Por Guaipuan Vieira(*)
Foto do acervo do Robério SantosLampião, Cangaço e
Nordeste
Embora o
cognome seja o mesmo, não estou falando do sargento PM João Augusto da Silva
Filho, o “Joãozinho Catanã”, acusado de comandar um grupo de extermínio no
Ceará. Mas de Joaquim Leandro Marciel, ou Francisco de Assis Brasil, o Catanã,
pistoleiro de dupla identidade, que aterrorizou os Estados da Paraíba, Ceará e
Piauí na década de 50 e que ainda suas façanhas são lembradas por populares nas
capitais desses estados.
Catanã nasceu
na Paraíba, em São João do Rio do Peixe, proximidades de Cajazeiras, região
temida por Zé Cazuza, pistoleiro famoso, com centenas de mortes em todo o
sertão da Paraíba. Foi preso pelo sargento Irineu Rangel, delegado de Souza, a
mando do governador João Suassuna, que decidira acabar com o banditismo.
Com histórico
de muitos bandidos, Catanã estreou no mundo do crime aos dezessete anos, para
vingar a morte do pai, pequeno agricultor da região, que por disputa de terra
terminou assassinado. Aos vinte anos, por uma boa oferta de um fazendeiro,
ingressou no crime de encomenda, deixando ao longo dos janeiros um rastro de
sangue, descrevendo uma vida pregressa, acobertada por mandantes “coronéis”,
fazendeiros e políticos daquela região. Fugindo do cerco policial, refugiou-se
em Valença, no Piauí, onde conseguiu mudar de identidade e viver alguns anos
como pequeno agricultor.
Em 1947,
passou a morar em Crateús, no Estado do Ceará, onde segundo o senhor Jafé
Gonçalves de Oliveira, 81 anos, morador antigo daquele município, foi pago
pelos Belos, família de poder aquisitivo em Novo Oriente/CE, para matar o
comerciante Raimundo Ximenes, que estava estabelecido em São Luiz do Maranhão,
acusado de mandante da morte de João Belo, sendo que o crime praticado fora
pelo próprio cunhado de Belo.
Em São Luis,
Catanã passou-se por vendedor de joias para se aproximar do desafeto. Ao
certificar-se de que se tratava de uma pessoa trabalhadora, resolveu não
praticar o crime, recebendo de Ximenes pagamento para deixá-lo em paz e com o
pedido de não executar o mandante, fato que revoltou o pistoleiro porque tinha
essa intenção.
As histórias
que envolvem a vida criminosa de Catanã são vastas. A sequência de crimes
atribuídos, às vezes ceifando a vida do próprio mandante, quando percebia
traição, o deixa em torno de um misto de Billy The Kid e Lampião.
Na capital
cearense, na Praça do Ferreira, conhecida como o coração de Fortaleza, também
são lembradas as façanhas do Maior pistoleiro daquela década, que na opinião do
senhor Raimundo Ferreira da Silva, aposentado, 82 anos, “era hábil no gatilho,
nem todo policial tinha coragem de enfrentá-lo, só foi preso porque foi pego
desprevenido”, conclui. De Patos na Paraíba, o poeta popular Antônio Américo de
Medeiros, forneceu-me estrofes do folheto de cordel Pistoleiros do Nordeste,
edição de 1990, autor anônimo, onde o poeta faz uma retrospectiva do banditismo
no Nordeste, transparecendo ao leitor que a prática da pistolagem é território
sem domínio da força Pública: “O cangaço foi banido/ no Nordeste brasileiro/
mas o crime de aluguel / do perverso pistoleiro/ é território sem lei/ a
polícia não dar frei/ reina o gatilho certeiro/. Na Paraíba reinaram/em uma
década passada/Zé Cazuza e Catanã/ sem perderem a empreitada/ no sertão
alagoano/ Chapéu de couro tirano/ fez a sua diabada. No Ceará foi Mainha/ um
temível pistoleiro/ depois dele outros vieram/não acaba o justiceiro/” (...)
Na Praça Rio
Branco, em Teresina/PI, logradouro que serve de encontro de aposentados,
artistas populares e de vendedores ambulantes, tive a oportunidade de ouvir
várias histórias ao seu respeito, uma delas comentou o senhor Abílio Pereira de
Sousa, servidor público aposentado, 80 anos, que um das peculiaridades de
Catanã era ao ver a foto da vítima e expressar euforicamente: “já estou com
raiva”.
Na capital
piauiense, o perito criminal Delfino Vital da C. Araújo, que conheceu o temível
pistoleiro, fez uma retrospectiva de sua história, informando que a prisão do
mesmo ocorreu no início da década de 60, em Fortaleza, e fora recambiado para a
capital piauiense pelo tenente Veras, acusado de matar um motorista de um jipe,
para roubar o veículo, nas proximidades da cidade de Demerval Lobão, município
metropolitano da capital do Estado. O serviço de inteligência da Secretaria de
Segurança, suspeitando que o mesmo tinha outros envolvimentos, abriu uma linha
de investigação, oportunidade em que foi descoberta a vida pregressa daquele a
que era arguido a própria personificação do Mal, ou imbatível pistoleiro.
Uma entrevista
sobre o bandido foi publicada, na época, em reportagem de Deoclécio Dantas,
para o jornal Folha da Manhã, artigo que está contido em seu livro Dá Licença,
Editora Halley, edição 2001. Nele, o jornalista esclarece que em tempos idos
teve oportunidade de entrevistar, na penitenciária de Teresina, hoje abrigando
o estádio Verdão, o temível pistoleiro, condenado a 30 anos de reclusão, mas
incluído na soma de detentos de bom comportamento carcerário. Vivia cercado de
livros com intuito de estudar o curso de direito e demonstrava arrependimento
das vidas ceifadas, muitas delas pelo prazer de “ver a capemba do olho virar”.
Segundo o jornalista, após a publicação da longa matéria, Catanã fora
denunciado por um outro presidiário, de que aproveitava as saídas nos finais de
semana para continuar a prática delituosa (matar gente), e que acabara de assassinar
um policial na cidade de Macau, Rio Grande do Norte, fato comprovado na época
pela investigação do capitão Astrogildo Sampaio, designado pela Secretaria de
Segurança Pública. Catanã, que vinha sendo investigado pela Polícia piauiense,
foi encontrado morto, numa casa no bairro Piçarra, vítima de envenenamento,
como queima de arquivo ou desavença pela partilha do lucro, deixando
incompletas páginas de um novo inquérito e observações pela crônica policial: o
crime de pistolagem continuará um continente sem fronteiras, um território sem
lei, envolto em uma sequência de fatores ligados à questão sócio-econômica, frequente
em Estados como Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte e
Piauí, onde o silêncio é garantia de vida para a população menos favorecida.
(*)Guaipuan
Vieira é poeta, Membro da Associação Cearense de Imprensa e da Academia
Municipalista de Letras do Estado do Ceará –AMLECE - cadeira nº 02
http://www.meionorte.com/josefortes/as-facanhas-do-pistoleiro-catana-67956.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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