Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
NÃO HAVIA
NINGUÉM COM VIDA
O capitão
Bezerra fala à NOITE, ao chegar hoje ao Rio.
Chegou hoje
pela manhã, a esta capital, o capitão João Bezerra, comandante da força que
extinguiu o bando de Virgulino Ferreira – o famoso “Lampião”.
O capitão Bezerra é tipo autêntico do sertanejo.
Caboclo forte, bronzeado, em pleno vigor dos seus 36 anos.
- Sim senhor, tenho 36 anos de idade, 19 dos quais, de farda, pois ingressei na Força Pública com 17 anos. Foi preciso até aumentar a idade...
- Quantos anos dedicados ao combate dos cangaceiros?
- É uma pergunta difícil de responder. Na minha terra todo soldado que se preza leva a sua vida pensando em dar cabo daquela mancha que enodoa o seu nome.
- Perseguição sistemática ao bando de Lampião, eu vinha fazendo há 4 anos. Encontramos-nos duas vezes. Da primeira ele quase deu cabo de mim. Éramos nove homens na volante, contra 18 cangaceiros... de Lampião. Isso do primeiro encontro. Do segundo, o senhor já sabe – a sorte foi ingrata para ele. Eu vim ao Rio para um passeio e trabalhar em um livro, onde pretendo contar para os brasileiros o que seja o problema do cangaço no Nordeste. Então eu direi quem é e por que existe o coiteiro – principal auxiliar do cangaço. Narrarei a história tremenda que foi a perseguição ao bando de Lampião. Há muita gente que acredita na primeira lenda que se lhe conta, sem examinar os fundamentos da questão. Cito, como exemplo, o fato de Lampião escapar sempre com vida dos combates que oferecia às forças policiais. Dizia-se que o soldado sempre era vencido porque tinha medo de Lampião, ou então, porque Lampião tinha o “corpo fechado”.
Eu explico a questão nestes termos: “Lampião sempre escapou porque os soldados que o atacavam iam tão cheios de vontade de dar cabo do homem e sentiam tal emoção durante o embate, que, em regra, perdiam os tiros.
Qualquer de nós está sujeito a estas situações.
- Correm as mais diversas versões a respeito do degolamento de “Lampião” e do seu bando.
- Bem lembrado. Faço questão de frisar este detalhe. Em primeiro lugar, não encontramos ninguém com vida quando entramos na toca. Depois, havia a necessidade de mostrar as cabeças às autoridades e ao povo, a fim de evitar possíveis dúvidas sobre a morte do rei do cangaço. Ninguém acreditava que o homem pudesse morrer... Isto é um ponto de honra para mim e para os meus soldados. Não somos tão desumanos... Não transportamos os corpos, porque não era possível, dada a grande distância de que nos encontrávamos de qualquer povoado.
O capitão Bezerra falava fluentemente, com entusiasmo mesmo.
Chegavam, porém, os seus amigos para levar-lhe as boas-vindas e fomos obrigados a encerrar a palestra para darmos lugar aos abraços.
A NOITE (RJ) -
04/10/1938
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/
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