e convidados. Gentes do povo e elite lá se misturavam em nome da divindade, como igualmente pelo profano e o sagrado afim de amenizar o azedume da vida uma vez a cada ano.
Matos cortados nos beirais das
cercas, capela pintada, altar enfeitado de flor pelas mãos carinhosas de Dona
Zefinha(minha vó), Raimundo Alves, Margarida e minha tia Alaíde, além das
fachadas das casas com uma aparência multicor sob o pincel do mestre Pedim. Estavam mais cheirosos e belos os jardins, notadamente o do casarão do Seu Osvaldo e Antonio Argeu. Até
mesmo a beirada do ‘rio da rua’ estava roçada, assim como o cemitério, a vereda
do canavial que dava para o ‘outro lado’ de Seu Joaca Tolim e dona Toinha - a mais caridosa senhora daqueles rincões. O chafariz estava também pintado por Zé Maquinista. Apenas as
moitas de mufumbo e de aveloz que ficavam pra bandas do brejo não foram decotadas.
Lá, era onde se divertiam as ‘mulheres da vida’ e muitos homens daquela vila na
noite de festa.
Toda a matutada bem vestida. Os coronéis
dos engenhos com seus melhores trajes. Donzelas bem vestidas com laços de fitas
coloridas nos cabelos. Batizados marcados e até casamentos eram esperados para
a santa missa do domingo na capelinha que ficava à margem da estrada cerca de
muitas árvores frondosas onde muitas descansavam e também se amarravam os seus
cavalos. No fundo da qual ficava o engenho e bem ao lado após a grande cerca de
aveloz o bananal, os coqueirais, o riacho que corria o ano todo e o canavial. Muitos meninos correndo pelos terreiros.
Engenhos em silêncio. Pifeiros e cambiteiros bebericando pelas barracas de
palha de coco e pelos balcões dos vendeiros Damião Bento, Antonio Siqueira, Zé
Caneco, Ciço do Bar e Seu Otávio ambos situados no quadro do comércio, onde
também se instalara o circo de Fuxico, o bozó e Caipira, além da banca de
bugigangas de seu Antonio da feira e o pequeno parque de diversão com suas balançantes
canoas, o bingo, o carrossel rodado à
mão e o estúdio de som com suas cornetas tocando os sucessos daqueles anos.
De longe era possível se ouvi o som de
sanfona e zabumba, além da banda cabaçal passeando ao redor da capela o dia
inteiro. Era a única vez no ano que o delegado e três soldados se apresentavam
para abrir a delegacia – um pequeno prédio dividido em dois cubículos. Fogos de
artifícios explodiam o dia todo no céu daquela vila perdida no oco do mundo até
que chegasse a noite festiva iluminada por imensos lampiões de gás e grandes candeeiros.
Momentos propícios para as paqueras e os namoricos.
Malgrado o barulho e o reboliço no oitão
da delegacia o doido Bento se mantinha alheio e distraído com seu olhar
profundo mirado no firmamento do mundo e, de quando em vez contando as formigas
que entravam e saiam do tempo todo do grande formigueiro que ali havia há anos.
Quem sabe, como a nos dizer que, nada daquilo valeria sequer o trabalho reto e empedernido
de cada formiga daquele formigueiro.
Foi assim. Mês de julho de um ano ido
tão distante que até não mais me lembro dos números. O que sei de fato é que
vivi também intensamente tudo aquilo, quando menino. Se não foi eu cegue! Juro
por Santo Antonio – nosso divino e casamenteiro padroeiro.
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José Cícero
Aurora - CE
www.proeversojc.blogspot.com
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