Seguidores

domingo, 2 de outubro de 2016

RELATÓRIO DO BB DE MOSSORÓ FAZ DENÚNCIAS - FINAL


O gerente Jaime Fernandes Guedes analisa em seu relatório que o cangaceiro não é originariamente “um caso psicológico”. Não é também o caldeamento da raça, nem outras fantasias literárias que surgem amiúde, ora em artigos pela imprensa, ora nos duelos oratórios nas duas Casas do Congresso.  O cangaceiro é, em geral, um tipo normal, degenera-se pelo consórcio permanente de duas calamidades: a falta de polícia e a falta de Justiça, resumidas em uma outra maior, a falta de governos”.

Continua: “ O cangaceiro é uma fonte de receita de certos, determinados e conhecidos coronéis do sertão que, explorando a ignorância a falta de instrução dos trabalhadores de suas fazendas e sítios, que hajam em qualquer ocasião demonstrado coragem, os faz ingressar na senda do crime, primeiramente, na consecução de certos “servicinhos”, insinuando-os depois ao banditismo, mediante as seguintes condições: metade dos roubos, abrigo, proteção, armas e munição. Contam também esses bandos de celerados com a proteção de alguns oficiais das milícias, comandantes de colunas volantes que aparentemente os perseguem em troca de gordas gorjetas. Isso está mais do que provado.

Estão aí os depoimentos dos cangaceiros aprisionados e as entrevistas concedidas num momento de revolta por oficiais das polícias cearense e norte-rio-grandense que estiveram ao encalço do nefando grupo de Lampião, que atacou esta cidade, motivadas pelas ocorrências deprimentes verificada durante a perseguição movida, pela primeira vez, pela polícia cearense, cujo comando, segundo afirmam aqueles oficiais, estava entregue a um oficial que é cunhado de um dos maiores protetores daquele execrante facínora, se não bastasse o testemunho insuspeito  de vária pessoas de fé, residentes nas localidades em que Lampião e seus assecla são bem recebidos: Aurora, Lavras, Missão Velha, Juazeiro, Crato, Barbalha, Milagres e muitas outras localidades situadas na zona do Cariri são focos permanentes do banditismo. Ali se refazem constantemente em armas e munições, homens e animais, esses grupos que andam levando o desassossego, a desonra e o luto, através do imenso território de quatro Estados: Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.

Por residirem em território cearense os maiores protetores desses bandos nefastos e certamente por insinuação daqueles, essas feras tornam-se em verdadeiros cordeiros logo que ingressam em território cearense. Daí atribui-se com visos de verdade, ao governador daquele Estado, quando interpelado, antes dessa última excursão do grupo de Lampião, quando acoitados em território cearense, a resposta foi a seguinte: “Eles não cometiam nenhum crime no Ceará”.

O relatório denuncia que “de todos os Estados citados, quando tem o seu território invadido por essa malta de degenerados, são recebidas notícias frequentes sobre a posição dos bandidos e o rumo que tomaram, porém logo que penetram em território cearense, as notícias escasseiam até desaparecer completamente, ou então são mentirosas, como se constatou quando lampião, antes de entrar no rio Grande do Norte, atravessando Estado da Paraíba, se passou para o Ceará. Deste foi comunicado que Lampião e seu grupo havia rumado para o Estado do Piauí, quando efetivamente ele se encontrava em Aurora, preparando-se para o ataque a Mossoró”.

O relatório adverte: “Se medidas severas e radicais não forem tomadas a tempo, na repressão ao banditismo, este tende a se alastrar, sendo previsível até que ponto chegará. Consequências ruinosas para a nação já se vão verificando. Os proprietários de terras situadas nas zonas infestadas por esses grupos de bandidos, que dispõem de alguns recursos, já estão abandonando as suas propriedades. Por todos os motivos de ordem moral, financeira e econômica, esses fatos deprimentes e ruinosos para a nação não devem continuar. Urge que o governo federal, reconhecendo a importância ou a indiferença dos governos estaduais, tome medidas enérgicas para extirpar de uma vez esse cancro do organismo nacional”.

Ao centro o cangaceiro Jararaca

O documento do gerente do Banco do Brasil conta todos os detalhes do ataque à Mossoró quando morreram dois dos mais famosos cangaceiros de Lampião, Jararaca e Colchete. Os bandidos, segundo o relato, foram expulsos à bala da cidade, voltaram para o Ceará. Entraram em Limoeiro do Norte, dando vivas ao padre Cícero e ao governo do Estado. “Foram inclusive recepcionados com um banquete oferecido pelas autoridades de Limoeiro num verdadeiro congraçamento entre a lei e o banditismo.

O gerente Jaime Fernandes Guedes conclui o seu relatório sugerindo o fechamento da agência do Banco do Brasil de Mossoró por absoluta falta de segurança. O relatório é um libero contra os cangaceiros, mas evidencia a influência dos coronéis”. Mostra que os cangaceiros foram vítimas de uma ordem social injusta e discriminatória.

O documento enviado na época da Superintendência do Banco, depois que o bando tentou invadir Mossoró, faz uma análise sociológica do cangaço, denuncia as crueldades cometidas por Lampião e as ligações com os que chamou de "coronéis do sertão".

"As incursões de grupos de cangaceiros ocasionaram séria paralisação nos negócios nos meses de maio e junho do ano corrente".

"O cangaceiro, na sua horrenda psicologia, é ainda um tipo superior a dessas teratológicos/coronéis, seus mandantes e protetores. Pelo menos, aquele arrisca a própria vida, enquanto estes comandantes aguardam o produto dessas vilegiaturas, em que a morte é o mais humano de todos os crimes".

"O cangaceiro não é originariamente "um caso psicológico". Não é também o caldeamento da raça, nem outras fantasias literárias que surgem amiúde, ora em artigos pela imprensa, ora nos duelos oratórios nas duas Casas do Cangaço.

"O cangaceiro é, em geral, um tipo normal, degenera-se pelo consórcio permanente de duas calamidades; a falta de polícia e a falta de Justiça, resumidas em uma outra maior; a falta de governo".

FINAL.

Fonte: Jornal "DIÁRIO DO NORDESTE"
Cidade: Fortaleza-CE
Data: 26 de julho de 1997
Ano: ?
Número: ?
Digitado e ilustrado por José Mendes Pereira

Este jornal foi a mim presenteado pelo pesquisador do cangaço e sócio da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço Francisco das Nascimento (Chagas Nascimento). Desculpem-me alguma falha na digitação, sou um pouco cego. 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário