Por: Hélio Pólvora
Quem se faz
vilão justiceiro ou vilão bandoleiro jamais será por acaso; sempre haverá este
ou aquele motivo forte. Mas nada impedira o protagonista de vir a ser amado ou
renegado, inclusive por si próprio.
É
fundamentalmente um solitário. Para desempenhar bem as tarefas que assume, no
intuito às vezes inconsciente de ocupar o vazio infernal na cabeça ou no
coração, esse herói precisa desprender-se de compromissos, mesmo os de teor
afetivo. Nada, ninguém deverá obstar-lhe ou estorvar-lhe as cavalgadas.
No emblemático
e carismático filme de George Stevens, o infeliz Shane (Alan Ladd), sozinho no
mundo, cumprindo sentença de provável perseguido em permanente fuga, poderia
eximir-se de um duelo a bala a que não era chamado. E ficar com o rancho de
Starret (Van Heflin), com o menino Joey (Brandon De Wilde), que o idolatrava —
e, melhor de tudo, com Marian (Jean Arthur), a mulher de Starret. Mas não. Mata
o pistoleiro Wilson (Jack Palance) no armazém do povoado, leva um tiro e,
curvado na sela, num entardecer sombrio, afasta-se para o seu destino de homem-sombra,
talvez o vale da morte. Joey corre atrás: “Volte, Shane!”. E, em última
instância, confessa: “Mamãe te ama”. Eterno foragido (dos outros? de si mesmo?
de um mundo que, conforme disse o poeta Auden, ele não fez, ele não quis?).
A estrutura
psíquica elementar dos velhos samurais de Akira Kurosawa lhe é idêntica: o
protagonista vivido tão bem por Toshiro Mifune, a ponto de não mais se
desgrudar da nossa lembrança, faz o que julga que lhe cabe fazer e retorna à
estrada, a sacudir os ombros. Nos seriados de 12, 13 ou 15 episódios da nossa
infância, os heróis, às vezes mascarados, repeliam os assédios explícitos e
implícitos do amor. Alguns sequer tiravam a venda dos olhos, ante de partir.
Vistos pelo prisma meramente ficcional, esses heróis ou bandidos, como queiram os leitores, entendem que a mulher e a família, com todos os seus ensejos de vida normal, costumam atrapalhar. Virá o filho, a necessidade imperiosa de construir e manter o lar, atividades rotineiras que destemperam o estofo da virilidade; conflitos que, comparados a tiroteios e outros enfrentamentos, empalidecem sob forma de aborrecidas picuinhas.
Virgulino
Ferreira da Silva rendeu-se ao amor. Engraçou-se de Maria Bonita (assim
apelidada não por ele. mas provavelmente por um desesperançado ex-policial das
volantes). A família da musa o acoitava. Lampião dava-lhe lenços a bordar.
Vem à tona,
então, a pergunta que ainda se faz: o que atraiu tantas sertanejas ao cangaço?
Algumas, como a Dadá, de Corisco, segundo na hierarquia do bando de Lampião,
foram levadas à força, estupradas, sequestradas, trocadas por joias. O
jornalista Antônio Amaury Corrêa de Araújo, citado por Manoel Severo, conta que
Corisco, o Diabo Loiro, tivera uma noiva chamada Darvina, apelidada Dadá. A
mulher inesquecível. Certa ocasião ele viu Sérgia Ribeiro da Silva passar no
seu passo felino de jaguaretê (teria 13 anos) e achou- a parecida com a outra.
Raptou-a e apelidou-a Dadá. Simples, pois não? Dadá habituou-se e, de todas as
cangaceiras, teria sido a única a participar, fuzil na mão, de tiroteios e
arruaças. A maioria delas, claro, aprendera a atirar, para caso de necessidade
extrema, mas Dadá entrava nas batalhas, substituiu Corisco enquanto este chefe
de bando dissidente de Lampião sarava de ferimentos nos braços. Atividades à
parte continuavam amigos.
Nem todos no
bando aceitaram a presença de mulheres: Balão queixava-se que elas atrapalhavam
nas retiradas, retinham o grupo, se grávidas, facilitavam o faro e as ouças dos
rastejadores. Balão, com seu instinto insatisfeito de revoltoso, achava que
mulher teria apenas de cozinhar, costurar e bordar aqueles trajes armoriais
nordestinos ornados de moedas, estrelas e fitas, além de entregar-se aos
requebros, ou “cochilos”, como disse Luiz “Lua” Gonzaga, do amor.
Para a mulher,
a vida nos sertões, àquela época do cangaço, era uma desventura completa. Se o
homem sempre podia cair no oco do mundo, e virar renegado, a ela tocava povoar
o vazio. De modo que o cangaço, com a figura meio napoleônica, meio mística, meio
Robinhooodiana de Lampião e seus comparsas, e a promessa de mais haveres e
menos deveres, atraiu-as ao calor escaldante da caatinga, à água salobra, ao
solo pedregoso, à entrançada vegetação espinhenta. Maria Bonita foi por puro
amor.
É hora de
dizer quem era de quem no bando de cangaceiros, com o devido crédito ao sumário
do jornalista Rogério Pacheco Jordão e achegas de João Sousa Lima, historiador
de Paulo Afonso e arredores:
Dadá (de
Corisco), Neném (de Luiz Pedro), Durvalina (de Moreno), Sila (de Zé Sereno),
Lídia (de Zé Baiano), Inacinha (de Gato), Adília (de Canário), Cristina (de
Português), Maria Jovina (de Pancada), Dulce (de Criança), Moça (de Cirilo
Engrácia), Otília (de Mariano), Maroca (de Mané Moreno), Mariquinha (de
Labareda), Maria Ema (de Velocidade), Enedina (de Cajazeira), Rosalina (de
Chumbinho), Estrelinha (de Cobra Viva), Hortênsia (de Volta Seca), Lacinha (de
Gato Preto), Iracema (de Lua Branca), Eleonora (de Azulão), Lili (de Moita
Braba), Catarina (de Sabonete), Mocinha (de Medalha), Maninha (de Gavião),
Maria Juriti (de Juriti), Dora (de Arvoredo), Marina (de Laranjeira), Dinha (de
Delicado).
Na Coluna
Prestes também havia mulheres. E os meios de sobrevivência eram semelhantes:
invasão, saques em fazendas, vilas, cidades.
http://www.vidaslusofonas.pt/lampiao.htm
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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