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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

BEATA

Por Rangel Alves da Costa*

Ao lado das sogras e dos políticos, indubitavelmente que as beatas são as pessoas que mais passeiam na boca do povo. E dificilmente em comentários acerca de suas virtudes, seus dotes religiosos, sua quase absoluta entrega ao mundo dos templos e dos ofícios contemplativos. Quase nenhum reconhecimento lhes é concedido, pois acostumaram a vê-las como possuidoras de qualidades menos dignificantes.

Com efeito, ser beata passou a significar algo muito além de pessoa muito devotada à religiosidade. Acentuando a pecaminosidade pela inversão de valores, imputa-lhe a pecha de fofoqueira, de língua peçonhenta, de pessoa que faz da igreja o lugar ideal para transcorrer sobre o alheio, tecer sobre o histórico de vida de quem está presente e até ausente.

Por isso mesmo dizem que o interesse da beata pela igreja não é outro senão desnudar a vida dos fiéis e daqueles trazidos da rua na ponta da língua. Sempre presente na primeira fila ou em lugar de destaque, mas nunca prestando atenção às celebrações, vez que a maior parte do tempo fica revirando a cabeça de lado a outro, olhando quem chega, qual roupa veste, em qual companhia está, se está mais ou menos gorducha.

Enquanto o sacerdote celebra a missa, ela se preocupa em analisar cada fiel de cima a baixo. E logicamente segredando as considerações com a outra beata que faz o mesmo logo ao lado. Com o rosário na mão e a boca rente ao ouvida da amiga, só Deus sabe o que comungam. De vez em quando fazem o sinal da cruz. Sinal que encontraram algum pecado mortal ao redor. E lançam novamente os olhares com a maior sonsice do mundo.


Foram as beatas desse tipo que macularam os ofícios dessas mulheres de histórica abnegação à religiosidade e ao catolicismo. Logicamente nem sempre tiveram as características negativas que muitas alcançaram nos tempos modernos. Noutros tempos, como pessoas que praticamente viviam nos templos, muitas vezes eram reconhecidas como possuidoras até de poderes sacerdotais, aconselhando fiéis, ouvindo-os em confissão, ministrando-lhes os óleos e a hóstias.

O conceito histórico diz que beata é a mulher santificada pela igreja. Modernamente, contudo, o termo passou a corresponder mais à extremada devoção religiosa. Dizem os dicionários atuais que beata é a mulher demasiadamente voltada para as práticas religiosas, que é assídua aos cultos religiosos. É a solteirona ou encalhada extremamente presente nas atividades paroquiais.

De forma comum, e perante a concepção generalizada, a beata é aquela senhora que cuida da igreja, faz a limpeza e auxilia nas ornamentações e nos ofícios, além de ser a responsável por bingos, quermesses e rifas para a manutenção do templo. Quando não abre a igreja, é a primeira a chegar aos ofícios e a última a sair. É comumente encontrada em rezas e ladainhas mesmo quando não há celebração.

Contudo, não é difícil ouvir que beata é aquela mulher amorosamente desiludida, que parece não ter casa, família nem o que fazer, pois sempre vista na igreja, não perde uma só missa, é mexeriqueira e confidente do padre, e tudo faz para demonstrar uma santidade que não possui. Não há uma boa novela ou romance de costumes onde não haja uma beata de língua ferina e pecaminosa. Ou mesmo um grupo dessas carolas afogueadas.

Noutros tempos eram reconhecidas pelos roupões, muitas vezes enegrecidos, que vestiam para os ofícios. De véu encobrindo o rosto, eram avistadas cabisbaixas, carregando livros religiosos, terços e rosários, com gestos quase que penitenciais. Com o passar dos anos, os paramentos deram lugar a roupas comuns, porém sempre muito recatadas, e as estadias nas igrejas se prolongaram ainda mais.

Lenda popular ou não, mas a verdade é que o beatismo, talvez pela má fama que foi alçando ao longo do tempo, acabou gerando boatos de arrepiar. É de longa data uma história dizendo da beata vistosa, de feição misteriosa e véu escurecido descendo do cabelo aos seios, que era sempre a última a deixar a igreja. E somente depois de seus encontros amorosos com o jovem sacerdote na sacristia. E hoje dizem muito pior.

Mas haveremos de nos contentar em ver o lado religioso e devocional do beatismo. Se outras inclinações existem, como as exemplares aptidões para a fofoca, as mesmas fazem parte das fraquezas humanas. Assim como a carne que afogueia e se corrompe debaixo do roupão e do véu.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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