AMIGOS,
O que dizer
desta publicação de “O Globo”, edição de 16 de maio de 1927, senão que
intrigante e questionadora?
Este importante jornal, em 1926, conforme pude observar, nada disse a respeito
da famosa entrevista concedida por Virgulino Ferreira, Lampião, ao senhor
Otacílio Macedo, tudo sob o auspício do padre Cícero Romão Batista, exatamente
na ocasional da visita do cangaceiro a Juazeiro com o objetivo de receber a
prometida patente de capitão do Exército, e a incumbência de ajudar no combate
à Coluna Prestes. Para, mais de um ano depois, trazer a lume a matéria que
acabo de descobrir, alardeando tratar-se da Entrevista que Lampião concedera na
terra do padre Cícero, à inominada pessoa, e sob patrocínio deste chefe
político e reverenciado vigário.
Ora, se não consta da historiografia do cangaço que Lampião, no ano seguinte de
1927, estivera mais uma vez com Padre Cícero, o que podemos dizer deste
intempestivo artigo do diário carioca? Estaria "O Globo" querendo
dizer aos seus leitores ser esta a autêntica entrevista de Lampião dada no
Juazeiro, ou apenas se referir à famosa entrevista de Lampião, publicada no
jornal “O Ceará”, nos dias 17 e 18 de março de 1926, de cujo conhecimento eu
presumo o grande jornal do Sul saber, entrevista esta, a por nós conhecida,
dada ao sobredito Otacílio, matéria que, por sinal, só voltou a ser republicada
nas décadas de 1970 e 90, mesmo assim, com as palavras ditas por Lampião
adaptadas à linguagem convencional pelo renomado escritor Nertan Macedo,
segundo leio.
Gostaria, por fim, de dizer que, em relação à informação de “O Globo” de que
sua postagem é uma reprodução de publicação do “Jornal de Aracaju”, salvo
melhor informação, este extinto jornal sergipano teve seus dias nos idos do
século XIX, portanto não poderia ter publicado tal artigo; e que desconheço,
nos jornais sergipanos dos anos de Lampião, especialmente o “Correio de Aracaju”
(porque o único que se assemelha no nome ao citado "Jornal de
Aracaju"), alguma coisa neste sentido.
À consideração e apreciação dos amigos.
"O GLOBO" - 16/05/1927
LAMPIÃO
CONCEDEU UMA ENTREVISTA
E CONTOU COMO SE FEZ BANDOLEIRO
E CONTOU COMO SE FEZ BANDOLEIRO
Nos domínios
do padre Cícero.
O “Jornal de Aracaju” publica, em sua edição de 5 do corrente, a seguinte
entrevista, obtida do célebre bandoleiro dos sertões do Nordeste, denominado
“Lampião”.
Juazeiro:
A multidão se aglomerava. O jornalista estranho ao meio interrogava a população
adventícia.
- Qual a razão desse ajuntamento?
- É Lampião, senhor, que está na terra.
- “Lampião”?!
- Sim.
- Onde?
- Na casa do padre Cícero.
O terror lampionesco, se bem tenha afastado os jornalistas pusilânimes, não foi
bastante para desviar a curiosidade do jornalista estranho. Fomos para lá.
“Lampião saíra há dois minutos da residência do patriarca de Juazeiro.
Dirigimo-nos ao reverendo; e, depois dos cumprimentos protocolares, abordamos o
assunto.
- Então, reverendo, é certo que “Lampião” se encontra aqui?
- Sim, meu filho. Por uma razão de hospitalidade, sem procurar acoitar
bandidos, fui obrigado a franquear esta cidade à sua entrada (!).
- Seria difícil, reverendo, falar a esse homem?
- É fácil, meu filho, contanto que não lhe peça entrevistas.
- ? ?
E o reverendo, curvado, o ombro penso, mostrou-nos o sobradinho onde estava
Lampião. Para lá fomos.
Lá chegados, a imagem de um arsenal guerreiro se patenteava aos olhos curiosos.
Entramos. A escada íngreme, estreita e longa nos extenuara. Chegamos ainda sob
a impressão das tragédias passadas em que a arma dos bandidos levava de roldão
a vida, o sossego e a conservação das famílias.
Estacamos de pronto.
Um caboclo de estatura mediana, lenço grande e vermelho em forma de gravata,
com um anel fazendo o laço, dedos cheios de brilhantes, roupa caqui, cintada à
“touriste”, óculos, para nós se dirigiu, ar espantado, tímido e como que
receoso...
- Coronel “Lampião”! – dissemos, por ter distinguido pelo aparato com que os asseclas
o cercavam.
Depois de um “shake hand” sentamo-nos.
- Estivemos, agora mesmo, em casa do padre Cícero e, mostrando nós desejo de conhecer sua pessoa, disse-nos ele que poderíamos vir falar-lhe, adiantando, porém, que nós não pedíssemos uma entrevista, por ser contra o seu gênio concedê-la a jornalistas.
- Sim! Os homens dos jornais não dizem a verdade.
O doutor carcule que o meu nome, hoje, está explorado de tal forma que, se eu faço dez (textual), dizem que eu fiz cem.
- Mas, no fim de contas, nós queríamos tão somente uma palestra, de cuja discrição não abusaremos.
- Sendo assim, eu só poderei ser grato a V. Ex. (sic).
- Como começou sua vida armada?
- Ah! Foi uma tragédia. Calcule o senhor que éramos uma família pacata. Nunca fôramos incomodados pela polícia.
Um dia, por umas questões de terras, fomos obrigados, eu e meus irmãos a agir de pronto.
Houve luta, e da luta saíram três feridos e um morto. Eu fui o mais perseguido por ter “estirado” o que morreu.
Homiziei na casa de um fazendeiro conhecido. A polícia soube e foi lá buscar-me.
Eu estava na roça, e o fazendeiro, por ser amigo, negou que eu ali estivesse acoitado. Quando cheguei, após a retirada da polícia, 25 praças comandadas pelo tenente Rangel, o fazendeiro me disse que para não se reproduzirem tais cenas era conveniente que eu me retirasse. Desde então começou a minha vida errante. Ora aqui, ora ali, sempre só, fugindo dos lugarejos onde havia quarteis; levei uma temporada de um ano e tanto. Depois, encontrando outros que tinham crimes e andavam também foragidos, juntei-me a eles e fizemos o primeiro grupo composto de nove homens. Arranjamos rifles e saímos, depois de termos bebido muito, e saquearmos uma população onde não havia soldados. Ali exigimos pela força, de uma família, cujo chefe se chamava Pedroso, um conto de réis. Ele não tinha essa importância e nos deu trezentos mil réis, dois cavalos e uma vaca que adiante vendemos por noventa mil réis. Distribuímos entre nós o dinheiro, e continuamos a nossa marcha.
Nas proximidades de Afogados de Ingazeira, num rancho, em conversas, descobrimos que ali estavam dois criminosos de morte, Sabino Pinto e Joãozinho, justamente dois “cabras” de minha confiança.
- E ainda andam consigo?
- Sim, o Sabino é este que está nas costas do doutor.
Olhando para trás, vi, com a mão apoiada no espaldar da minha cadeira, um tipo alto, forte, trigueiro, bigodes grandes e espessos, fisionomia fechada, sério e carrancudo.
- Mas, coronel Lampião, porque não deixa essa vida?
- Por que não deixo?
Pois se os governos me perseguem?
O que se dá comigo já se deu com Antônio Silvino. O homem queria deixar a vida do cangaço, queria trabalhar, mas os governos não consentiram. É justamente o que se dá comigo.
- Sim, nos Estados do Norte.
Porque não vai o coronel para o Sul, disfarçadamente?
Era melhor: descansavam o povo, os governos, a sua família e a sua vida também.
- Não! Enquanto eles me perseguirem, esses tenentezinhos de polícia, eu não descanso.
Ou morro ou mato.
Era um dilema terrível. Levantamo-nos. À saída, ouvimos um rumor na escada que levava ao sótão. Era uma romaria que subia. Aguardamos sua chegada.
Vencendo os últimos degraus que levavam ao sobradinho, tirou do seio uma moldura tosca, com uma moldura tosca, com uma imagem estranha e falou:
- “Seu” coronel, eu queria que o senhor me comprasse esta santa.
Lampião pegou da moldura, olhou-a, virou-a, e disse?
- Obra milagre?
- É muito milagrosa. É Nossa Senhora das Vitórias. Quem tem esta santa, bala não entra no corpo, inimigo não o vence.
- Quanto custa, perguntou Lampião?
- O coronel dá o que quiser.
Metendo a mão no bolso das calças o bandido retirou dali um maço de cédulas e separando uma de 50$000 deu à romeira.
Ficamos estáticos, diante, não da prodigalidade, senão da quantidade de dinheiro que o bandido carregava consigo.
Tinham-no em todos os bolsos, em avultadas somas.
Despedimo-nos e regressamos à casa do patriarca de Juazeiro.
Lá chegados batemos à porta, fechada, contra a invasão dos romeiros. Veio abrir-nos a porta a beata Mocinha, depois de termos, em uma placa de níquel colada à fechadura da porta, batido com uma moeda.
- O reverendo está ocupado?
- Não, senhor, pode entrar.
Entramos.
Duas mocinhas sentadas em frente às máquinas de escrever, tratavam da correspondência do padre.
Passados instantes apareceu o reverendo.
Contamos a nossa palestra com Lampião e dirigimos a conversa para o caso em foco, qual fosse a candidatura do senhor Juvêncio Sant’Ana, juiz de direito local para deputado federal, candidatura esta imposta pelo patriarca, mas repugnada pela coligação dos partidos democrata e conservador.
O velho padre, pensativo, após nossa estranheza sobre o motivo por que não fora aceita a candidatura de seu amigo, rematou, num tom sentido e triste:
- O senhor já leu a fábula Fedro?
- Sim, Reverendo.
- Pois eu, hoje, sou como o leão de Fedro, quando me manso se tornou cordeiro até os burros lhe deram couces.
E ficou em atitude contemplativa e vaga, ombro penso, como a gozar ou a sofrer o conceito e a moralidade dessa história...”
- Estivemos, agora mesmo, em casa do padre Cícero e, mostrando nós desejo de conhecer sua pessoa, disse-nos ele que poderíamos vir falar-lhe, adiantando, porém, que nós não pedíssemos uma entrevista, por ser contra o seu gênio concedê-la a jornalistas.
- Sim! Os homens dos jornais não dizem a verdade.
O doutor carcule que o meu nome, hoje, está explorado de tal forma que, se eu faço dez (textual), dizem que eu fiz cem.
- Mas, no fim de contas, nós queríamos tão somente uma palestra, de cuja discrição não abusaremos.
- Sendo assim, eu só poderei ser grato a V. Ex. (sic).
- Como começou sua vida armada?
- Ah! Foi uma tragédia. Calcule o senhor que éramos uma família pacata. Nunca fôramos incomodados pela polícia.
Um dia, por umas questões de terras, fomos obrigados, eu e meus irmãos a agir de pronto.
Houve luta, e da luta saíram três feridos e um morto. Eu fui o mais perseguido por ter “estirado” o que morreu.
Homiziei na casa de um fazendeiro conhecido. A polícia soube e foi lá buscar-me.
Eu estava na roça, e o fazendeiro, por ser amigo, negou que eu ali estivesse acoitado. Quando cheguei, após a retirada da polícia, 25 praças comandadas pelo tenente Rangel, o fazendeiro me disse que para não se reproduzirem tais cenas era conveniente que eu me retirasse. Desde então começou a minha vida errante. Ora aqui, ora ali, sempre só, fugindo dos lugarejos onde havia quarteis; levei uma temporada de um ano e tanto. Depois, encontrando outros que tinham crimes e andavam também foragidos, juntei-me a eles e fizemos o primeiro grupo composto de nove homens. Arranjamos rifles e saímos, depois de termos bebido muito, e saquearmos uma população onde não havia soldados. Ali exigimos pela força, de uma família, cujo chefe se chamava Pedroso, um conto de réis. Ele não tinha essa importância e nos deu trezentos mil réis, dois cavalos e uma vaca que adiante vendemos por noventa mil réis. Distribuímos entre nós o dinheiro, e continuamos a nossa marcha.
Nas proximidades de Afogados de Ingazeira, num rancho, em conversas, descobrimos que ali estavam dois criminosos de morte, Sabino Pinto e Joãozinho, justamente dois “cabras” de minha confiança.
- E ainda andam consigo?
- Sim, o Sabino é este que está nas costas do doutor.
Olhando para trás, vi, com a mão apoiada no espaldar da minha cadeira, um tipo alto, forte, trigueiro, bigodes grandes e espessos, fisionomia fechada, sério e carrancudo.
- Mas, coronel Lampião, porque não deixa essa vida?
- Por que não deixo?
Pois se os governos me perseguem?
O que se dá comigo já se deu com Antônio Silvino. O homem queria deixar a vida do cangaço, queria trabalhar, mas os governos não consentiram. É justamente o que se dá comigo.
- Sim, nos Estados do Norte.
Porque não vai o coronel para o Sul, disfarçadamente?
Era melhor: descansavam o povo, os governos, a sua família e a sua vida também.
- Não! Enquanto eles me perseguirem, esses tenentezinhos de polícia, eu não descanso.
Ou morro ou mato.
Era um dilema terrível. Levantamo-nos. À saída, ouvimos um rumor na escada que levava ao sótão. Era uma romaria que subia. Aguardamos sua chegada.
Vencendo os últimos degraus que levavam ao sobradinho, tirou do seio uma moldura tosca, com uma moldura tosca, com uma imagem estranha e falou:
- “Seu” coronel, eu queria que o senhor me comprasse esta santa.
Lampião pegou da moldura, olhou-a, virou-a, e disse?
- Obra milagre?
- É muito milagrosa. É Nossa Senhora das Vitórias. Quem tem esta santa, bala não entra no corpo, inimigo não o vence.
- Quanto custa, perguntou Lampião?
- O coronel dá o que quiser.
Metendo a mão no bolso das calças o bandido retirou dali um maço de cédulas e separando uma de 50$000 deu à romeira.
Ficamos estáticos, diante, não da prodigalidade, senão da quantidade de dinheiro que o bandido carregava consigo.
Tinham-no em todos os bolsos, em avultadas somas.
Despedimo-nos e regressamos à casa do patriarca de Juazeiro.
Lá chegados batemos à porta, fechada, contra a invasão dos romeiros. Veio abrir-nos a porta a beata Mocinha, depois de termos, em uma placa de níquel colada à fechadura da porta, batido com uma moeda.
- O reverendo está ocupado?
- Não, senhor, pode entrar.
Entramos.
Duas mocinhas sentadas em frente às máquinas de escrever, tratavam da correspondência do padre.
Passados instantes apareceu o reverendo.
Contamos a nossa palestra com Lampião e dirigimos a conversa para o caso em foco, qual fosse a candidatura do senhor Juvêncio Sant’Ana, juiz de direito local para deputado federal, candidatura esta imposta pelo patriarca, mas repugnada pela coligação dos partidos democrata e conservador.
O velho padre, pensativo, após nossa estranheza sobre o motivo por que não fora aceita a candidatura de seu amigo, rematou, num tom sentido e triste:
- O senhor já leu a fábula Fedro?
- Sim, Reverendo.
- Pois eu, hoje, sou como o leão de Fedro, quando me manso se tornou cordeiro até os burros lhe deram couces.
E ficou em atitude contemplativa e vaga, ombro penso, como a gozar ou a sofrer o conceito e a moralidade dessa história...”
Fonte: facebook
página: Antônio Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Ótima matéria caro Mendes, esta do pesquisador Corrêa Sobrinho. Irei reler com mais acuidade.
ResponderExcluirParabéns mestre Corrêa Sobrinho,
Antonio Oliveira - Serrinha