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sábado, 31 de janeiro de 2015

“O GLOBO” – 28/08/1930 - O “RAID” SANGUINÁRIO DE LAMPIÃO E SEUS COMPARSAS

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

Leiam, meus amigos, a matéria abaixo, o depoimento do Senhor Manoel do Nascimento, negociante da cidade de São Paulo, hoje Frei Paulo, no agreste sergipano, a respeito de Lampião.


Impressionante Narrativa da Sua Passagem Pelo Sertão de Sergipe.

Não há quem não conheça no Brasil, através de emocionantes narrativas, as terríveis aventuras de Lampião e terríveis aventuras de Lampião e seus comparsas na peregrinação sanguinária, que há muito vêm fazendo pelos sertões do nordeste brasileiro.

Cada qual dos noticiaristas tem apresentado sob aspectos diferentes narrativas cada qual mais sanguinária e audaciosa do terrível bandoleiro e sua gente.

Agora, o Sr. Manoel do Nascimento, negociante estabelecido com armazém de secos e molhados na cidade de São Paulo, no sertão de Sergipe, chegado ao Rio há cerca de oito dias, procurou O GLOBO, para narrar o que foi a passagem por aquele Estado, de Lampião e seu bando sinistro.

Inicialmente, disse-nos o Sr. Nascimento, há cerca de 17 meses que o sertão de sua terra natal vem sendo visitado pela destruidora horda de bandidos chefiada por Virgulino Ferreira, o Lampião.

O saque praticado por essa gente é completo naquelas regiões. Dinheiro, joias, mantimentos, montadas, armas e até a honra dos lares, tudo é levado pelos terríveis facínoras, de roldão. A polícia sai ao seu encalce, o bando desaparece e volta três, quatro meses depois; mais sanguinário e sedento de vingança pelo fato de ter a população recorrido à polícia.

Entre os assaltos praticados por Lampião salienta-se o que praticara às cidades sergipanas de Capela e Nossa Senhora das Dores, distante da capital três ou quaro horas.

Súbita e inesperadamente, apareceu o bando naquelas localidades e forçou os elementos de maior destaque, como o prefeito e outros a angariar dinheiro na importância de cerca de 7:000$000, para depois, à noite, assistirem ainda em companhia daquelas mesmas pessoas uma sessão cinematográfica.

Depois destes acontecimentos, o interior do Estado de Sergipe tem passado por horríveis vexames. Em São Paulo, onde resido, todos vivem apavorados. É que Lampião já percorreu toda a zona algodoeira e já obteve dos fazendeiros entrega de dinheiro e boas montadas.

O regime “lampionesco” é simples: ou dar ou morrer. Nessas condições, no Estado da Bahia, limites com o de Sergipe, têm eles praticados mortes bárbaras, incêndios, desonras. 

No dia 28 de julho, Lampião entrou no povoado Mucambo, município de São Paulo, em Sergipe, quando se realizava a feira e tomou mais de 7:000$000 e 18 muares. Nessa aventura era o grupo de 16 bandidos e dois guias.

Ele tem dito que possui grande desejo de visitar a cidade de São Paulo, onde sou estabelecido. Sou de opinião, porém, que ele lá não entra, pois, não há sertanejos tão unidos como os daquela cidade. Tem havido ocasiões que o destacamento local só possui cinco praças e quando correm boatos da aproximação dos bandidos, formam em momento 40 a 50 civis, sendo na maioria reservistas do Exército, uns com fuzis e outros com rifles e muita munição.

Para não mostrar covardia, Lampião, sendo sabedor dos preparativos bélicos naquela cidade, retira-se das suas imediações, dizendo apenas:


"- Quando o povo estiver chupando bombons eu apareço. Já estou acostumado a brincar com 200 homens".

Fez cartas e bilhetes aos fazendeiros pedindo dois ou mais contos e caso não receba o dinheiro ele promete incendiar as casas e matar o gado. Alguns, amedrontados, dão, outros, no entanto, como o Sr. José Ribeiro Doria, mandam-lhe dizer que o esperarão à bala. Lampião costuma passar três e quatro meses no mato. Quando ele chega a uma cidade ou povoado, bebe bastante e a seguir cada membro do grupo sai arranjando dinheiro sob ameaça de morte. Quem não tem dinheiro dá joias ou armas de fogo e munição, que assim eles o exigem.

Lampião faz o contrário dos seus companheiros. Manda a autoridade do lugar angariar dinheiro por meio de subscrição.

Todos do sinistro grupo têm muito dinheiro, sendo que Lampião possui uma grande bolsa de couro, na qual encerra muitas notas de 1:000$ e 500$, parecendo ter já centenas de contos, além de ouro, anéis com pedras preciosas e outros objetos.

Todos andam bem municiados e armados, com fuzis e mosquetões dos usados pelo Exército. Também carregam medicamentos para curar ferimentos que porventura recebam em combates.

O seu traje comum é roupa mescla, chapéu de couro quebrado na frente, alpercata de cangaceiro e todos usam meias de seda com enfeites.

A primeira vez que Lampião entrou em Sergipe possuía apenas sete homens, a segunda já voltou com dez e atualmente o grupo está dividido em três colunas nas seguintes condições: Lampião, com 16 homens; Corisco, com seis, e Antônio de Engrácia, com 10 homens. Os grupos, porém, tendem sempre a aumentar.

Era uma necessidade, declarou-nos o Sr. Manoel do Nascimento, e uma medida excepcional, se o governo desse um prêmio de grande valor, a quem exterminasse esse terrível grupo de bandidos. Eles têm causado graves prejuízos aos governos estaduais, municipais e federal. Quando eles entram num povoado em dia de feira, ninguém paga imposto.

No dia 28 do mês findo, quando Lampião com o seu bando saiu de Mucambo, foi à “Feira do Pão”, no Estado da Bahia. O guia que os conduziu até lá, declarou que mal eles pisaram em terra baiana, foram cometendo toda a sorte de perversidades com os habitantes indefesos. Penetrando numa casa onde estava uma senhora esperando a hora para dar à luz, Lampião entrou no quarto, cortou a mão de uma velha que lá se encontrava e a seguir, deu bolos em homens e crianças. Há cerca de quatro meses, no sertão da Bahia, matou Manoel Sabino e três filhos deste. Aquele com uma punhalada na boca, arrancando-lhe a seguir os olhos com um ferro.

Era tal o ódio do chefe dos bandidos por este homem, que levou na sua tocaia 41 dias. Quando o pôde pegar a seu jeito, matou-o e aos filhos.

Acha o Sr. Manoel do Nascimento que Lampião não tem nada de valentia. Ele é muito malvado, apenas.

Quando qualquer “caibra” entra para o seu grupo, recebe-o assim:

- De queda de rede e de barriga cheia, você não morre.

A todos ele diz que só tem medo de tropa do Exército.

No dia 21 de Abril do corrente ano, um sargento do destacamento da cidade de São Paulo, quando soube que Lampião havia entrado no povoado Saco do Ribeiro, município de Itabaiana, convidou-o pelo telefone a que fosse àquela cidade que o estava esperando. Ele respondeu que tinha 10 “meninos bons” e lá iria. Mas é tão covarde que cortou caminho e desapareceu por outro lado.

Ultimamente a polícia anda no encalço do grupo de Corisco, já tendo lhe dado dois combates. Num desses combates, esse bandido deixou toda a cavalhada que levava.

Ao que nos disse o Sr. Nascimento, a polícia de Sergipe não tem poupado sacrifícios para dar caça a esse grupo de bandidos.

Lampião deixando Mucambo cantava as seguintes quadras:

“Itabaiana está de luto
São Paulo de sentimento
Mucambo de porta aberta
Lampião pisando dentro.

Bebi cachaça não gostei
Namorei na Bahia não me casei
Namoro em Sergipe
Não sei se me casarei.”

Esteve ele em casa de um sertanejo pobre e lhe pediu 1:000$000. O homem só tinha 90$000 e ele recebeu-os. Vendo um oratório com santos, Lampião e os companheiros rezaram e pediram a Deus que se tinham cometido alguns pecados que os perdoasse.

Na cidade de São Paulo, quando corre o boato de que os bandidos andam perto, as mulheres são acometidas de ataques, o comércio fecha e os homens vão para as trincheiras improvisadas para a defesa da cidade.

Num município de Sergipe enlouqueceram um homem e uma moça, quando souberam que Lampião se aproximava do lugar.

Quando o chefe dos bandidos escreve uma carta a qualquer autoridade, assina:

- “Do seu superior – Lampião.”

Na cidade de Canas, o lavrador José Gonzaga Leite, no começo de Agosto corrente, depois de ter sido obrigado a dar dinheiro, joias e outros objetos, como não quisesse entregar animais para montaria, foi brutalmente espancado e ferido com nove punhaladas.

Aí está como nos narrou entristecido toda esta história, o Sr. Manoel Nascimento, por ver que o sertão do nordeste brasileiro está completamente abandonado pelo governo da República.

http://acervo.oglobo.globo.com/?service=compartilhamento&id=MKk0hgw%2Fueh3yvXxYE4Ng38Y%2BUotfnvG4p7lWDyPmzhSUQJHvK4H%2F7p9rqx%2FbULqTLJX1HGxE5g%3D&origem=amz

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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