Por: Paula Rejane Fernandes
Ilustração: Roberto Torterolli
Andar pelas
ruas pode ser uma boa maneira de despertar o interesse dos alunos pela História
Quem circula
por Mossoró, no Rio Grande do Norte, tem a oportunidade de conhecer diversos
pontos da cidade onde ocorreu a resistência ao bando de Lampião, que a invadiu
no dia 13 de junho de 1927.
Os livros
contam que, ao adentrar os seus limites, o cangaceiro e seus comandados foram
recepcionados pelos mossoroenses, que estavam armados e escondidos em pontos
estratégicos, como a Igreja de São Vicente, a casa do então prefeito Rodolpho
Fernandes – que atualmente é a sede da prefeitura – e a estação ferroviária,
que hoje é a Estação das Artes Elizeu Ventania. Esses prédios estão conservados
e guardam em suas paredes até marcas das balas do confronto. Muitas vezes,
excursões como essa podem dar a um professor os argumentos necessários para
formular uma resposta convincente àquele aluno que quer saber por que deve
estudar História. As relações entre os fatos há tempos transcorridos e a vida
do estudante no presente também são objeto de uma série de questionamentos. Em
um primeiro momento, essas indagações podem parecer provocativas, mas indicam
um caminho para o mestre que pretende desenvolver uma maneira diferente de
exercer o seu ofício. Pode-se estabelecer perfeitamente ligações entre os
assuntos locais e atuais e a História do estado, do país e do mundo.
Os alunos,
assim como qualquer habitante que transita pelas ruas da cidade onde vive,
muitas vezes acabam se acostumando com a paisagem que veem diariamente. Com
isso, eles deixam de se interessar pela organização do espaço urbano, pelas
razões que levaram certas ruas e praças a ganhar os nomes que têm, ou pelos
recursos que foram usados para a conservação ou demolição de um determinado
prédio. São estudantes que não estabelecem relações entre o que observam e a
História do seu povo.
Quando
participarem de aulas de campo sob a orientação de um professor de História,
eles devem obter pistas a respeito dos projetos de cidade criados e idealizados
pela municipalidade, das inovações e avanços arquitetônicos e das mudanças em
relação à organização, à estruturação e ao uso do espaço urbano. A partir daí,
eles podem ser estimulados a resgatar a memória de toda uma região. O papel do
professor é demonstrar que a demolição e a conservação de prédios estão
relacionadas à disputa constante entre duas grandes forças: o lembrar e o
esquecer. Se alguns prédios são demolidos para dar lugar à construção de
edifícios novos, outros são preservados e nomeados como patrimônio histórico e
cultural da cidade, do estado e, às vezes, do país. Mas o que faz uma construção
ser tombada e transformada em monumento enquanto outra é posta abaixo? Uma das
respostas para essa pergunta está associada à produção de narrativas
históricas. Com esse intuito, os prédios relacionados às memórias aceitas e
reconhecidas como válidas acabam sendo conservados e aqueles ligados às
lembranças tidas como negativas são destruídas.
Isso fica
patente no exemplo de Mossoró, quando se percebe o cuidado que houve para
preservar os prédios que serviram como trincheiras durante o embate de junho de
1927 e a antiga cadeia pública municipal – que virou a sede do Museu Municipal
Lauro Escóssia. Além disso, a prefeitura local mantém um Memorial da
Resistência, construído em comemoração aos 80 anos da expulsão dos cangaceiros,
e promove uma encenação do Auto da Liberdade todo mês de junho, em frente à
Igreja de São Vicente. A dramatização narra a invasão, a resistência dos
mossoroenses e a derrota de Lampião, que teve muitos de seus homens mortos
durante o conflito. Uma das baixas mais significativas foi a do cangaceiro
conhecido pela alcunha de Jararaca, tido como um dos homens mais fortes do
bando, que foi preso e levado para a cadeia pública da cidade, onde veio a
falecer.
A partir desse
fato histórico – e depois de uma visita prévia à região, para selecionar os
locais a serem visitados –, o professor de História pode conduzir sua aula de
campo, instigando os alunos a fazerem perguntas sobre a conservação dos prédios
que serviram de trincheiras e a construção do Memorial da Resistência de Mossoró,
entre outras questões. Com base nos temas levantados, é possível, inclusive,
discutir com os alunos a relação entre memória, patrimônio cultural e
identidade, uma vez que os prédios foram conservados, divulgados como
cartões-postais e transformados em atrações turísticas. Os alunos, aos
perceberem essa relação entre História e o espaço citadino, sentem-se à vontade
para fazer perguntas sobre o lugar onde moram. Os estudantes também podem ser
levados a debater os trabalhos publicados por memorialistas da região, como
Raimundo Nonato (1907-1993) e Jerônimo Vingt-un Rosado (1920-2005), que foram
importantes na construção de uma identidade para a cidade de Mossoró, associada
às ideias de resistência, valentia e coragem, que também foram reforçadas pelo
Museu Lauro Escóssia e pelo Memorial.
No Museu, o
professor e sua turma podem explorar as fotos expostas que retratam o dia da
invasão, e ver não só algumas armas usadas no confronto, mas também recortes de
jornais com mensagens enviadas por pessoas de várias cidades parabenizando
Mossoró pelo feito. Sem contar que os alunos ainda têm a oportunidade de
analisar o próprio prédio do museu, que serviu de prisão para Jararaca. Com
base nessas fontes, o professor levantará questões a respeito de como os
jornais retrataram o acontecimento e qual a repercussão que ele teve fora da
cidade. Também vale a pena ver que tipos de armas eram usados no período e
fazer uma comparação com as que são utilizadas nos dias de hoje. Quanto ao
prédio em si, pode-se traçar um painel sobre a arquitetura da época, estudar
como funcionava o sistema prisional naqueles tempos e tentar identificar o que
mudou em relação ao sistema adotado no século XXI.
Esse mesmo
exercício também deve ser feito no Memorial. Lá, os alunos observarão os murais
ilustrados com fotos da cidade, dos cangaceiros e dos mossoroenses que faziam
parte da resistência. Durante a observação, o professor poderá dar início a uma
discussão a respeito da conservação da memória e da importância social do
monumento. Além disso, será possível levantar questões a respeito do cangaço e
do modo de vida dos homens e mulheres que empunhavam a sua bandeira: por que
ele se tornou um fenômeno? Qual a origem do nome? Como se vestiam os
cangaceiros? Como se divertiam? Quem os apoiava? Depois disso, a prática de
campo pode prosseguir com uma investigação sobre como era a cidade de Mossoró
no ano da invasão. Seria conveniente induzir os alunos a fazerem perguntas
sobre o tamanho da cidade e o número de habitantes em 1927, o estilo arquitetônico
dos prédios, se havia eletricidade e água encanada, se as ruas eram calçadas,
que locais eram destinados ao lazer e como funcionavam o comércio e as escolas
da região. Fazer um paralelo com o presente ajuda o aluno a perceber o quanto a
História está inserida nos mais diversos contextos.
Todos esses
exercícios, aplicados aos mais diversos contextos urbanos, podem ajudar os
estudantes a elaborar respostas para as perguntas que questionam a importância
da História, os motivos que fazem com que ela seja objeto de estudos e a sua
relação com o presente. De posse dessas conclusões, fica fácil entender que os
prédios, monumentos e costumes de uma cidade ou região podem contar muito sobre
os fatos que lá ocorreram. A comparação entre o passado e o presente ajuda o
aluno a entender que a História não é um saber restrito aos livros ou à sala de
aula. Muito pelo contrário, ele está dentro da sociedade e inserido no nosso
cotidiano.
Paula Rejane
Fernandes é professora da Universidade Estadual da Paraíba e autora da
dissertação “Mossoró: uma cidade impressa nas páginas de O Mossoroense
(1872-1930)” (UFCG, 2009).
Fonte:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/educacao/para-ler-a-cidade
Enviado pelo
pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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