Razões do
cerco – Júlio Porto e as três cartas – José Cardoso e Mundoca Macedo –
Ipueiras, a Eldorado das tramas
Na madrugada de 10 de maio de 1927 a cidade de
Apodi, no Rio Grande do Norte era invadida por bandoleiros comandados por
Massilon Leite. Era político o intento, e na tramoia, orquestrando-a, o mandão
provisionado de Missão Velha. Relatos dos cangaceiros Mormaço e Bronzeado evidenciam
o planejamento e o suporte dado ao grupo por Izaias Arruda de Figueiredo
(Veja-se: Correio do Povo, Mossoró, 31 de julho de 1927 e O Nordeste,
Mossoró, 13 de agosto de 1927).
De certo, não seria sem motivo a sua participação, e assim o foi, atendendo ao
pedido de Décio Holanda, reputado fazendeiro em Pereiro, Ceará, que se deu a
conspirata. Holanda era genro de Tylon Gurgel, homem destacado na região
Apodiense, agropecuarista em Pedra da Abelha, nas proximidades de Apodi. Diz-se
na literatura, em concórdia de autores, sobre o comportamento atribulado de
Décio Holanda. Era homem de hábitos e valores nada louváveis. Para Romero
(2010), um cultivador de ódio em grau exponencial, alguém que não conseguia
perdoar desafetos ou pessoas que o desagradassem. Também enfatiza e sumariza
Sérgio Dantas (2005, p. 38) sobre Décio Holanda:
“Os mandões de
Apodi sofriam com ruidosos ataques pessoais protagonizados por Décio e sempre
que possível iam à forra. Por questões de nonada ou por uso de termo ou palavra
mais contundente, o “intruso” era perseguido e sofria pesadas sanções. Em
pouco, brotou profunda inimizade entre Holanda e Francisco Ferreira Pinto,
Presidente da Intendência Municipal. Envolveram-se em avultada contenda
política. Acirraram-se em busca de prestígio, poder, domínio. Perseguições
diárias e vinditas intermináveis, invariavelmente eivadas de rancor. Décio
tornou-se vítima preferencial de ataques protagonizados pelo sistema
político-partidário vigente e em muito pouco perdeu espaço na comuna.
Aniquilou-se. Experimentou – com pesar – forçado ostracismo. Restou-lhe,
portanto, esquálido projeto de vingança. E não muito hesitou”.
Entretanto, com pormenores, historiemos por versão que salienta a crucial
participação no intento do bandido Júlio Porto (Júlio Santana de Melo), figura
asquerosa, segundo Marcos Pinto (2013), que por ter a proteção do seu mentor
Martiniano Porto, passou a ser conhecido por este nome.
Enfaticamente,
afirma Júlio Porto que o assalto a Apodi foi feito por ordem de José Cardoso,
de comum acordo com Izaias Arruda (Veja-se: O Ceará, 27 de julho de 1928,
p. 2).
Nascido em
1903, Júlio era natural da Serra do Pereiro e foi casado com Avelina Sobreira.
Depois de haver trabalhado alguns anos em Mossoró, como chofer, voltou à Serra
do Pereiro, como empregado de Décio Holanda. Após algum tempo mudou-se para a
casa de Odilon Gurgel, sogro de Décio e residente em Pedra da Abelha, Apodi, no
Rio Grande do Norte. Estava satisfeito em companhia de Odilon Gurgel, quando,
em certo dia, recebeu carta de Décio, chamando-o à sua casa.
Atendendo ao
convite, na casa de Décio, recebera de suas mãos três cartas que, mal sabendo,
em muito alterariam a vida de sertanejos do Apodi. Seriam para Massilon Leite,
José Cardoso e José Gonçalves, os dois últimos residentes em Aurora, município
cearense. A empreita seria levá-las aos seus destinos.
Desincumbindo-se
da aludida missão, Júlio Porto foi a Aurora. Chegando a Ipueiras, entregou a
carta a Zé Cardoso, e junto, trezentos e cinquenta mil réis. Júlio afirma ter
ouvido do mesmo que esperasse pela resposta. Durante a estada, três dias após
ter chegado, notou vários bornais sendo levados à casa do jagunço de Ipueiras.
Decorridos
mais dois dias, Massilon Leite, que a esta altura já se achava em Ipueiras e
com a carta que lhe havia sido endereçada em mãos, convidou-o a ir ao Angico,
morada de Mundoca Macedo, situado também em Aurora. Tratava-se de Raimundo
Antônio de Macedo, filho primogênito da famanaz Marica Macedo do Tipi, apontado
já, em passagens diversas, como protetor de Lampião, quando de suas temporadas
com a cabroeira pela zona Sul-cearense.
Acompanhando
Massilon ao Angico, Júlio Porto presenciou ali longa conversa entre aquele e
Mundoca Macedo, eram detalhes sobre a trama de Apodi . De regresso a Aurora,
Massilon parou em caminho no meio da noite e contou a Júlio que as cartas de
que fora portador continham a combinação de um assalto armado a Apodi, e que
Júlio, de acordo com as determinações de Décio Holanda, faria parte do grupo
assaltante. Quis protestar contra isso, mas ouviu de Massilon uma tremenda
ameaça, que o fez calar.
Desta maneira
organizou-se o ataque a Apodi, que se efetuou da maneira terrífica (veja-se O
Ceará, 26 de julho de 1928, p. 1-2).
Depois do
assalto, tendo regressado a Aurora, Júlio Porto retorna à casa de Mundoca
Macedo, a quem vendeu por 95$000 um rifle e 50 balas que lhe haviam dado para a
empreitada. Efetuada a venda, retirou-se para Juazeiro do Padre Cícero, onde
viria a matrimoniar-se ainda em 1927 com Adelina Sobreira. Lançando mão de
algum dinheiro que a esposa possuía, montou carpintaria nas proximidades da atual
Rua do Cruzeiro, onde trabalhou, até ir preso.
As informações
prestadas por Júlio Porto sobre o famigerado ataque a Apodi apresentam-se mais
substanciais do que as dos cangaceiros Rouxinol e Lua Branca,
fornecidas em depoimentos à polícia cearense após prisão, principalmente por se
achar aquele, no par de minudências anteriores ao episódio cruento na
localidade potiguar.
Observe-se o
que consta em O Ceará (26 de julho de 1928, p. 1), onde Rouxinol,
em entrevista na prisão de Fortaleza, explicita versão análoga à acima citada.
Com apenas 20
anos de idade, pele morena, franzino, cabelos quase pretos, olhos castanhos,
não sendo mal encarado, nascido em Lavras da Mangabeira, era filho de Joaquim
Vicente de Paula, carpinteiro naquela cidade. Viveu em sua terra natal, onde
era bem quisto, até o ano de 1926, quando resolveu abandonar o lugar em busca
de emprego. Dirigiu-se a Missão Velha por saber que ali estavam sendo feitos
serviços ferroviários, havendo, portanto, possibilidade de se empregar.
Naquela via, conseguiu colocar-se na estrada de ferro, onde esteve trabalhando
durante quatro ou cinco meses, dando, afinal, despedido, em virtude da
conclusão dos trabalhos ferroviários. Partiu dali para Aurora, para tentar a
vida, conseguindo, depois de algum tempo, uma colocação no sítio Ipueiras, de
propriedade de Izaias Arruda, emprego que lhe foi arranjado por José Cardoso.
Durante muito
tempo trabalhou como jornaleiro, no sítio Ipueiras, sob as ordens de José
Cardoso. Certa feita chamou-lhe Zé Cardoso, perguntando-lhe se queria fazer uma
viagem, adiantando-lhe se tratar de bom negócio. Aceitando o convite e sem
saber a que se prendia a viagem, notou que Zé Cardoso fizera intimação idêntica
a outros homens, sendo, enfim, marcada a data da viagem. Nas vésperas, Cardoso
reuniu o grupo e informou sobre os fins daquele curso: Havia recebido de Décio
Holanda o pedido para reunir alguns homens e atacar a cidade de Apodi, no Rio
Grande do Norte, e tratando-se de um amigo a quem não podia faltar, conseguira
os homens, a quem forneia armas e munições, e, além disso, dava a garantia de
que a polícia não os perseguiria por isso.
Continua...
Trecho de
capítulo de livro em elaboração
João Tavares Calixto Júnior
João Tavares Calixto Júnior
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