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sábado, 1 de janeiro de 2022

OS CÃES NO CANGAÇO LAMPIÔNICO.

Por Verluce Ferraz

Este surgiu de um desejo e necessidade de introduzir motivos sobre a participação canina entre grupos cangaceiros lampiônicos, para completar minhas impressões acerca de traços essenciais da personalidade dos mais famosos cangaceiros Virgulino Ferreira da Silva e da Maria de Déia, a Maria Bonita. Como em toda ciência, também no conhecimento sobre a o comportamento animal exige um trabalho de pesquisa extensa. Por ser um estudo fora de laboratório peço aos leitores que relevem os pequenos lapsos. Alguns fenômenos obrigam a examinar sob vários aspectos fatos que ainda não foram estudados, mas que são necessários. "Portanto, como é a teoria que dá valor e o significado que os fatos têm, ela frequentemente é muito útil, ainda que parcialmente falsa; pois ela projeta luz sobre fenômenos a quem ninguém dava atenção , obriga a examinar sobre vários aspectos fatos que ninguém estudara antes , e estimula pesquisas mais extensas e bem sucedidas” (Guillaume Ferrero)

Não posso deixar de chamar atenção do leitor para as peculiaridades e de fantasias que surgem decorrentes de exemplos que tratam alguns livros sobre as relações dos animais que acompanhavam os cangaceiros. É que mesmo que haja uma interação animal e ser humano não há possibilidade de penetrar na área subterrânea do conteúdo existente dentro da cabeça do animal. Segundo a fonte “Os cães na cultura humana” a inteligência canina refere-se a capacidade que o animal possui para captar informações e fixá-las em seu conhecimento, sendo que estas noções serão utilizadas durante todo o período de vida. No entanto os animais não são capazes de ampliar nem de expandir tarefas criativas mantendo hábitos e costumes naturais de suas espécies.

Algumas descrições mostram que os cães são hábeis para algumas tarefas condicionadas, mas incapazes de raciocínios morais. O cão tem seu comportamento modificado e até é possível colaborar com o ser humano em determinadas tarefas, mas não é raro ocorrer uma metanóia no seu comportamento e não capazes de expandir nem tampouco levar à matilha os comportamentos adquiridos.

Quem conseguiu ler o livro Dos mitologemas na imortalidade do passado lampiônico... há de lembrar que buscamos raízes no drama de Édipo para constatar os comportamentos dos cangaceiros,que nos deparamos com uma multiplicidade de singularidades nos comportamentos de cangaceiros e da grandiosidade de da tragédia e sobras do passado de Virgulino, o Lampião. Mas também é necessário nos voltarmos e lançar nova luz sobre conjunturas psicológicas individuais.

O Animal idolatrado pelo cangaceiro Lampião e sua companheira Maria de Déia, conhecida por Maria Bonita, é o cachorro. Os cangaceiros chegam a colocar jóias nos cães – notamos aqui que o significado do animal coincide com o instinto agressivo do cangaceiro. No filme feito por Abhaão Benjamim aparece primeiramente a Maria do Capitão recebendo um chapéu e jóias das mãos de Lampião, e o cachorro não exerce um papel diferente, e podemos dizer quase tão importante quanto a mulher quando surge ornado de jóias que indica quase o mesmo episódio de semelhança entre o animal e a mulher. Parece existir entre essas, uma relação íntima que as conduz à mesma finalidade. A imagem da mulher e o cachorro tornam-se símbolos da libido e em alguns pontos, quando os conceitos se encontram o fator comum às duas imagens está na libido. Sob o aspecto do cangaceiro e do animal surgem como representação da idéia do homem com sua esfera dominada de instintos animais. Neste caso, o cachorro surge como animal e/ou mascote do cangaceiro e da mulher. Identificação com o cangaceiro. Tudo isto corresponde a manifestações características do inconsciente. Em nenhum momento vimos outro animal substituindo o cachorro, mesmo que os cangaceiros tenham grande relação com os equinos, e suas atividades de almocreve. Os cavalos serviam aos cangaceiros como meio de transporte e eram constantemente trocados de acordo com as necessidades, mas não foram criados quaisquer laços afetivos entre eles. Em momentos críticos os cangaceiros abandonavam os cavalos assim como roubavam outros, tudo com a finalidade de facilitar as a logística dos cangaceiros. Por isso também é compreensível que o cachorro, como símbolo do componente animal do homem, tenha amplas relações com os cangaceiros. Lembremos que Lampião foi almocreve, que surrava os cavalos, mas os cavalos aparecem nessa relação como força e brutalidade, característica do cangaceiro Lampião. No caso o canino é um animal menor e domesticável, por isso o significado fálico. A explicação da sensibilidade do cangaceiro Lampião, mostra em alguns momentos em que entrega jóias para a Maria, é que ele se identifica com a mãe e por isso age de modo bastante glamoroso. Um fato importante que psicologicamente percebemos é que Lampião era aparentemente poderoso e isso tem identificação com a própria mãe. Já vimos em outros comentários tecidos neste, que a preferência do cangaceiro recai sobre o cachorro porque ele vai colocar jóias na mulher e sobre o animal como símbolo do composto da libido, uma das criações de Lampião é a transformação da libido em atividade artística e estética. O presente trabalho ficaria incompleto se não mencionássemos que o cachorro de Lampião exercia papel fundamental para a Maria de Déia que também se identificava com o animal que a acompanhava em modo de submissão para todos os lugares. A figura produtora das fantasias na Maria de Déia relatam este ou aquele traço da sua autora; ela ainda não tinha consciência da parte masculina de sua natureza. O ideal representado através do homem não a obriga a nada, apenas possibilita pretensões fantásticas. Se o ideal fosse o seu sexo, ela poderia descobrir que não correspondia inteiramente a ela. A forma teatral de Maria impressionava o cangaceiro Lampião e ela produzia nele sentimentos dificilmente compreensíveis para serem substituídos pelo cangaceiro que almejava dela também o seu lado feminino.

Temos que ocuparmo-nos com o assunto dos cães analisando as suas naturezas, sua vida fisiológica. Os cães dos cangaceiros eram adquiridos já na idade adulta, não viviam em cativeiro tampouco se reproduziam. Por isso mostram que seus criadores também condicionavam os animais aos seus estilos; os cães tinham a energia psiquica de seus criadores. Eram seres vivos independentes, dando para simbolizar o inconsciente em seu aspecto plástico-criador. Unidos aquela força, com aventuras nefastas para realizar tarefas, eram instrumentos nas mãos dos cangaceiros. Algumas características encontradas nos cangaceiros tornaram-se características para os animais. “O adestramento de caninos não foi o mesmo que o almocreve dava aos seus animais de grande porte e de montaria, mas os cães de acordo com o ambiente modificaram os impulsos de latir, de procriar. Assim o homem pode levar o cão ás doenças, ao envelhecimento com problemas de medo, depressão e mudanças de humor. “O cão aceita o seu dono como chefe da matilha”. No dizer de MacLean, elas são três computadores biológicos que, embora interconectados, conservam, cada um, nas palavras do cientista. É aí que nascem os mecanismos de agressão e de comportamento respectivo. É aí, também, no complexo-R, que se esboçam as primeiras manifestações do fenômeno de ritualismo, através do qual o animal visa marcar posições hierárquicas no grupo e estabelecer o próprio espaço.

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