Por José
Romero Araújo Cardoso
Antoine de Saint-Exupéry (Lyon, França, 29 de junho de 1900 - Costa de
Marselha, França, 31 de julho de 1944) foi um escritor, piloto e ilustrador
francês, autor de um clássico da literatura intitulado “O Pequeno
Príncipe”, escrito em 1943, cuja riqueza em simbolismos encanta gerações
espalhadas pelo mundo a fora, graças às inúmeras traduções que o livro já teve.
Além da obra-prima citada, Saint-Exupéry escreveu também L'Aviateur (O
aviador – 1926), Courrier sud (Correio do Sul – 1929), Vol
de nuit (Voo Noturno – 1931), Terre des hommes (Terra dos Homens –
1939), Pilote de guerre (Piloto de
Guerra – 1942), Lettre à un otage (Carta a um refém -
1943/1944) e Citadelle (Cidadela — póstuma, 1948).
Em dois momentos “O Pequeno Príncipe” destaca a importância da geografia e o
papel atribuído ao geógrafo, ambos profundamente marcados pelas concepções de
época, intrinsecamente influenciados pelas bases norteadoras contidas nas
teorias e nos métodos geografia tradicional, tanto deterministas ambientais
como possibilistas.
No primeiro momento, frisando a importância da geografia, Saint-Exupéry assim
se expressou: “E a geografia, verdade, me serviu bastante. Eu consegui
distinguir, com uma só olhada, a China do Arizona. É bem útil quando se está
perdido no meio da noite” (2015, p. 10).
Realmente, para quem começou a carreira como piloto de linha, voando
entre Toulouse, Casablanca e Dacar nada
mais oportuno do que fazer uso dos conhecimentos geográficos a fim de fomentar
localização, principalmente em se tratando de uma rota extremamente perigosa na
época, tanto pelos obstáculos naturais como humanos.
Embora somente a partir de 1946 a produção do conhecimento geográfico
demonstrasse que certas mudanças de paradigmas já estavam em curso, a exemplo
das publicações de Geografia da Fome e Geopolítica da Fome (1951), ambas de
autoria do médico, geógrafo e sociólogo brasileiro Josué de Castro e de Os Dois
Brasis, em 1957, de autoria do sociólogo francês Jacques Lambert, a ideia
vigente quando da publicação de “O Pequeno Príncipe” era que o conhecimento
geográfico deveria servir tão somente para distinguir espaços e não para
desvendar contrastes que esses resguardam em seu contínuo processo de
organização.
A partir de 1970, sopraram da França ventos revolucionários que puseram à prova
toda utilidade da geografia, a quem estava servindo e quais interesses eram
escamoteados através da divulgação do caráter asséptico e desinteressado que
estavam embasados na pretensa objetividade e neutralidade contidas no ensino de
geografia, bem como na produção do conhecimento geográfico.
O lançamento da revista Hérodote e a publicação de A Geografia, isso
serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra ativaram o alarme referente
à forma como a geografia vinha sendo usada para garantir a reprodução do
sistema e manutenção do status quo.
O papel atribuído ao geógrafo em “O Pequeno Príncipe” revela-se não menos
complexo, pois quando da visita do simpático monarca-mirim ao sexto planeta
fictício, antes de chegar à Terra, encontra-o habitado por “um velho senhor que
escrevia livros enormes” (Id., p. 53).
Indagando-lhe sobre quem era, o habitante do sexto planeta diz-lhe ser um
geógrafo e, ao ser interpelado sobre do que se trata ser um geógrafo, o velho
senhor responde-lhe que é “um sábio que sabe onde ficam os mares, os rios, as
cidades, as montanhas e os desertos (Id.; ibid.). O sentido enciclopédico que
norteou as bases da formação da geografia moderna aparece claramente na
resposta do geógrafo.
Enumerações enfadonhas e ênfase em decorar capitais, localização de países,
acidentes naturais, etc. constituiu-se em tormenta para os estudantes da
educação básica em todas as partes do globo, não raro ter sido implementado com
vigor no ensino superior de muitos países, a exemplo da Alemanha.
Bismark costumava dizer que a guerra franco-prussiana foi ganha devido a forma
como o ensino de geografia foi fomentado naquele país unificado tardiamente,
somente na década de setenta do século XIX. Eram os caracteres indeléveis do
positivismo Comtiano impressos no ensino e na produção do conhecimento
geográfico que ainda ressoam em diversos momentos, principalmente no ensejo do
processo ensino-aprendizagem onde não há ainda sérios compromissos com a
formação cidadã.
Árido trabalho, puramente atrelado aos gabinetes, enquanto injustificável papel
atribuídos aos geógrafos, tem destaque quando o velho sábio revela ao Pequeno
Príncipe que “(...) preciso de exploradores aqui. Não é o geógrafo que vai
contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos, os desertos. O
geógrafo é importante demais para sair por aí” (Id.; p. 54).
No século XIX marcado pelo extraordinário avanço da intercalação da técnica com
a ciência, surgiram inúmeras sociedades voltadas para a exploração de terras
distantes, cujas riquezas atiçavam a imaginação ocidental daqueles que detinham
poder e meios de produção, cuja avidez em conseguir em curto espaço de tempo
recursos naturais para fazer movimentar poderosas máquinas significava triunfo
em luta sem trégua a fim de conquistar hegemonia na complexa engrenagem
capitalista.
As explorações realizadas por Humboldt, Livingstone ou Cecil Rhodes diferiram
radicalmente das que forma realizadas por geógrafos como Manuel Correia de
Andrade, Ab’ Saber ou Milton Santos, cujos estudos geomorfológicos revelaram
capacidade ímpar em dispor conhecimentos geográficos para o bem da sociedade
como um todo.
Situação digna
de raciocínio encontramos ainda quando o velho sábio comenta com o Pequeno
Príncipe que “as geografias, disse o geógrafo, são os livros mais preciosos de
todos os livros. Eles nunca deixam de ser atuais. É muito raro que uma montanha
mude de lugar. É muito raro que um oceano se esvazie de suas águas. Nós
escrevemos as coisas eternas” (Id.; p. 55).
Conceitos-chave da geografia foram vendidos pelos geógrafos tradicionais como
sendo edifícios estáveis, encontrando-se de forma incisiva, entre esses que
perfazem a linguagem geográfica, paisagem e região.
Relatos produzidos pelos exploradores de outrora serviram de bússola para que a
solução para o problema referente à disponibilidade de matérias-primas chegasse
ao fim e assim as poderosas indústrias pudessem produzir em larga escala.
Intervenção no
meio-ambiente natural significa mudanças em ecossistemas, em meios bióticos e
bióticos, modificando-se, de acordo com o grau da antropização, de forma
radical ou menos radical toda ecologia da paisagem.
Quem assistir As Neves do Kilimanjaro, filme rodado boa parte no continente africano
em 1952, deslumbra-se com a beleza das paisagens das alterosas da África
Oriental. Hoje, devido mudanças climáticas brutais, graças ao avanço da ação
humana no planeta, observa que o capeamento de neves eternas não mais
correspondem à situação quando verificada quando das filmagens.
Da mesma forma, quem observar a atual situação do semiárido brasileiro, entre
inúmeros outros espaços ameaçados com a intervenção exagerada do gênero humano,
no que diz respeito ao avanço do processo de desertificação, constatará que a
estabilidade pregada pela geografia tradicional inexiste.
Com relação ao processo de desertificação no semiárido brasileiro, pode-se,
entre outros trabalhos acadêmicos, consultar CARDOSO & LOPES, disponível emhttp://www.caldeiraodochico.com.br/o-processo-de-desertificacao-no-semiarido-uma-breve-analise/.
Mares também podem desaparecer se a ação do homem se revelar bastante intensa.
Exemplo disso observa-se com o Mar de Aral, impactado formidavelmente para
ceder espaço para a cotonicultura enquanto fomento às exigências da vida em
sociedade.
Nos dias atuais, a discussão acerca da importância da geografia e sobre o papel
atribuído ao geógrafo extrapola os limites do simplismo e da ausência de
reflexões, pois é inegável que a evolução do pensamento geográfico desde a
publicação de “O Pequeno Príncipe” tem destacado novas performances que
enriquecem cotidianamente a atuação da ciência e do profissional que devem
lutar pela construção de um mundo melhor, mais justo, humano e equilibrado em
âmbitos sócioeconômicos e ambientais.
Bibliografia
Consultada:
Antoine de
Saint-Exupéry. Disponível em .< https://pt.wikipedia.org/wiki/Antoine_de_Saint-Exup%C3%A9ry>.
Acesso em 06/06/2016
Antoine de
Saint-Exupéry. Escritor e piloto francês. Disponível em .< http://www.e-biografias.net/antoine_de_saint_exupery/>.
Acesso em 06/06/2016.
CARDOSO, José
Romero Araújo; LOPES, Marcela Ferreira. O Processo de Desertificação no
Semiárido: uma breve análise. Disponível em .<http://www.caldeiraodochico.com.br/o-processo-de-desertificacao-no-semiarido-uma-breve-analise/>.
Acesso em 06/06/2016.
CASTRO, Josué
de Castro. Geografia da Fome: O dilema brasileiro – Pão x aço. Rio de
Janeiro/RJ: Editora O Cruzeiro, 1946.
___________________. Geopolítica
da Fome. Rio de Janeiro/RJ: Casa do Estudante do Brasil, 1951.
LACOSTE,
Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 2.
ed. Campinas: Papirus, 1989
LAMBERT,
Jacques. Os Dois Brasis. São Paulo/SP: Companhia Editora Nacional, 1969.
SAINT-EXUPÉRY,
Antoine de. O Pequeno Príncipe. Petrópolis/RJ: Vozes, 2015.
José Romero
Araújo Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto IV do Departamento de
Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial e
em Organização de Arquivos. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Sócio da
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do
Oeste Potiguar (ICOP)
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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