Por Nelson Cadena
Numa manhã setembrina de 1939 a Irmã Dulce, que de habito prestava assistência espiritual e material aos presos, bateu nas portas do velho presídio da Engenho da Conceição, denominado Coreia, localizado no fundo da Igreja dos Mares, pediu para ver “Volta Seca”, lugar-tenente de Lampião; cumpria pena de 119 anos por supostos crimes cometidos no Cangaço. Era um encontro marcado. Antes, Antônio dos Santos, nome de batismo do cangaceiro, relutara em receber a freira, queria saber quem era. Fazia sete anos que estava preso com precária assistência judiciária e carregava o estigma de ter participado do morticínio de Queimadas, 1929, onde oito soldados foram massacrados pelos homens de Virgulino.
A Irmã Dulce compareceu ao presidio portando uma sanfona, a música os aproximou. O cangaceiro sabia de cor várias músicas, era analfabeto, porém, bom de ouvido. Tinham quase a mesma idade, a religiosa 25, ele 23. Desde então a Irmã Dulce passou a visitar Antônio com frequência, intercedeu junto às autoridades a seu favor, é claro, dentre suas limitações__ a justiça lhe negava os direitos previstos em Lei, apesar de seu bom comportamento___ como contou o presidiário ao jornalista Berliet Junior do Diário da Noite do Rio de Janeiro em 17/01/1950.
“Eu por não saber fazer a petição… pedi ao Dr. Tourinho que me fez a caridade, escreveu por mim e até o momento não tive decisão nenhuma. Quatro meses e nada ainda de parte do juiz. Nem que sim, nem que não…Já pedi a todo mundo. Do governo ao secretário… E só me prometem…Nem todos são assim. Há uma figura nobre que tem olhado esse meu caso. É a Irma Dulce, freira do Círculo dos Operários. É a santa criatura que constantemente intercede por nos aqui na penitenciária. Prometem a ela, mas nada cumprem. O senhor vê que nem a figura dos santos consegue ajeitar a boa vontade dos homens”.
Quando da entrevista ao repórter carioca “Volta Seca” já cumprira 18 anos da pena prescrita, 11 deles assistidos pela Irmã Dulce, numa situação de irregularidade que chocava os meios jurídicos, a começar pela sua prisão aos 15 anos, aumentaram a idade do preso no inquérito para ser julgado como adulto. Pela Legislação a pena máxima de 119 anos teria um teto de vinte anos. A Lei determinava que cumprida metade da pena, em condições de boa conduta, o preso poderia requer a liberdade condicional. E assim foi feito e “concedido”. O juiz de execuções criminais, porém, prendeu a guia, dizem que sob pressão de chefes políticos e coronéis da região dos sertões.
De nada valeram os atestados do célebre legista Arthur Ramos e do iminente Dr. Estácio de Lima que não apenas confirmou que o preso estava apto para retornar à sociedade como intercedeu a seu favor e lhe prometeu emprego no Instituto Nina Rodrigues: “Deveria a sociedade se envergonhar de seu comportamento cruel com relação a este presidiário…. O processo foi muito mal orientado…não teve a mínima defesa”, declarou na ocasião. Por quatro vezes o ilustre médico solicitou o indulto, finalmente concedido pelo Presidente Getúlio Vargas em 24/03/52, transcorridos vinte anos atrás das grades. O famoso fotógrafo baiano Gervásio Batista, junto com os cinegrafistas da TV Tupy, documentou a entrega do telegrama do Presidente da República ao ex-cangaceiro.
Antônio dos Santos viveu dias amargos após a sua liberdade. Passou fome, era temido e execrado pela sua biografia. A despeito disso tudo levou a vida adiante, teve e criou seis filhos. Morreu idoso em 1997, exatos 80 anos de uma agitada existência. (Nelson Cadena).
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