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terça-feira, 4 de setembro de 2018

LAMPIÃO EM RIBEIRÓPOLIS (SE): VISITA AO ARMAZÉM E PADARIA DO SEU MAMEDE PAES MENDONÇA.


Joel Reis
Mamede Paes Mendonça.

Em certa madrugada, fomos visitados pelo Coronel Virgulino Ferreira, o “Lampião”! Seus homens estavam famintos e pararam para comer na nossa padaria, pois viram que estávamos funcionando lá dentro, com as luzes acesas. Comeram quase todo o estoque, mas na hora de pagar, a prudência mandava não aceitarmos!

Lampião ainda insistiu, mas resolvemos não receber. Muito agradecido, foi nosso amigo até à morte, mas nunca soube que havia nos causado o maior problema de capital de giro de toda a história da firma. Ainda assim a padaria cresceu e compramos um armazém. A firma se chamava “Armazém e Padaria Sergipana”. (Mamede Paes Mendonça)

O EPISÓDIO

Numa daquelas madrugadas, Ribeirópolis adormecida, os rapazes percebem um tropel inusitado. Muitos cavaleiros vêm entrando na cidade e acabam parando na porta da padaria. Mamede estranhou aquela multidão de fregueses chegando antes da hora normal.

Bateram forte na porta. Era um jagunço enorme! Cara feia, faltando dentes e sobrando cicatrizes. Pente de balas por todo lado, poeira por todo o corpo. E falou grosso:

- Vosmicê é o dono da padaria?

Mamede balançou a cabeça, dizendo que sim.

- O Capitão Virgulino Ferreira taí fora querendo falar com vosmicê.

Mamede saiu sentindo frio e um pouco assustado. Aliás, devia estar, provavelmente, apavorado. O que será que Lampião ia querer com ele?

 Alguma informação sobre a cidade, ou sobre a polícia?

- Qual é a sua graça? perguntou Lampião, com certa gentileza.

- Mamede Paes Mendonça, sim senhor.

- Muito prazer. Sou o Capitão Virgulino Ferreira. Meus homens tão sem comer desde ontem e tou vendo que o moço tem aí uma padaria. O que se tem prá comer aí?

Mamede logo respondeu:

- Capitão, o pão já está saindo, mas tem umas bolachinhas aí para se comer enquanto espera.

- Isso demora muito?

- Não senhor. O senhor vai ver que é num instante!

Mal a jagunçada acabou de devorar o estoque de bolachas e Mamede já estava distribuindo o pão quente com manteiga. O clima já descontraído, Mamede fazendo piadinhas e brincadeiras, sob o olhar e sorriso condescendente do Capitão e com a alegre aprovação de todos os cangaceiros.

Barriga forrada, pessoal já montado, o Capitão perguntou:

- Quanto devo a vosmicê?

- A mim o Capitão não deve nada - disse Mamede – eu não vou cobrar de quem defende os fracos.

O Capitão sorriu lisonjeado e respondeu:

- Muito obrigado então, homem. Deus lhe proteja. Até mais ver!

Mamede, de pé, continuou acenando até o bando sumir na estrada. Depois caiu sentado e lá ficou, por muito tempo, pensando em como iria repor seu capital de giro. Mas é certo que Lampião não se esqueceu dele, e consta que sempre lhe teve em muito boa conta.

Mas a história não acaba aí. Dizem que por volta de um mês depois, em outra madrugada, Ribeirópolis ouviu outro tropel. De novo os cavaleiros se detiveram à porta da padaria iluminada.

Mamede pensou: é ele de volta; virou freguês.

Não era Lampião. Agora assomava à porta o Tenente Arlindo Leite, comandante de uma volante faminta, na pista do Capitão Virgulino. Repetiu-se todo o ritual, Tim-Tim por Tim-Tim. Na hora da conta, Mamede outra vez:

- A mim o Tenente não deve nada, que eu não vou cobrar de quem está arriscando a vida pela Pátria.

- No dia seguinte, Mamede se virava para comprar matéria prima no fiado. Seu irmão e sócio Euclides então lhe diz:

- Mamede, se essa briga de jagunços demorar de acabar, nós vamos é quebrar.

Ao que ele responde, entre conformado e otimista:

- Mas não se esqueça de que estamos fazendo amizades importantes!

DANTAS, Raymundo Paiva. A história em depoimentos: Mamede Paes Mendonça. Salvador: Press Color, 2015. p. 129-131.

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