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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

LAMPIÃO Cangaceiro: 1898 – 1938 - Mito do Herói Maldito - Parte IX

Por: Hélio Pólvora
 

Quem se faz vilão justiceiro ou vilão bandoleiro jamais será por acaso; sempre haverá este ou aquele motivo forte. Mas nada impedira o protagonista de vir a ser amado ou renegado, inclusive por si próprio.


É fundamentalmente um solitário. Para desempenhar bem as tarefas que assume, no intuito às vezes inconsciente de ocupar o vazio infernal na cabeça ou no coração, esse herói precisa desprender-se de compromissos, mesmo os de teor afetivo. Nada, ninguém deverá obstar-lhe ou estorvar-lhe as cavalgadas.


No emblemático e carismático filme de George Stevens, o infeliz Shane (Alan Ladd), sozinho no mundo, cumprindo sentença de provável perseguido em permanente fuga, poderia eximir-se de um duelo a bala a que não era chamado. E ficar com o rancho de Starret (Van Heflin), com o menino Joey (Brandon De Wilde), que o idolatrava — e, melhor de tudo, com Marian (Jean Arthur), a mulher de Starret. Mas não. Mata o pistoleiro Wilson (Jack Palance) no armazém do povoado, leva um tiro e, curvado na sela, num entardecer sombrio, afasta-se para o seu destino de homem-sombra, talvez o vale da morte. Joey corre atrás: “Volte, Shane!”. E, em última instância, confessa: “Mamãe te ama”. Eterno foragido (dos outros? de si mesmo? de um mundo que, conforme disse o poeta Auden, ele não fez, ele não quis?).


A estrutura psíquica elementar dos velhos samurais de Akira Kurosawa lhe é idêntica: o protagonista vivido tão bem por Toshiro Mifune, a ponto de não mais se desgrudar da nossa lembrança, faz o que julga que lhe cabe fazer e retorna à estrada, a sacudir os ombros. Nos seriados de 12, 13 ou 15 episódios da nossa infância, os heróis, às vezes mascarados, repeliam os assédios explícitos e implícitos do amor. Alguns sequer tiravam a venda dos olhos, ante de partir.

Vistos pelo prisma meramente ficcional, esses heróis ou bandidos, como queiram os leitores, entendem que a mulher e a família, com todos os seus ensejos de vida normal, costumam atrapalhar. Virá o filho, a necessidade imperiosa de construir e manter o lar, atividades rotineiras que destemperam o estofo da virilidade; conflitos que, comparados a tiroteios e outros enfrentamentos, empalidecem sob forma de aborrecidas picuinhas.



Virgulino Ferreira da Silva rendeu-se ao amor. Engraçou-se de Maria Bonita (assim apelidada não por ele. mas provavelmente por um desesperançado ex-policial das volantes). A família da musa o acoitava. Lampião dava-lhe lenços a bordar.


Vem à tona, então, a pergunta que ainda se faz: o que atraiu tantas sertanejas ao cangaço? Algumas, como a Dadá, de Corisco, segundo na hierarquia do bando de Lampião, foram levadas à força, estupradas, sequestradas, trocadas por joias. O jornalista Antônio Amaury Corrêa de Araújo, citado por Manoel Severo, conta que Corisco, o Diabo Loiro, tivera uma noiva chamada Darvina, apelidada Dadá. A mulher inesquecível. Certa ocasião ele viu Sérgia Ribeiro da Silva passar no seu passo felino de jaguaretê (teria 13 anos) e achou- a parecida com a outra. Raptou-a e apelidou-a Dadá. Simples, pois não? Dadá habituou-se e, de todas as cangaceiras, teria sido a única a participar, fuzil na mão, de tiroteios e arruaças. A maioria delas, claro, aprendera a atirar, para caso de necessidade extrema, mas Dadá entrava nas batalhas, substituiu Corisco enquanto este chefe de bando dissidente de Lampião sarava de ferimentos nos braços. Atividades à parte continuavam amigos.


Nem todos no bando aceitaram a presença de mulheres: Balão queixava-se que elas atrapalhavam nas retiradas, retinham o grupo, se grávidas, facilitavam o faro e as ouças dos rastejadores. Balão, com seu instinto insatisfeito de revoltoso, achava que mulher teria apenas de cozinhar, costurar e bordar aqueles trajes armoriais nordestinos ornados de moedas, estrelas e fitas, além de entregar-se aos requebros, ou “cochilos”, como disse Luiz “Lua” Gonzaga, do amor.


Para a mulher, a vida nos sertões, àquela época do cangaço, era uma desventura completa. Se o homem sempre podia cair no oco do mundo, e virar renegado, a ela tocava povoar o vazio. De modo que o cangaço, com a figura meio napoleônica, meio mística, meio Robinhooodiana de Lampião e seus comparsas, e a promessa de mais haveres e menos deveres, atraiu-as ao calor escaldante da caatinga, à água salobra, ao solo pedregoso, à entrançada vegetação espinhenta. Maria Bonita foi por puro amor.


É hora de dizer quem era de quem no bando de cangaceiros, com o devido crédito ao sumário do jornalista Rogério Pacheco Jordão e achegas de João Sousa Lima, historiador de Paulo Afonso e arredores:


Dadá (de Corisco), Neném (de Luiz Pedro), Durvalina (de Moreno), Sila (de Zé Sereno), Lídia (de Zé Baiano), Inacinha (de Gato), Adília (de Canário), Cristina (de Português), Maria Jovina (de Pancada), Dulce (de Criança), Moça (de Cirilo Engrácia), Otília (de Mariano), Maroca (de Mané Moreno), Mariquinha (de Labareda), Maria Ema (de Velocidade), Enedina (de Cajazeira), Rosalina (de Chumbinho), Estrelinha (de Cobra Viva), Hortênsia (de Volta Seca), Lacinha (de Gato Preto), Iracema (de Lua Branca), Eleonora (de Azulão), Lili (de Moita Braba), Catarina (de Sabonete), Mocinha (de Medalha), Maninha (de Gavião), Maria Juriti (de Juriti), Dora (de Arvoredo), Marina (de Laranjeira), Dinha (de Delicado).

Na Coluna Prestes também havia mulheres. E os meios de sobrevivência eram semelhantes: invasão, saques em fazendas, vilas, cidades.


http://www.vidaslusofonas.pt/lampiao.htm
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