Ziraldo - A batalha da Serra Grande, por exemplo, que tinha 600 contra 90, como foi?
– Não, ali, num tinha 90, não. Nós tinha 39 homens.
Jaguar - E do outro lado?
- 600 e lá vai fumaça.
Ziraldo - Então, conta o episódio desde o começo.
- De manhã, nós saímos do Serrote Pelado, cedinho. Aí descemos e tal, e ele disse: "Olha, vamos descer, vamos pra aquela fazenda e na fazenda nós vamos tomar um leite de manhã e vamos subir pra serra, vamos descansar na serra". Na serra tem um caldeirão de água, por baixo não tem nada, uma seca danada mesmo. Aí nós fomos. Quando nós chegamos em baixo, na fazenda, tomamos leite, botamos queijo dentro do embornais e toda essa coisa. E se municiamos, né? Aí, saímos justamente pra serra. A serra tem uma entrada que entra e tem outra que sai.
Ziraldo - Era tudo a pé, ou a cavalo?
- A pé.
Ziraldo - O bando não andava a cavalo, não, né?
- Andava, andava a cavalo, andava de carro, andava de tudo. Mas tinha estrada que não podia andar.
Millôr - De carro o que é que você chama, carro de bois ou automóvel?
- Não, é automóvel. Aí, quando chegamos embaixo eles apontaram. Aí ele disse: "Olha, já vem eles lá". Aí eles vinham de lá pra cá, e nós seguimos justamente pra serra.
Jaguar– Eles vinham a pé também?
– A pé também. Aí, quando nós subimos na Serra a serra ê um beco apertado pra subir, e descer é do outro lado. Ele subiu, mandou um outro bocado pra outra bocona, essa era enorme. Aí, lá em cima, ele disse: "Bom, agora vai dez homens pra lá e fica o resto tudo aqui, e um bocado, vai lá em cima na serra, mata um boi e vai cuidando de comida, que nós vamos esperar eles subirem". Nós à vontade, só esperando eles botarem a cara pra subir. Quando eles subiram, ele disse: .'Deixa eles chegarem bem pertinho, num começa a atirar, não. Deixa eles vim mesmo, deixa eles encostarem mesmo na medida, que aí, não tem saída pra eles mesmo." Aí, quando eles subiram, que vinha aquela linha toda, ele disse: "Agora!" Aí, botamos: pou, pou, pou. Eles também: pou, pou, pou! Ora, mas pra quem tava atirando lá do meio dos infernos, parece que a bala lá até pro céu, só pra zuada mesmo, mais nada.
Ziraldo - Vocês tavam em cima e eles embaixo...
- Nós tamos em cima, só tome. Ai, era nego caindo só. Quando foi mais ou menos uma três horas da tarde, eles já tavam se entregando. Umas três horas mais ou menos de fogo cerrado mesmo. Eles começaram a se entregar um por um. Ele só fazia perguntar: "Tá com fome? Tá com sede? Então vai lá, come e bebe água". Ai, ele chegava iá: "Como é, já comeram, já beberam água"? E eles falava,: "Ah, sô capitão, vou com o senhor"! Ele dizia: "Não, eu num quero que vocês vão comigo, não. Eu quero que vocês, vão pra outro canto". E aí, matava mesmo. Tudo que chegasse era pegar e matar.
Ziraldo - Dava comida, dava bebida e matava!
- Dava comida e dava água. Dizia ele que era pra num morrer com sede.
Jaguar - Num teve caso de um macaco passar pro bando; não? Nunca?
- Não.
Jaguar - Nesse dia vocês fuzilaram quantos? Quantas baixas?
- Bom, eu acho que Iá acabaram tudo. Mas saiu um sargento com um tenente - o Manoel Bento(Benício)- que, aliás, foi um homem que lutou muito mesmo contra Lampião. Tanto, que ele falou que foi a maior covardia do Bezerra fazer o que fez com o Lampião. Lampião era homem pra morrer brigando no campo, lutando. Aí é que era bacana mesmo. Mas a covardia que eles fizeram... Então, aconteceu Isso tudo.
Ziraldo - Quem enterrava esses homens mortos em combate? Deixava tudo morto lá?
- Ficava lá, uai!
Millôr - O número de baixas...
- Bom, escapou muito pouco.
Ziraldo - Cê acha que morreram uns duzentos?
- Morreu mais.
Ziraldo - E do bando, morreu algum?
- Nem arranhão.
Jaguar - Você nunca foi ferido, não?
- Já, já.
Millôr - Essa batalha é mais uma demonstração do temperamento pacífico do povo brasileiro...
...Jaguar - E como foi o seu ferimento?
- Foi em batalha. Mas essa foi de noite. Nós tava dormindo quando eles atacaram. Eu levantei, chovendo muito, de noite, ninguém via nada. Só via chuva relâmpago e mais nada. Aí, a gente olhava eles assim...
Sérgio Cabral - Vocês estavam dormindo ao relento, ou debaixo de uma pedra?
- Nós tava no relento, Quer dizer, o Lampião mesmo tava dentro de casa, na fazenda. Mas os outros mesmo é que não quiseram. Eu mesmo, nunca gostei disso não. Nunca gostei de dar sopa assim não.
Sérgio Cabral - Você dormia, mesmo com chuva e tudo?
- Com chuva, mas a chuva começou depois, quando começou o tiroteio. Eles cercaram a casa...
Aparício - Isso foi onde?
- Foi em Santa Rosa, Bahia. Todo esse negócio foi lá na Bahia. Só a de Serra Grande é que foi lá pro Pernambuco. Mas o resto foi tudo em Bahia, Bahia foi que mais teve esse negócio. Aliás, eu vou dizer uma coisa. Olha, o medo faz coisa, o medo faz tudo. As vezes, o camarada na cadeia dele, cheia de presos, e gente que diz: "Bom, fulano é um criminoso bárbaro". Mas num é. É porque, justamente, um homem forte, que eu tô vendo que não vou ganhar nas mãos, que é que eu vou fazer? Vem em cima. Eu vendo que vou morrer, logo to tirando ele fora do mapa.
Ziraldo - Instinto de defesa.
- É uai, eu tenho que me defender: Então, tem isso que eu digo. É por isso que as cadeias tão cheias. Outros não têm quem briga por eles. Vai lá, fica toda vida. Morre lá, porque num tem quem chore por aquela pessoa.
Millôr - Volta Seca, você viveu essa vida toda até ser preso. Você foi preso com 14 anos. Naquela época já tinha cinema?
- Mas era mudo.
Millôr - Mas você ia ao cinema?
- Ia.
Millôr - Mesmo no bando do Lampião você saia?
- Não, não, Bom, nós fomos uma vez, em Capela de Aparatuba. (Japaratuba)
Ziraldo - Que filme era?
- Eu num lembro, porque nós chegamos lá de noite e Lampião foi logo cortando os fios do telefone e tudo. E nós fomos assistir o filme. Assistíamos o filme e ficava dois sentinelas na porta, e o resto tava tudo apreciando.
Ziraldo - Era bom o filme?
- Ah! Era bom.
Ziraldo - O que é que o Lampião fazia, o que é que ele queria, ou ele só fugia da polícia? Ele atacava as fazendas, vingava as coisas que ele queria vingar, ele botava fogo nas fazendas? O que é que o bando fazia quando num tava sendo perseguido pela polícia?
- Tava descansando, brincando, conversando, dançando, fazendo bane. Porque quando nós tava com 90 homens a gente mandava mesmo: "Pode dizer a eles que nós estamos aqui".
Jaguar - Mas baile com quem, só de homens?
- Não, de mulher também. Porque no lugar que nós chegava não corria ninguém. Mas quando dissesse: "A polícia vem aí". Não ficava ninguém do bando. Mas num ficava ninguém mesmo.
Jaguar - Cê tava contando o seu ferimento. Tava dormindo, começou a chuva, vieram atacar...
- Pois é, aí nós começamos a brigar. Mas quando deu noite, a gente só via um quando o relâmpago vinha. Então, foi aí que eu fui baleado.
Jaguar - Onde?
- Eu fui baleado aqui no braço.
Jaguar - Quase no mesmo lugar da facada, né?...
...Ziraldo - Quem te socorreu foi o próprio pessoal do bando?
- Foi.
Ziraldo - Quem tirou a bala foi Lampião mesmo?
- Foi, foi ele mesmo. Ele tirava com a tesoura.
Millôr - Mas esquentava a tesoura?
- Não, nada disso.
Millôr - Na raça, né?
- É. Ele ia ali, colocava no buraquinho, triscava. Ia olhando, ia olhando... Quando achava, empurrava mais pra dentro, agarrava e trazia.
Aparício - Conta-se também que ele ajudava, muita gente, né?
- O Lampião ajudava multa gente, protegia. O que ele não gostava mesmo era desses, como se diz, caguete. Esses lingudos, tudo que vê, eles querem bater com a língua.
CONTINUA...
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/entrevista-de-volta-seca-jornal-o.html
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Pois bem professor Mendes, esta é a oitava parte da vida do Menino Volta Seca que muito tem me ajudado. Creio que já se aproxima o final de toda história de um dos mais novos jovens que ingressaram no cangaço, ou, quiçá, o mais jovem.
ResponderExcluirAbraços,
Antonio José de Oliveira