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sábado, 2 de novembro de 2013

LAMPIÃO Cangaceiro: 1898 – 1938 - Raso da Catarina - Parte V

Por: Hélio Pólvora

Nada a ver com anatomia feminina; tampouco com o baixo- ventre de alguma sertaneja arretada. O raso é uma região de cerca de 38 mil km2 ,no centro-leste da Bahia, entre os rios Vasa-Barris, ao sul, e o São Francisco, ao norte. 

Área inóspita, de escassa água salobra e fundos solos arenosos. Hoje é reserva biológica em que se tenta, além de outros empreendimentos, preservar a bela arara azul. Terra extremamente árida, cobre-a uma vegetação espinhosa e cortante. Alguém chamou- a de sarçal ardente – e, afora o Conselheiro com o seu cajado e camisolão sujo, ninguém ali se materializa para ditar mandamentos. Predominam o xique-xique, as palmatórias, a macambira, os rabos- de-raposa. Tudo entrançado. Reses que ali entram são consideradas perdidas pelos vaqueiros mais afoitos, embora se assevere que onde passa lombo de cavalo passa o cavaleiro. 

Quando governos estaduais pressionados por grandes usineiros de açúcar e pecuaristas organizaram grupos militares e paramilitares para a caçada que se encarniçou nos últimos dez anos de estripulias do cangaceiro (o governo da Bahia chegou a oferecer 50 contos de réis, em 1930, a quem o prendesse ou matasse), o Rei Vesgo entrou com sua tropa no Raso da Catariana. Andava a fugir de uma jurisdição para outra. 

O raso revelou-se um esconderijo satisfatório. É certo que as forças volantes (os “macacos”, como eram chamados, porque saltavam como símios ante o silvo e ricocheteio das balas jagunças), conduzidas pelo legendário rastreador pernambucano Antônio Cassiano, seguiram as pegadas de Lampião. Mas este conhecia o Nordeste palmo a palmo, pedra a pedra, loca atrás de loca. Sabia onde e como acampar e vigiar. Tinha algumas estratégias de guerrilha. Era um Napoleão encourado, com um tropicalista chapéu tricórnio de barbicacho e que se dava ao luxo da companhia de sua Josefina — a Maria Bonita de quem se falará adiante. 

Ardis lhe sobravam. Por exemplo: mandar inverter os saltos e bicos dos sapatões ou alpercatas, para fazer crer que deixava o Raso, em vez de nele embrenhar-se; marchar em fila indiana, todos pisando nas mesmas pegadas, enquanto um, de costas, as desfazia com ramos de arbustos; ou então simulava a pegada de um caminhante único. Atacava e recuava para entrincheirar-se e atrair o inimigo. Sabia cavar e furar raízes de umbuzeiro para obter água, e tirá-la também do âmago de certas bromeliáceas. O escritor Ranulpho Prata descreve no livro Lampião a ambiência rude e quente, o faro do rastejador, as escaramuças, o acampamento desfeito num átimo, a fuga para outras virilhas do Raso da Catarina — um esconderijo bordejado pelas cidades e povoados de Paulo Afonso, Jeremoabo, Canudos e Mucuruté. Em Canudos, entre 1893 e 1897, tombaram trinta mil combatentes: soldados e fanáticos do visionário Antônio Conselheiro, adepto do regime monárquico. Canudos não se rendeu; acabou, como diz Euclides no fecho de Os Sertões.

 http://www.vidaslusofonas.pt/lampiao.htm
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