Seguidores

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

“O GLOBO” – 01/02 DE SETEMBRO DE 1971 - CAPÍTULO II

(Texto de Maura Estáquia de Oliveira) - Material do acervo do pesquisador do cangaço Antonio Corrêa Sobrinho
O único cangaceiro que comandou Lampião

BELO HORIZONTE – Apesar de sua excelente memória, Sebastião Pereira não sabe precisar a data em que os três irmãos Ferreira – Virgulino, Livino e Antônio – entraram para o seu grupo. “Deve ter sido lá pro fim de 1919. Em outubro, talvez. Mas lembro bem que todos três eram cabras valentes”.

Também foi a perseguição política que fez com que os Ferreira se resolvessem pelo cangaço. É Sebastião quem conta:

- Segundo meus companheiros, o mais bravo era Antônio. Mas Virgulino fez-se logo meu amigo, compadre e meu braço direito. Ia para todo canto comigo. Nunca achei falta nele. Livino era um doido: matava com fúria e crueldade. Todos o temiam. Era um cabra perigoso.

Chico Maranhão conta que uma vez foram cercados por uma volante, em Tabuleiro. Junto com ele estava o cangaceiro Dé, que hoje é major reformado da Força Pública de São Paulo.

- O negócio estava feio. No meio do tiroteio um dos meus homens ficou com medo e queria que nos entregássemos. Antônio Ferreira pulou de trás de uma pedra e gritou: “Cabra macho morre lutando. Estouro os miolos do primeiro que se render”. A luta foi dura mas acabamos conseguindo fugir.

Sebastião Pereira lembra-se bem das conversas que tinha com Lampião: “Virgulino não gostava do cangaço”. Mas dizia que não estava ali “por vontade”. Achava que havia sido a sua sina. Jurara vingar seu pai e as perseguições que sua família havia sofrido e não descansaria antes de matar José Saturnino e o tenente José Lucena.

- O velho Ferreira podia morrer não. “Tava” descascando milho “assossegado” – dizia Lampião -. Nem se defendeu. A mãe morreu de desgosto e “aperreação”. Me queixo estar nessa vida que agradeço ao peste do Lucena.

ÚLTIMOS TEMPOS

A audácia faz parte do jogo de morte entre volantes e cangaceiros. Sebastião Pereira era dos cabras mais valentes do sertão pernambucano. Uma vez, depois de escapulir de um cerco em Bom Nome, foi para o Pajeú e lá juntou-se com outros de seus homens, entre os quais estavam os irmãos Ferreira. Mandou, então, um convite ao capitão José Caetano: “Se quiser brigar eu te espero na Carnaúba”. O oficial aceitou o desafio e marchou com sua tropa. Sebastião esperou mesmo. Os cangaceiros, entrincheirados na casa-grande da fazenda Carnaúba, atiravam pelas “torneiras” (buracos abertos nos cantos das paredes) e sustentaram, por longo tempo, cerrado tiroteio. O boticário Chico Maranhão guarda uma triste lembrança dessa batalha:

- Na luta, Luiz Macário, cabra de toda confiança, foi morto pelos volantes. Era um caboclo forte, raçudo, bom de pontaria e no corpo-a-corpo. Ele às vezes me dizia: “Cumpade”, por aqui tem jeito não. Ou a gente é cangaceiro ou é “macaco”. “Macaco” ganha 90 mil réis por mês. É melhor ser cangaceiro. Sertanejo só ganha “sufrimento” e “aperreação”.

Em 1919, Sebastião Pereira e Luiz Padre fizeram a primeira tentativa de abandonar o cangaço. A conselho do padre Cícero Romão decidiram pendurar as armas e começar vida nova em outras terras. O padim Ciço, como era conhecido no sertão, tinha grande influência sobre os cangaceiros. Todos o respeitavam e ouviam seus conselhos. Até mesmo Lampião.

- Estive com ele, pela primeira vez, antes de entrar para o cangaço – conta Sebastião Pereira -.  Em Juazeiro, os peregrinos dormiam em taperas, depois de abandonar casa e propriedades, para ouvi-lo. Ele falava de esperança e dias melhores. E isto era tudo que o sertanejo desejava. Morriam por ele se fosse preciso. Ele só queria o bem, mas nem sempre sabia o melhor caminho. E o povo acabou mergulhado naquele fanatismo doido.

Quando padre Cícero aconselhou Sinhô Pereira a deixar o cangaço, ele decidiu ouvi-lo. Combinou com Luiz Padre seguirem por caminhos diferentes até São José Duro, em Goiás. Alguns companheiros decidiram segui-los.

- Quando eu estava em Caracol, no Piauí – lembra Sebastião - fui cercado por uma volante, à qual se juntaram os jagunços do fazendeiro João Mão de Bola. Na luta morreram o fazendeiro e o cangaceiro Deodado. Enfurecido resolvi voltar a Pernambuco e reassumir o comando de meus homens.

RECOMEÇA TUDO

Sebastião Pereira continuava com os volantes em seu rastro. Andava sobre cercas e pedregulhos, para despistar. Dormia em grutas e ocos de árvores. Quando encontrava gente amiga, descansava, matava a fome e a sede.

Ao chegar a Pernambuco, logo reuniu seu grupo e aumentou o bando. Mas já não queria continuar no cangaço. Em 1923 decidiu, novamente, deixar a caatinga. Nesta época, do grupo de 33 homens, muitos o seguiram. Doze, porém, ficaram sob a chefia de Lampião.

Conseguiu encontrar-se com Luiz Padre em São José do Duro, onde ele trabalhava como vaqueiro. A tratar do gado e a cuidar da terra pensava que suas lutas tivessem acabado. Mas ainda não foi desta vez:

- Um cabra mau caráter, chamado Abílio Volinei, seria mais um instrumento de ódio dos Carvalho na sua sede de sangue e de violência.
Peitaram Abílio para liquidar Sebastião e todos os seus amigos. Volinei matou José Inácio da Silva, fazendeiro amigo de Sinhô Pereira, e liquidou Antão e Clarindo, dois de seus ex-companheiros. Um dia, com um grupo de jagunços bem armados, cercaram a casa de Sebastião e Luiz Padre.

Os dois conseguiram fugir e juntaram-se a força do tenente Peri Alves Brito, que caçava os bandidos da região. Volinei e seus homens foram cercados. Muita gente morreu e os que se entregaram foram imediatamente fuzilados.

Sebastião lembra-se muito bem:

- No cangaço e no sertão era assim: não havia lugar para prisioneiros. Tive sorte com meu bando. Do meu povo os volantes nunca conseguiram prender ninguém. Quanto a coisa ficava preta, íamos para as aguadas e esperávamos a fúria passar.

AFINAL, VIDA NOVA

Fugindo sempre, ele o Luiz Padre conseguiram chegar a Patos de Minas. Trabalharam longos anos a campear o gado e a leva-lo para os locais de embarque e de corte. Com o tempo juntaram dinheiro e compraram uma pequena propriedade, onde passaram a criar porcos e galinhas e a plantar milho.

Estabelecido na vida, Sebastião mandou chamar Virgulino. “Mas ele não quis vir. Preferiu combater a coluna prestes, a pedido do padre Cícero. Ele não podia deixar o cangaço”.

Luiz Padre e Chico Maranhão (apelido que ganhou em Patos de Minas) casaram-se, tiveram filhos e netos. Hoje Chico Maranhão – o ex-terror das caatingas, Sinhô Pereira – está bem de vida. Tem uma boa propriedade e uma farmácia. E vive para o carinho que dá aos netos. Em Janeiro último voltou a Pernambuco, para ver a família:

- Estão todos bem de vida e controlando a política do Pajeú. Insistiram para eu ficar. Não quis. Minha presença pode reacender velhos ressentimentos. Estive na Serra Talhada, onde ainda mora João de Lucas, o João Piranha, para quem armei a minha primeira cilada. Achei o homem mais mole do que eu. Quase não pode mais andar. Ouvi dizer que ele queria falar comigo. Quis não. É melhor deixar como está.

Sebastião Pereira levantou a curiosidade da cidade toda: “Todos queriam me ver. Achei engraçado;  pra todo lado que eu fosse tinha uns 40 olhos em cima de mim.” A rivalidade entre as famílias continua. Quando Sebastião esteve em Pernambuco, chegou a haver um tiroteio. “Mas foi longe de onde eu estava.”

- Prefiro ficar aqui com meus netos, com minha farmácia. Aqui enterrei meu passado. Aqui recebi, sem surpresa, a notícia da morte do compadre Virgulino. Mas duvido que aquela cabeça fosse dele. Quero morrer aqui com meus parentes e meus amigos. Não quero recordar o tempo do cangaço. Dele só poderia dizer como Virgulino: Só trouxe fome, sede e nudez.

FIM

Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho O cangaço

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário