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terça-feira, 9 de abril de 2024

A ORIGEM DA FLOR QUADRIPÉTALA

Arquivo Volta Seca

O ornamento da flor quadripétala - quatro pétalas com cantos entre cada pétala, como se estivesse assente sobre um quadrado - representa a união entre o céu e a terra. Nos primeiros séculos da era cristã, a produção têxtil do Egipto copta atingiu grande qualidade, onde se incluía este motivo. Com ligeiras variantes – com cinco cantos, ou enlaçado em si, e também a elementos iguais, mas com as pétalas transformadas em círculo colocado sobre os lados do quadrado –, encontra-se tal módulo na escultura arquitectónica do já referido palácio de Khirbat al-Mafjar; com o canto do quadrado virado para o interior, repete-se noutro padrão nesse palácio. A mesma dinastia, agora limitada ao al-Andalus, utilizou a flor quadripétala enlaçada nos estuques e pedras de Madinat al-Zahra, entre outros exemplos. Algumas plantas de edifícios islâmicos têm esta forma. Numa placa ornamental de Lisboa, as grandes flores quadrilobadas, também com os cantos do quadrado colocados entre cada pétala, mostram que estavam esculpidas internamente com águias; no topo, vê-se as garras e cauda da ave, e, na base, aparece ainda uma cabeça. Segundo Manuel Luís Real, em ficha de catálogo, essa placa repete desenhos dos estuques do palácio de Khirbat al-Mafjar, e “Não têm qualquer paralelo com a restante arte peninsular, atribuível à época visigótica”; o autor atribui esta placa a uma oficina moçárabe de Lisboa islâmica dos séculos IX-X. Tanto a flor quadripétala como a palmeta (também presente neste relevo, em grupos de quatro) – que veremos adiante – são motivos que aparecem nestes couros lavrados mais antigos. Contendo figuras, tal módulo – com menor ênfase dada aos meios-círculos / pétalas – encontra-se em iluminuras do “Apocalipse do Lorvão”, de 1189. A mesma forma utilizada no couro lavrado encontra-se talhada em madeira na cabeceira do túmulo de Isabel de Aragão, c. 1330, na Igreja de Sta. Clara (Coimbra); os cantos entre as pétalas apresentam-se agudos. No Mosteiro da Batalha, do século XIV final, na fachada do portal sul, duas flores quadripétalas, no gablete triangular, encerram a heráldica dos reis D. João I e D. Filipa.

Esse ornamento também é perceptível no chapéu no cangaceiro, sendo usado muito frequentemente por Lampião, citando o especialista na arte de couro lavrado ibérico Franklin Pereira, Suria Seixas na Dissertação Desenhos de Couro sobre a influência islâmica ibero-mudejar nos trabalhos de couro nordestino ( Seixas, 2017, pág 83 ):

" O desenho de couro sertanejo nas selas de couro, por outro lado, teve considerável alteração de repertório visual, muito embora a base técnica seja a mesma, a de punção ou ferreteamento e costuras, e a memória dos motivos seja ainda rastreável. Segue-se descrição particularmente familiar, se tivermos em mente os desenhos de couro do sertão pernambucano (e mesmo não sendo nosso objeto focal o desenho de couro que aparece no cangaço lampiônico, a descrição a seguir ainda alcança as chinchas e os bornais dos cangaceiros):

' No campo dos lavrados (realizados por goiva em V cortante), encontra-se uma série de ornamentos devedores ao legado islâmico. Assim, vemos largas molduras de estilizações florais inscritas em SS deitados - também lidas como dispostas numa estrutura de espiral, colocada alternadamente ao longo de uma linha, em ondas, em enlaçado vegetalista de dois cabos, ou em rombos; no campo, aparecem palmetas simétricas, flor de quatro pétalas sobre quadrado (cada canto entre pétalas), minuciosa decoração floral com pássaros, 8 duplo/ nó do infinito.A estilização da folha de acanto - denominada em estudos espanhóis como "palmeta digitada" apresenta-se como gomos e anéis, ou meias luas com curvas internas, ou gomos em torno de espiral; esta estilização é continuadora daquela iniciada no Califado e que se prolongou até ao Sultanato de Granada. (SEIXAS 2017 apud PEREIRA 2008, p.83 ) "

Logo após ela conclui:

" Tais motivos, transformados nos sertões do norte do Brasil em pleno século XX, se encontram inclusive nas fotografias dos cangaceiros – na única peça de couro que usavam, o chapéu de aba levantada – bem como no encouramento mais rico e elaborado de uso dos vaqueiros, ainda em produção pelos mestres do couro sertanejos. "

Fontes:

- Franklin Pereira, «O couro lavrado de estética mudéjar na Casa-Museu e Fundação Guerra Junqueiro – memórias do al-Andalus em terras portuguesas», Medievalista [Online], 22 | 2017.

- NEIVA, Suria Seixas. Desenhos de couro: registro e memória dos desenhos no encouramento do vaqueiro sertanejo. 2017. 192 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Desenho Cultura e Interatividade) - Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2017.

- PEREIRA, Franklin. A monta "à brida", e "à jineta" nas planícies da Península Ibérica - selas, arreios, e protecção do cavaleiro cristão e muçulmano. Revista Mirabilia 8, julho 2008. ISSN 1676-5818.

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