Po: Rangel Alves da Costa*
A HISTÓRIA DO MEDO
Hoje em dia todo mundo sabe o que é medo, bastando a palavra para o cabelo ficar em pé, surgir calafrios no corpo inteiro, procurar pernas pra se manter e não encontrar, sem falar no entorpecimento geral que acomete. Tem gente que tem medo de ter medo, se distancia da prática de muita coisa pelo simples receio de que algo pior ou inesperado aconteça.
Realmente, quanta perturbação envolve esse reflexo psicológico, cuja conceituação nem de longe se parece com o sentir diante de si. Conceituam-no como perturbação resultante da idéia de um perigo real ou aparente ou da presença de alguma coisa estranha ou perigosa. Sentimento inquietante que se tem diante de perigo ou ameaça. Ansiedade diante de uma sensação desagradável. Apreensão, pavor, susto, terror, fobia.
Mas será que o medo surgiu assim mesmo, como temor ou receio de algo ou de algum acontecimento, como alarme diante daquilo que pode acontecer porque a experiência já faz amedrontar? Será que o medo surgiu mesmo amedrontador?
Não. De jeito nenhum, pois o medo tem uma origem muito diferente do que se imagina. Por mais que não queiram acreditar, mas ele nasceu da coragem, da galhardia, da valentia, do destemor. Antigamente, a coragem e a valentia eram tão grande entre os homens que eles, não temendo nada, passaram a temer apenas o não conseguir tudo o que desejavam.
Assim, o valente homem não tinha medo da fera que saía para caçar, mas temia não conseguir encontrá-la para matar e trazer seus destroços para mostrar à sua tribo. Temia, pois, voltar da caçada de mãos abanando e talvez ser visto com desconfiança por alguns.
O valente e destemido não ficava apavorado nem apreensivo com nada desse mundo que pudesse ser enfrentado e derrotado. O seu único e verdadeiro receio era não encontrar aquilo que servisse de vítima, de objeto a ser superado e sua força comprovada. Desse modo, fazia promessas para ser atacado por inimigos, orava para ir para guerras, implorava para estar diante do perigo.
Mas numa situação tal, com tanta gente destemida, tanto homem valente, tanta força invencível, como ficavam aqueles que procuravam fugir dessas demonstrações de forças? Será que eram chamados de passivos, covardes, medrosos? Ou será que também procuravam fingir encorajamento para não serem aviltados socialmente?
Quem opinou pela última indagação acertou, vez que o que mais havia era gente fingindo coragem desmedida sem ter nem um tiquinho disso. E tal fingimento de ser aquilo que verdadeiramente não era foi o que desencadeou o que se tem hoje por medo. Quer dizer, o medo surgiu do fingimento do destemor.
Fingindo valentia, faziam tudo para não ter de provar nada disso; apenas aparentando destemor, se escondiam como forma de estar sempre bem protegido; disfarçando encorajamento, sempre arrumava desculpas quando uma situação de perigo se aproximava e era chamado a lutar contra todo mal. Assim, na fuga do suposto corajoso, na evasão do presumido valente, não havia outro reflexo senão o do medo.
E um dia, quando a cidadela inteira ficou sabendo que ferozes inimigos caminhavam naquela direção para conquistá-la fosse como fosse, ao grito do maior guerreiro apenas uma meia dúzia de aguerridos combatentes apareceram para o enfrentamento. Raivoso, cheio de ira e cólera, o guerreiro encheu os pulmões pedindo aos deuses para que uma ventania varresse aquele lugar de valentes fingidos.
E foi atendido. De repente tudo foi pelos ares e os outros habitantes apareceram por debaixo de camas, dentro de tocas, escondidos onde não pudessem ser encontrados. Todos covardes, medrosos, da pior espécie de ser humano. E um desses ao levantar do canto onde estava, sentiu uma barata lhe subindo a perna e saiu em correria, gritando que queria mamãe.
E nunca mais o mundo deixou de ter, escancaradamente, medo.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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