*Rangel Alves
da Costa
O mês de junho
chegou e com ele o cheiro bom saído das panelas, dos tachos, dos fornos, das
palhas esverdeadas, e a maioria perfumada de milho, de coco, de cravo e canela,
de tempero junino. Para muitos, é o período mais esperado e apreciado do ano, é
o tempo apropriado para esquecer um pouco a dieta e sair experimentando de tudo
um pouco. E também fazer promessa para arranjar namorado.
Dizem que o
quentão faz encontrar a palavra, a fogueira espalha pelo corpo um calor
diferente, ao redor das chamas os olhos vão se cruzando, e até aí São João já
fez sua parte, pois o resto fica por conta de Santo Antônio. E são tantas as
promessas que de vez em quando o pobre santo se vê de cabeça pra baixo,
enterrado, escondido e até perfumado no corpo inteiro. Promessas juninas,
mistérios antigos e por muitos ainda revividos.
Certamente que
não é mais aquela festança tomando conta das portas, das calçadas, das ruas.
Não há mais uma profusão de fogueiras acesas, de mesas enfeitadas, de folguedos
e animações. Até mesmo os arraiais rarearam, e igualmente as autênticas
quadrilhas matutas, ostentadas no compasso da dança e não na fantasia
carnavalesca. Olha-se para cima e já não se avista bandeirolas coloridas
dançando à ventania. Balões enfeitados, corações despertados pelos sabores,
tudo isso parece coisa de outros tempos.
Mas o cheiro
bom do mês junino ainda permanece, mesmo que não esteja fácil dispor do milho,
do coco e demais preparativos para os pratos mais diversos. O milho faltou no
sertão, tudo que chega vem de lotes e a preços absurdos. Mas é tradição, e como
tal ainda é preservada por muitos. Mesmo sem o autêntico forró pé-de-serra e
sem a quadrilha matuta, a verdade é que a festa de São João não pode faltar.
Muito menos seus cheiros e sabores apaixonantes.
Mesmo sem a feição
de outros tempos, creio que também neste São João não faltarão as fogueiras
soltando suas labaredas, os braseiros servindo de assadeiras para carnes,
milhos, queijos e até para os batismos simbólicos da época. E ao redor, tomando
todos os espaços da rua, as mesas com as iguarias típicas e apetitosas. Uma
fartura de gostos, sabores, pedaços e porções que se acumulam nos pratos e
vasilhames e que vão fazendo a festa da gulodice.
Por isso mesmo
que já sinto a presença daquelas comidas, bebidas e um monte de iguarias que
logo mais estarão diante de todos. Não vai demorar muito e as cozinhas estarão
preparando as canjicas, os bolos, os milhos cozidos, os licores, o arroz doce,
o mungunzá, a pipoca, o quentão. As carnes serão cortadas como para churrasco,
linguiças amontoadas, as espigas de milho preparadas para o crepitante
braseiro. Talvez eu esteja querendo demais, mas é pela vontade mesmo.
Os fogos
também não pipocam mais como antigamente. De vez quando apenas uma bombinha ou
outra. Mas enquanto a verdadeira festança não chega, enquanto não vejo a
meninada toda animada soltando suas chuvinhas e traques, fico imaginando as
fogueiras acesas, os sons da sanfona e todas aquelas delícias perfumando os
espaços. Já vejo o arroz doce sendo despejado no copo ou no prato, a canjica
cheirosa recebendo a canela, o mungunzá sendo enfeitado com cravo da índia.
E tudo faz
recordar meu sertão. Não o de agora, mas aquele sertão de vizinhos e compadres
reunidos ao redor da fogueira, no proseado e na comilança, na animação e no
compasso do forró. Quando não há um bom sanfoneiro, pois raridade também por
lá, então o auxílio vem com Luiz Gonzaga e sua cantoria junina: Olhe pro céu
meu amor, vê como ele está lindo. Olhe praquele balão multicor como no céu vai
sumindo. Foi numa noite igual a esta...
E também chega
uma recordação boa das coisas simples e belas das noites juninas sertanejas.
Sem igual é o São João na roça, nas distâncias do mundo, onde somente a
fogueira e o luar iluminam vidas e esperanças. A palha do milho retirado ali
mesmo, de espiga nova e bonita, para depois ser estendida pelos lados da
fogueira ou já no braseiro. Da cozinha chega um cheiro bom de canjica, de vez
em quando aparece um copo com uma aguardente misturada com casca de pau.
Enquanto o
fogo crepita e o menino brinca correndo atrás de estrelas, a família e os
amigos alimentam nas chamas os prazeres da vida. Coloca-se mais lenha,
alimenta-se a fogueira porque a noite é longa e o santo junino não gosta de ver
ninguém triste na sua noite. Não há o licor, o quentão, o prato refinado, mas o
que há se torna suficiente para que a tradição da data não seja esquecida: o
milho assado, o milho cozido, a canjica, o arroz doce. Ou somente a vontade de
ter.
Muitas vezes
somente a fogueira faz companhia, e apenas o cheiro da lenha esturricando e da
fumaça tomando os ares. Mas ainda assim o cheiro junino. E no olhar e no coração
o pedido ao santo que tão cedo não lhe permita apagar como aquela chama.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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