Por Juliana
Linhares - Da Universa
Maria Bonita Foto do Benjamin Abraão
Maria Bonita
tornou-se cangaceira porque quis. Era infeliz no casamento - com um sapateiro -
e largou tudo para acompanhar Lampião, à época, já uma celebridade
internacional, o bandido mais procurado do Brasil, com direito a reportagem no
"The New York Times".
A primeira
mulher a entrar no cangaço não foi raptada e estuprada ainda criança, como
acontecia com a maioria das mulheres do bando. Porém, como elas, foi obrigada a
dar a única filha que teve.
Maria Bonita
andava coberta com algumas das joias mais caras já vistas no sertão nordestino
- todas roubadas pelo marido -, tocava bandolim enquanto Lampião cantava,
ajudava a torturar algumas de suas vítimas, atuava como espiã para o bando e
adorava comer o "passarinho ao vinho" que Lampião preparava.
Ela se chamava Maria Gomes de Oliveira. Na intimidade, era a Maria de Déa
(nome de sua mãe) ou Maria do capitão. O Bonita foi criado depois de sua morte.
Maria, Lampião
e os cachorros do casal - Foto do Benjamin Abraão
A biografia da
"Rainha do Cangaço", escrita pela jornalista Adriana Negreiros, e
recheada de histórias inéditas sobre a bandoleira, chega às livrarias no
próximo dia 31. Veja trechos de "Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres
no Cangaço", da editora Objetiva.
"Abusada
e arrumadinha feito uma boneca".
Maria era
morena clara, tinha cabelo e olhos castanhos, nariz afilado, lábios finos, 1,56
metro de altura, um par de coxas grossas (...) um certo
achatamento da região glútea e os pés grandes e esparramados, descreve a
autora. Era dona de uma gargalhada alta e, para Dadá, a mulher de Corisco, e
sua principal rival, ela era "abusada, ranzinza, orgulhosa, metida a
besta, barulhenta e arrumadinha feito uma boneca".
Muito ouro.
Ela andava com
algumas das joias mais caras que já tinham circulado pelo sertão. Diz a autora:
"Em volta do pescoço, exibia sete correntes de ouro (que pertenceram a uma
baronesa alagoana, cuja casa fora assaltada por Lampião). As mãos traziam anéis
em quase todos os dedos. Reluzentes brincos de ouro faziam conjunto com um
broche do mesmo material, fixado ao tecido da vestimenta ou à jabiraca, o lenço
de seda usado junto aos colares".
O cabelo
ficava protegido por chapéus de feltro, enfeitados com moedas, botões e medalhas
de ouro.
Maria usava um punhal de 32 centímetros, feito de prata, marfim e ônix, um binóculo alemão e se perfumava com a mesma loção que Lampião: Fleurs d'Amour, da marca francesa Roger & Gallet. Ela também empunhava um revólver Colt calibre 38. No bornal, a bolsa dos sertanejos, carregava maquiagem, sabonete e perfume.
As
cangaceiras, em geral, usavam vestidos de seda, quando estavam escondidas,
acompanhados de luvas com motivos florais, meias, sandálias ou botas de cano
curto. Em dias de andança no mato, o vestido era de pano resistente,
acompanhado de meias grossas e perneiras de couro de veado ou bode.
Estupros
Maria Bonita,
ao que consta, nunca sofreu violência de Lampião; porém, o cangaceiro violentou
muitas meninas. A autora conta que ele "tinha intenso prazer (....) de
estuprar uma mulher, enquanto ela chorava". Ele e seu bando costumam fazer
estupros coletivos e, na avaliação deles, "porque as mulheres
queriam". O livro relata casos estarrecedores.
Benjamin
Abrahão
Corisco e
Dadá, ela, a rival de Maria Bonita - Foto Benjamin Abraão
O estupro de
Dadá, mulher de Corisco.
Corisco a
sequestrou, da casa de seus pais, quando ela tinha 12 anos e ele, 20. Conhecido
como Diabo Louro, o cangaceiro a desvirginou violentamente. A seguir, a
história, nas palavras da autora: "(depois do rapto, Corisco) jogou-a no
chão. Imobilizou-a, levantou-lhe o vestido, abriu-lhe as pernas, se debruçou
sobre seu corpo feito um animal, penetrou-a com força, repetidas vezes. Quando
Corisco finalmente saciou-se, a garota estava inerte, quase desfalecida, com a
região genital em carne viva, esvaindo-se em sangue. Delirando de tanta dor,
pensara que suas pernas haviam virado escamas de peixe e, na sua alucinação,
'nadava feito uma sereia numa correnteza vermelha com pedras de diamante', como
ela contaria depois. Nos dias seguintes, Dadá enfrentou febres altas, que lhe
provocavam novos delírios. Cessada a hemorragia, começou a sentir escorrer,
pela vagina, um líquido esverdeado. Para tratar os ferimentos e a inflamação,
submetia-se a banhos de assento com ervas locais, preparados por dona Vitalina
(tia do cangaceiro)".
O sexo no
cangaço.
Era raro. E
guiado por superstições. Nunca acontecia, por exemplo, às sextas-feiras e em
vésperas de mudanças de esconderijo. Quando transavam "em respeito ao Pai
Eterno, os cangaceiros tiravam do pescoço os colares com saquinhos nos quais
traziam orações. Lampião carregava oito delas, além de um crucifixo em ouro
maciço", conta Adriana.
Apesar da
pouca água existente no sertão, uma pequena quantidade era reservada para
banhos íntimos das mulheres - para que elas estivessem asseadas para os homens.
Eles não faziam o mesmo e, muitas vezes, passavam para elas doenças venéreas
adquiridas em cabarés.
Como tratavam
as DSTs
Contra a
gonorreia, os cabras bebiam uma mistura de ovo com o suco de 12 limões, deixado
ao sereno por toda uma madrugada e bebida antes do sol nascente. Abcessos eram
abertos com canivete e espremidos até acabar o pus. Muitos ficavam de cócoras
sobre uma fogueira.
Os cangaceiros
também acreditavam que todo o tratamento iria por água abaixo, se
"pisassem em rastro de corno".
White Horse,
traição e tortura.
Lampião
tratava a mulher paciente e carinhosamente. E ria das constantes crises de
ciúme dela. Em 1931, o casal viajou no que seria uma lua de mel tardia e se
hospedou na casa de fazendeiros abastados. Lampião fumava charutos, Maria
jogava cartas e eram muitos os brindes com uísque White Horse. Lampião gostava
de cantar e tocar sanfona, enquanto era acompanhado pela mulher, no bandolim.
Quando sua voz falhava, chupava pastilhas Valda.
Aparentemente,
Maria teve um romance com um comerciante chamado João Maria de Carvalho.
Quando precisava de algo, tipo sapatos, ela mandava pedir a ele.
Maria impediu
que Lampião matasse muita gente, no entanto, há registros que mostram que, em
alguns casos, ajudou a torturar vítimas mulheres do marido: por exemplo, arrancando-lhes
os brincos até rasgar os lóbulos.
Dadá, a rival
A mulher de
Corisco costurava muito melhor que Maria Bonita, e, por isso, conquistou a alma
vaidosa de Lampião. Ele pedia que ela lhe fizesse bornais com bordados florais
e geométricos bem coloridos.
A autora não
afirma que Lampião e Dadá tiveram um caso, mas conta noites em que eles ficavam
numa "risadaria dos pecados".
Lampião fazia
"passarinho ao vinho".
Costurar,
lavar e cozinhar eram tarefa de todos, homens e mulheres. Os homens costumavam caçar
os bichos, as mulheres os temperavam e eles assavam. Lampião adorava fazer um
prato em especial: passarinho ao vinho. Maria, além de cozinhar e tecer, agia
como espiã, escutando as conversas das pessoas da cidade e recrutando novos
homens para o bando. Ela e Lampião sabiam ler e escrever precariamente, e
gostavam de ler a revista "O Cruzeiro".
A doação da
única filha
Expedita
nasceu em setembro de 1931, pelas mãos de uma parteira, sob a sombra de um
umbuzeiro. Dias depois do nascimento, a menina foi entregue a um casal de
vaqueiros, em Sergipe. A mulher havia dado à luz recentemente e é possível que
a filha de Maria Bonita tenha sido apresentada à vizinhança como a irmã gêmea
do outro bebê. Depois que entregou sua filha, Maria amarrou um pano em volta
dos seios. Espremidos, eles deixavam vazar pouco leite.
Há relatos de
que, antes de ser doada, a bebê quase foi sangrada a facão pelo pai. Lampião se
impacientaria com o choro dela e com o fato de ter que parar as caminhadas do
bando para que a mulher cuidasse do bebê.
Todas as
cangaceiras eram obrigadas a entregar seus bebês ainda recém-nascidos.
Geralmente, eles eram dados a fazendeiros, juízes ou padres.
O primeiro
casamento de Maria.
Ela foi casada
desde os 15 anos com um primo sapateiro. O casal vivia no sertão da Bahia e o
sapateiro era conhecido por se entregar aos prazeres da noite. Mas ele fazia
pior. "Maria podia passar incontáveis noites longe de casa (quando o
marido a traía) - muitas vezes depois de enfrentar a fúria dele que, aborrecido
com os protestos da esposa, tentava lhe calar com tapas e socos", escreve
a autora. Maria, de seu lado, não era a mais fiel das esposas.
Como
conheceu Lampião.
O cangaceiro,
que já era o rei do cangaço, tinha atrás de si as polícias do Ceará, Rio Grande
do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Decidiu tentar uma vida nova na Bahia.
Maria de Déa, de seu lado, era fascinada pelas histórias do cangaceiro. Há
algumas hipóteses sobre como os dois se conheceram, mas a mais aceita dá conta
que, numa de suas fugas do marido, Maria chegou na casa dos pais e lá encontrou
Lampião e seu bando. Foi para a cozinha, ajudar a mãe a preparar a refeição
para os cangaceiros, Lampião se aproximou e travou com ela o seguinte diálogo,
segundo a autora:
- Você sabe bordar?
- Sei.
- Então vou trazer uns lenços de seda para você bordar e volto daqui a duas semanas para buscar.
(...) ?Dias depois, Virgulino voltaria para pegar os panos e iniciar o namoro com Maria. (...) Durante todo o ano de 1929, ele interromperia suas incursões sertão adentro para visitar, com regularidade, a namoradinha ? o que não o impediria de, durante os trabalhos de campo, procurar o amor em outras paragens.?
O bando, com Maria à frente - Foto do Benjamin
Abrahão
A Rainha do
Cangaço.
"Meses
depois (....) passaria a viver maritalmente com Lampião. Assim, nos primeiros
meses de 1930, Maria (...) se tornaria a primeira cangaceira da história do
Brasil. Antes dela, nunca, uma mulher acompanhara o grupo de bandoleiros.
Muitos tinham suas companheiras, mas não permitiam que os seguisse. Era o caso
de Corisco. Quando Maria de Déa entrou no bando, fazia três anos que ele
mantinha Dadá escondida na casa de dona Vitalina (sua tia), escoltada por
capangas para evitar que fugisse ou fosse atacada pelas volantes (como era
conhecida a polícia)".
Cabeça
decepada e madeira na vagina.
O bando de
Lampião foi dizimado numa emboscada feita pela polícia, em 28 de julho de 1938
(Corisco e Dadá não estavam nesse dia e se salvaram). Maria tinha 28 anos. Os
onze homens haviam acabado de acordar. Os soldados viram Lampião puxar sua
oração matinal e Maria fazer o café. Dispararam saraivadas de tiros. Maria
estava com uma bacia na mão ao levar a primeira bala na barriga. Ela agonizava
quando um soldado degolou Lampião. Depois, outro policial fez o mesmo com ela
- que ainda estava viva. As cabeças dos onze cangaceiros foram depois
expostas ao público, em Maceió. O corpo de Maria Bonita "seria abandonado
com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado na vagina", conta o
livro.
O que mais
impactou a autora
Adriana conta
que se impressionou muito com as histórias de violência do bando. No entanto,
algo a assombrou ainda mais: "os relatos das cangaceiras sobreviventes são
geralmente desacreditados em relação à extrema brutalidade da qual foram
vítimas", diz Adriana. "Dadá foi muitas vezes tachada de
'exagerada' ao dar detalhes sobre o rapto e estupro perpretados por
Corisco". Adriana sentencia: "Colocar em suspeição a versão das
cangaceiras faz parte do mesmo padrão e da mesma lógica que insiste em
desqualificar os relatos das mulheres quando violentadas".
https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2018/08/24/maria-bonita-joias-tortura-e-sem-sexo-as-sextas-diz-biografa-do-cangaco.htm?fbclid=IwAR0Bvtf7PX0YZQuP4mtF92EEO9mzS6-cTbn6kq9MPAViywGXcFFL2hUMGCo
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