(Texto de
Maura Estáquia de Oliveira) - Material do acervo do pesquisador do cangaço
Antonio Corrêa Sobrinho
O único cangaceiro que comandou Lampião
BELO HORIZONTE
– Apesar de sua excelente memória, Sebastião Pereira não sabe precisar a data
em que os três irmãos Ferreira – Virgulino, Livino e Antônio – entraram para o
seu grupo. “Deve ter sido lá pro fim de 1919. Em outubro, talvez. Mas lembro
bem que todos três eram cabras valentes”.
Também foi a
perseguição política que fez com que os Ferreira se resolvessem pelo cangaço. É
Sebastião quem conta:
- Segundo meus
companheiros, o mais bravo era Antônio. Mas Virgulino fez-se logo meu amigo,
compadre e meu braço direito. Ia para todo canto comigo. Nunca achei falta
nele. Livino era um doido: matava com fúria e crueldade. Todos o temiam. Era um
cabra perigoso.
Chico Maranhão
conta que uma vez foram cercados por uma volante, em Tabuleiro. Junto com ele
estava o cangaceiro Dé, que hoje é major reformado da Força Pública de São
Paulo.
- O negócio
estava feio. No meio do tiroteio um dos meus homens ficou com medo e queria que
nos entregássemos. Antônio Ferreira pulou de trás de uma pedra e gritou: “Cabra
macho morre lutando. Estouro os miolos do primeiro que se render”. A luta foi
dura mas acabamos conseguindo fugir.
Sebastião
Pereira lembra-se bem das conversas que tinha com Lampião: “Virgulino não
gostava do cangaço”. Mas dizia que não estava ali “por vontade”. Achava que
havia sido a sua sina. Jurara vingar seu pai e as perseguições que sua família
havia sofrido e não descansaria antes de matar José Saturnino e o tenente José
Lucena.
- O velho
Ferreira podia morrer não. “Tava” descascando milho “assossegado” – dizia
Lampião -. Nem se defendeu. A mãe morreu de desgosto e “aperreação”. Me queixo
estar nessa vida que agradeço ao peste do Lucena.
ÚLTIMOS TEMPOS
A audácia faz
parte do jogo de morte entre volantes e cangaceiros. Sebastião Pereira era dos
cabras mais valentes do sertão pernambucano. Uma vez, depois de escapulir de um
cerco em Bom Nome, foi para o Pajeú e lá juntou-se com outros de seus homens,
entre os quais estavam os irmãos Ferreira. Mandou, então, um convite ao capitão
José Caetano: “Se quiser brigar eu te espero na Carnaúba”. O oficial aceitou o
desafio e marchou com sua tropa. Sebastião esperou mesmo. Os cangaceiros,
entrincheirados na casa-grande da fazenda Carnaúba, atiravam pelas “torneiras”
(buracos abertos nos cantos das paredes) e sustentaram, por longo tempo,
cerrado tiroteio. O boticário Chico Maranhão guarda uma triste lembrança dessa
batalha:
- Na luta,
Luiz Macário, cabra de toda confiança, foi morto pelos volantes. Era um caboclo
forte, raçudo, bom de pontaria e no corpo-a-corpo. Ele às vezes me dizia:
“Cumpade”, por aqui tem jeito não. Ou a gente é cangaceiro ou é “macaco”.
“Macaco” ganha 90 mil réis por mês. É melhor ser cangaceiro. Sertanejo só ganha
“sufrimento” e “aperreação”.
Em 1919,
Sebastião Pereira e Luiz Padre fizeram a primeira tentativa de abandonar o
cangaço. A conselho do padre Cícero Romão decidiram pendurar as armas e começar
vida nova em outras terras. O padim Ciço, como era conhecido no sertão, tinha
grande influência sobre os cangaceiros. Todos o respeitavam e ouviam seus
conselhos. Até mesmo Lampião.
- Estive com
ele, pela primeira vez, antes de entrar para o cangaço – conta Sebastião
Pereira -. Em Juazeiro, os peregrinos
dormiam em taperas, depois de abandonar casa e propriedades, para ouvi-lo. Ele
falava de esperança e dias melhores. E isto era tudo que o sertanejo desejava.
Morriam por ele se fosse preciso. Ele só queria o bem, mas nem sempre sabia o
melhor caminho. E o povo acabou mergulhado naquele fanatismo doido.
Quando padre
Cícero aconselhou Sinhô Pereira a deixar o cangaço, ele decidiu ouvi-lo.
Combinou com Luiz Padre seguirem por caminhos diferentes até São José Duro, em
Goiás. Alguns companheiros decidiram segui-los.
- Quando eu
estava em Caracol, no Piauí – lembra Sebastião - fui cercado por uma volante, à
qual se juntaram os jagunços do fazendeiro João Mão de Bola. Na luta morreram o
fazendeiro e o cangaceiro Deodado. Enfurecido resolvi voltar a Pernambuco e
reassumir o comando de meus homens.
RECOMEÇA TUDO
Sebastião
Pereira continuava com os volantes em seu rastro. Andava sobre cercas e
pedregulhos, para despistar. Dormia em grutas e ocos de árvores. Quando
encontrava gente amiga, descansava, matava a fome e a sede.
Ao chegar a
Pernambuco, logo reuniu seu grupo e aumentou o bando. Mas já não queria
continuar no cangaço. Em 1923 decidiu, novamente, deixar a caatinga. Nesta
época, do grupo de 33 homens, muitos o seguiram. Doze, porém, ficaram sob a
chefia de Lampião.
Conseguiu
encontrar-se com Luiz Padre em São José do Duro, onde ele trabalhava como
vaqueiro. A tratar do gado e a cuidar da terra pensava que suas lutas tivessem
acabado. Mas ainda não foi desta vez:
- Um cabra mau
caráter, chamado Abílio Volinei, seria mais um instrumento de ódio dos Carvalho
na sua sede de sangue e de violência.
Peitaram
Abílio para liquidar Sebastião e todos os seus amigos. Volinei matou José
Inácio da Silva, fazendeiro amigo de Sinhô Pereira, e liquidou Antão e
Clarindo, dois de seus ex-companheiros. Um dia, com um grupo de jagunços bem
armados, cercaram a casa de Sebastião e Luiz Padre.
Os dois
conseguiram fugir e juntaram-se a força do tenente Peri Alves Brito, que caçava
os bandidos da região. Volinei e seus homens foram cercados. Muita gente morreu
e os que se entregaram foram imediatamente fuzilados.
Sebastião
lembra-se muito bem:
- No cangaço e
no sertão era assim: não havia lugar para prisioneiros. Tive sorte com meu
bando. Do meu povo os volantes nunca conseguiram prender ninguém. Quanto a
coisa ficava preta, íamos para as aguadas e esperávamos a fúria passar.
AFINAL, VIDA
NOVA
Fugindo
sempre, ele o Luiz Padre conseguiram chegar a Patos de Minas. Trabalharam
longos anos a campear o gado e a leva-lo para os locais de embarque e de corte.
Com o tempo juntaram dinheiro e compraram uma pequena propriedade, onde passaram
a criar porcos e galinhas e a plantar milho.
Estabelecido
na vida, Sebastião mandou chamar Virgulino. “Mas ele não quis vir. Preferiu
combater a coluna prestes, a pedido do padre Cícero. Ele não podia deixar o
cangaço”.
Luiz Padre e
Chico Maranhão (apelido que ganhou em Patos de Minas) casaram-se, tiveram filhos
e netos. Hoje Chico Maranhão – o ex-terror das caatingas, Sinhô Pereira – está
bem de vida. Tem uma boa propriedade e uma farmácia. E vive para o carinho que
dá aos netos. Em Janeiro último voltou a Pernambuco, para ver a família:
- Estão todos
bem de vida e controlando a política do Pajeú. Insistiram para eu ficar. Não
quis. Minha presença pode reacender velhos ressentimentos. Estive na Serra
Talhada, onde ainda mora João de Lucas, o João Piranha, para quem armei a minha
primeira cilada. Achei o homem mais mole do que eu. Quase não pode mais andar.
Ouvi dizer que ele queria falar comigo. Quis não. É melhor deixar como está.
Sebastião
Pereira levantou a curiosidade da cidade toda: “Todos queriam me ver. Achei
engraçado; pra todo lado que eu fosse
tinha uns 40 olhos em cima de mim.” A rivalidade entre as famílias continua.
Quando Sebastião esteve em Pernambuco, chegou a haver um tiroteio. “Mas foi
longe de onde eu estava.”
- Prefiro
ficar aqui com meus netos, com minha farmácia. Aqui enterrei meu passado. Aqui
recebi, sem surpresa, a notícia da morte do compadre Virgulino. Mas duvido que
aquela cabeça fosse dele. Quero morrer aqui com meus parentes e meus amigos.
Não quero recordar o tempo do cangaço. Dele só poderia dizer como Virgulino: Só
trouxe fome, sede e nudez.
FIM
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho O cangaço
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário