Por: Alcino Alves Costa
Meu Mestre e Senhor Jesus Cristo
Jesus no Monte das Oliveiras - http://www.derradeirasgracas.com/
Perdoe a minha ousadia por tentar chegar até vós esta carta. Uma razão imperiosa e desesperadora me leva a este quase delírio. É o sofrimento atroz e sem limite do homem do Sertão do São Francisco, desde o fazendeiro até aquele menos favorecido da sorte. Ambos, fazendeiro e lavrador, padecem em virtude da canícula abrasadora que castiga o caatingueiro e seu esquálido rebanho bovino que agoniza sem água e sem comida.
Meu Mestre e Senhor Jesus, os vossos filhos caipiras estão pagando um preço altíssimo em virtude da falta de chuva e com ela a tenebrosa seca que mais uma vez assola e dizima os rebanhos e a quase que inexistente economia sertaneja.
O gado está morrendo a míngua, de fome e sede. Muitos criadores estão entrando em desespero total. A terra está torrada. O capim e outras leguminosas desde muito deixaram de existir. A palma forrageira quase que sumiu dos roçados. Outros refrigérios são adquiridos por um preço exorbitante. Portanto, meu Mestre Supremo, me perdoe por enviar-lhe esta desesperada cartinha que é um pedido de socorro e misericórdia em favor do povo sofrido do meu sertão.
Há muitos anos o Sertão do São Francisco sofre com os horrores da seca e da insensibilidade do homem. A seca que torra o chão e estiola a mataria; o homem que destrói, derruba e queima as matas e caatingas; mata os pássaros e os animais silvestres; polui os rios e riachos, deixando a nossa mãe-natureza jogada ao léu, completamente abandonada, e quase sempre, quando sofre esses abusos, se vinga.
Meu Mestre e Senhor, desde muitos anos que o camponês sofre os horrores das intermináveis secas que tanto nos flagela. Os campos sertanejos estão nos estertores da morte. A sua caatinga está praticamente extinta. O amanho da terra, a semente e o plantio são coisas do passado. No sertão deixou de existir qualquer tipo de lavoura. As fazendas estão sem alegria e sem vida. O gado magro, fraco, cambaleante, faminto e sedento muge desconsolado pelos caminhos e veredas dos roçados. Os currais estão vazios e solitários, sem aquela alegria da bezerrada cabriolando em sua malhada e o vaqueiro aboiando na porteira do curral no momento da ordenha. A fartura caatingueira dos tempos de outrora foi substituída por uma horripilante e negra miséria. A miséria de vermos nos dias de hoje todo o nosso rincão sertanejo murcho, com um aspecto triste, de extremado sofrimento e profunda desolação.
A população cabocla está angustiada e aflita. Muitos, iludidos por novos sonhos e perspectivas deixaram suas terras e se destinaram estrada afora procurando amparo nas cidades vizinhas. Os que ficaram padecem os rigores desse sol abrasador e a vingança da natureza em represália a mão assassina do homem é constante.
Jesus Cristo! Esparramai as vossas bênçãos por sobre o povo sertanejo. Que a vossa misericórdia chegue através da chuva; essa bendita chuva que é o sangue de nossa terra. Com ela vamos ter a ventura de ficarmos felizes e inebriados com os rios e riachos, as lagoas e os charcos, os açudes e os tanques, as barragens e os barreiros; cheios, abarrotados de água, esse bendito e precioso liquido que fará brotar, lá das profundezas de nossa fecunda mãe-terra, o verde que representa a bonança e a fartura do homem do campo; o verde que irá matar a fome de nossos esquálidos rebanhos; o verde que transforma um cenário de tristeza e dor em um lugar de exuberante beleza.
Meu Mestre e Senhor Jesus, é este o motivo que lhe escrevo. Sei perfeitamente, devido aos meus incontáveis pecados, que não sou merecedor de nenhum crédito de vossa infinita bondade. Porém, não consigo visualizar nenhuma possibilidade no sentido do campônio se livrar do abismo que ele está desabando sem a vossa ajuda, sem a vossa misericórdia.
Nos daí, Mestre Jesus, chuva que encha de vida a terra. Faças com que o lavrador volte a plantar a sua roça e assim colher o fruto de sua própria lavoura e com ele alimentar os filhos. Jesus! Tenhas piedade dos rebanhos bovinos morrendo de fome. Na beira das estradas e nas malhadas das fazendas os esqueletos dos animais formam um quadro dantesco que enluta e entristece até os corações mais enegrecidos. Aquele antes imenso rebanho bovino definha e diminui assustadoramente em nossa região.
O que será do homem nascido e criado na caatinga, acostumado e adestrado nos eitos dos roçados; na lida do gibão e da perneira; na labuta campeira; e de uma hora para outra, dominado pela intempérie do tempo. Ainda a indiferença e impiedade das autoridades, se vê obrigado a deixar o campo e passar a residir nas cidades vizinhas, criando dessa maneira, o ambiente propício para que seus filhos se afundem no abismo da prostituição e do vício da droga.
Em nome desse povo tão sofrido eu vos peço chuva. Só assim, através de vossa intercessão, uma calamidade dessa dimensão não atingirá o vosso povo, o povo sertanejo.
Desculpe-me meu Mestre e Senhor pela ousadia desta carta. Perdoe-me, mas insisto, mandai-nos chuva e que ela chegue com brevidade.
Termino essa missiva lhe pedindo perdão pelos meus pecados e que vós protejas o flagelado do sertão.
FLAGELADO
Autor: Alcino Alves Costa
Interpretes: Babá e Júlio
Ai meu Deus que amargura
Eu tenho no coração
Por ver tanto sofrimento
Dos filhos do sertão
Ai meu Deus que triste sina
Do homem do sertão
Tão humilde, tão bondoso,
Sofrer tanta judiação.
Vai, vai, vai flagelado
Vai ganhar seu pão...
São chamados flagelados
Só porque estão sem pão
Vive triste o sertanejo
Com tamanha humilhação
Andam em bandos reunidos
Todos tristes e amolados
Com um saquinho nas costas
Já sem fé, desenganados.
Vai, vai, vai flagelado...
Sofre, sofre flagelado
Sofre homem de verdade
Mostre ao mundo seu valor
Seu trabalho e humildade
Peço a todos brasileiros
Que proteja o flagelado
Dê comida aos seus filhos
Que já estão desamparados
Vai, vai, vai flagelado...
Não queremos passar fome
Nós queremos trabalhar
Luta, luta, governante
Pra o flagelo acabar
Termino fazendo preces
A Virgem da Conceição
Que proteja o flagelado
Dando chuva no sertão.
Vai, vai, vai flagelado...
Música gravada pela dupla Babá e Júlio
Publicado nos dias 29 e 30 de março de 2009, no JORNAL DA CIDADE, Aracaju – Sergipe.
Saudações,
Alcino Alves Costa
Enviado pelo escritor e pesquisador do cangaço:
Alcino Alves Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário