Por José Romero Araújo Cardoso
O sul do Ceará
é considerado um verdadeiro oásis no sertão, convergência de migrantes fugidos
das secas há tempos imemoriais e palco de lutas sangrentas entre facções
políticas e disputas interfamiliares no século passado.
Coronel Isaías Arruda
As
intermináveis lutas interpartidárias que explodiram nesta região sertaneja
firmaram a repulsa entre os clãs Arruda e Paulino, nucleados, respectivamente,
nos municípios de Aurora e Missão Velha, ambos localizados no Estado do Ceará.
O cenário das contendas não se diferenciava dos anos que antecederam a
restituição da oligarquia Accyoli, o qual firmou a arraigada disputa pelo poder
entre os “coronéis” do cariri cearense.
Um pacto
firmado entre os mandatários caririenses na então vila de Juazeiro, elevada à
categoria de cidade no ensejo desse bizarro acordo, tentava selar a paz entre
os estamentos superiores da sociedade sertaneja agro-pastoril da área de
exceção correspondente ao cariri cearense.
Discórdias
políticas denotaram a instabilidade entre os dois clãs, resultando em
desarmonias envolvendo o “coronel” Isaías Arruda, famoso coiteiro de Lampião,
inclusive responsável pela trama que redundou na tentativa de ataque a Mossoró,
e o “coronel” Manuel Ribeiro Dantas, a quem os Paulino eram ligados.
A beligerância
teve seu ápice no ano de 1925, quando “em meio a uma áspera disputa política
que já durava meses, ferem-se vários tiroteios em Missão Velha entre os
“coronéis” Isaías Arruda (dos mais fortes coiteiros que Lampião possuía no
Ceará) e Manoel Ribeiro Dantas, o Sinhô Dantas, este último, chefe político
municipal” (MELLO, 1985, p.100).
Durantes meses
a questão política se desenrolou de forma mais ou menos inconstante, resultando
em violento tiroteio nas ruas de Missão Velha, ocasionando ferimento à bala em
um dos filhos do “coronel” Manoel Ribeiro Dantas.
No entanto, o
mais encarniçado ataque desferido pelo “coronel” Isaías Arruda se concentrou ao
sítio Barreiro, reduto de seu desafeto. Entre os defensores encontrava-se um
sertanejo valente e destemido de nome João Paulino, membro de uma família
guerreira, tarimbada na luta armada sertaneja dos séculos XIX e XX.
Prestigiado
pelos governos Federal e Estadual, o resultado lógico para a política de época
foi a ascensão do “coronel” Isaías Arruda à política regional. O encaminhamento
“natural” dos fatos redundou na sua dominação efetiva, chegando a ocupar o
cargo máximo do poder executivo em sua área de influência.
Os dissabores,
contudo evidenciariam a essência da complexa relação inter-social existente no
sertão. Em maio de 1926, João Paulino investiu contra um correligionário de
Isaías Arruda, de nome João Gonçalves. Novamente Missão Velha estava em
pé-de-guerra, denotando o insustentável grau de ebulição entre os clãs em luta
armada, agora concentrado entre Arruda e Paulino. O desfio custaria caro,
principalmente ao mais exaltado de todos.
A revanche
aconteceu a 11 de junho de 1926. João Gonçalves e inúmeros jagunços fornecidos
por Isaías Arruda desalojaram os inimigos entrincheirados na povoação conhecida
por Ingazeira. Os vencidos buscaram refúgio em Aurora, recebendo a proteção do
“coronel” Cândido Ribeiro Campos, parente dos Paulino.
Formou-se um
contingente considerável de capangas, visto que a ameaça de um ataque era
iminente. Este não se concretizou graças à oportuna intervenção do “coronel”
Antônio Luís Alves Pequeno, chefe político do município do Crato, definindo
normas para amainar os ânimos exaltados.
Dentro do
acordo firmado, há a transferência dos Paulino para o extremo oeste do Estado
da Paraíba. Estacionam na cidade de Cajazeiras do Padre Rolim, em um sítio
conhecido por Lagoa do Arroz, propriedade de um sertanejo de nome João de
Brito.
Cerca de
quarenta e oito camaradas de armas, incluindo familiares, acompanharam João
Paulino neste êxodo forçado pela violência da política caririense.
Durante várias
oportunidades, forças volantes cearenses adentraram o território paraibano à
caça dos desafetos do todo poderoso “coronel” Isaías Arruda. O alvo principal
era João Paulino. Violência extrema era a característica maior dessas tropas
formadas por policiais e jagunços, ambos pouco diferenciados no modus operandi.
Novamente é
firmado um acordo de convivência salutar, embora fosse parte da trama
arquitetada pelo imperdoável Arruda.
Achando que
tudo havia se normalizado em sua região de origem, resolveu João Paulino seguir
viagem à localidade das Antas, município de Aurora, intuindo recuperar algumas
cabeças de gado de sua propriedade que haviam ficado por lá quando da retirada
forçada.
A esposa de
João Paulino, que atendia pelo nome de Tapuia, verificou quando da partida do
esposo que o patuá de rezas fortes, ostentado por cangaceiros e homens que se
envolviam em questões, havia sido esquecido, como prenúncio da tragédia que
estava preparada por Arruda.
João Paulino,
conforme nos contou a Sra. Ângela de Brito Lira, filha do proprietário do sítio
Lagoa do Arroz, fazia uso de um rosário de quinze mistérios e cento e cinquenta
Ave-Marias com um saquinho repleto de orações fortes e mandingas. Segundo se
propalava, o objetivo era “fechar” o corpo contra balas e armas brancas.
Corria o mês
de setembro de 1926. O regresso ao Ceará foi feito na companhia de um irmão, de
nome José Paulino, e um cunhado conhecido por Bidoza. A tocaia armada pelo
“coronel” Isaías Arruda fora preparada no lugar Serrota. João Paulino foi
alvejado por mortífera descarga, atingindo em cheio a veia femural. O requinte
de crueldade da traição foi completado quando seus algozes obrigaram seu
cunhado a terminar de matá-lo.
O cangaceiro Massilon Benevides
Após o
martírio de João Paulino, Isaías Arruda ainda figurou destacadamente nas
crônicas da violência regional. Exercendo influência sobre o cangaceiro
Massilon “Benevides” Leite, instigou e organizou o ataque do bando de Lampião a
Mossoró, em 13 de junho de 1927. O resultado foi o fracasso vergonhoso diante
da decisão da população mossoroense em cerrar fileiras com o prefeito Rodolfo
Fernandes na defesa da cidade ameaçada.
Quando da
retirada vexatória dos cangaceiros em direção ao cariri cearense, confiantes na
“neutralidade” do Estado onde se localizava a “Meca sagrada” dos sertanejos,
apressa-se em por em prática suas táticas de traição, tentando envenenar o “rei
dos cangaceiros”.
Em 1928,
embora desfrutando prestígio efetivo em dois municípios – Missão Velha e Aurora
– Arruda tombou morto no trem, quando transitava pelo município de Aurora
(MELLO, 1985, p. 101). Os autores, Francisco e Antônio Paulino, agiam movidos
pelo desejo de vingança.
Cangaço e
política se articulavam em uma só expressão da realidade forjada conforme os
parâmetros definidos pela inflexível moral sertaneja que marcou o tempo das
contendas entre os chefes políticos de outrora.
José Romero
Araújo Cardoso é geógrafo, professor da UERN
http://blogcarlossantos.com.br/cangaco-e-lutas-politicas-interfamiliares-no-sul-do-ceara/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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