Por Rangel Alves
da Costa*
O cangaço foi
verdadeiro destino e sina para muita gente sertaneja. Foram diversas as
motivações que - numa junção de fatores - permitiram que o sertanejo
enveredasse pelos difíceis e perigosos caminhos do cangaceirismo. Desde o
encantamento do homem perante aquele mundo surrealista à necessidade de
compartilhar no combate às injustiças, tudo podia conduzir ao cangaço. Mas se
assevere que nenhum se tornou cangaceiro por acordo ou em troca de qualquer
favor.
Virgulino
Ferreira da Silve, o Lampião, líder máximo de quantos chefes cangaceiros já
existiram nas terras nordestinas, é exemplo maior de como o homem, tantas
vezes, tem seu destino forjado pelos acontecimentos. Mesmo nascido e crescido
numa região violenta, de rixas e disputas sangrentas, teve que sentir no sangue
familiar jorrado o seu destino marcado. E quando foi além da vingança chamou
para si um caminho sem volta. Fruto do meio hostil, revoltosa cria da violência
e da injustiça, de repente já havia se transformado em ponta de espinho.
Os primeiros bandos
surgidos, portanto antes do aparecimento de Lampião, eram formados por
sertanejos cujas motivações não eram outras senão ter ao seu alcance um meio de
expressar suas iras e revoltas. Alguns viam no bando um escudo contra
perseguições de outros crimes praticados, mas a maioria via no grupo organizado
uma forma de empunhar armas contra as perseguições, as tiranias, o poderio
cruel dos latifundiários e coronéis e a submissão imposta ao pobre sertanejo.
Logicamente que não havia nenhuma ideologia, mas simplesmente a vontade de
combater aquilo tido como mal que assolava o sertão.
Mas é preciso
que se lance um olhar ao contexto social das terras nordestinas onde o cangaço
foi germinando. Se ainda hoje a pobreza extrema é ainda encontrada por todo
lugar, naqueles idos a situação era ainda mais estarrecedora. O homem vivia da
terra e esta estava nas mãos de uns poucos poderosos. A estes tinha de se
submeter não só para sobreviver como para continuar vivendo. Era uma realidade
marcada pelo jugo coronelista, pelo abandono do Estado, onde a lei era tida
como carta marcada à disposição do poder.
O homem
empobrecido, encabrestado e sob o jugo do poder, se via de mãos e pés atados
por cima do seu próprio chão. Não podia contar com a lei sem se ajoelhar
perante o coronel, não podia sobreviver com dignidade sem deixar uma parte de
si escravizada pelo mando, não podia bradar sua revolta e indignação para não
ser prontamente vitimado. Era uma situação de agonia e desesperança. Sem a
terra, sem um ofício digno, muitos acabaram prestando serviços de sangue aos
poderosos. Tornaram-se matadores, jagunços, sanguinários.
Só havia um
meio de lutar contra essa situação, esse estado de abusos: empunhando armas e
lutando contra o poder, o Estado, as forças tidas como legais, mas que não
passavam de mecanismos de perecimento total das forças do homem. E assim foram
se reunindo em grupos, num misto de homens deserdados da terra, perseguidos,
revoltosos e dispostos a contestar pela voz da arma a violência já desde muito
enraizada. Rudes, brutais, cheios de ódio, dispostos a enfrentar qualquer
perigo, assim eram aqueles primeiros bandoleiros. E não foi muito diferente daí
em diante, pois as motivações persistiram.
Desse modo,
para muitos o cangaço surgiu como sina após as forças poderosas de então
impedir seus destinos de homens trabalhadores e desejosos apenas de meios
produtivos para sobreviver. Se a sina de sofrimento estava sendo imposta pelos
donos das terras, das leis e da vida, então que o destino fosse forjado no
combate aos algozes. E os carrascos do desvalido nordestino eram sempre os
promotores das injustiças, ainda que muitas vezes os líderes cangaceiros tenham
pactuado com os poderes em troca de proteção, armamento e dinheiro.
Por outro
lado, numa fase posterior, o chamado ao cangaço se deveu também ao encantamento
provocado pelo bando, principalmente as feições ensolaradas e cativantes dos
cangaceiros. Muitos jovens sonharam e depois enveredaram pelos caminhos da luta
sangrenta tão somente pelo maravilhamento e ilusão de um mundo cheio de nobres
aventuras. A visão da cangaceirama como pessoas valentes, como guerreiros
invencíveis, bem como pela suntuosidade das vestimentas, dos ornamentos e
armas, também fez despertar o interesse de muitos descontentes com as mesmices
sertanejas.
Já outros
viram no cangaço um tipo de acerto de contas, uma oportunidade de dar respostas
aos abusos costumeiramente praticados pelas autoridades contra os desvalidos
homens da terra. O caso de Zé de Julião, o cangaceiro Cajazeira, é exemplar.
Depois de presenciar tantas violências e arbitrariedades praticadas pela
polícia, bem como após afirmar que não suportava mais aceitar calado as
contínuas extorsões cometidas contra seu pai, um próspero fazendeiro sertanejo,
decidiu seguir os destinos do cangaço para combater o opressor. E foi aceito no
bando, juntamente com sua jovem esposa Enedina.
Cada um com
sua justificativa, suas motivações, mas todos vendo no cangaço uma forma de
luta contra um mal maior. Luta esta historicamente incompreendida,
principalmente porque a guerra cangaceira não foi contra nenhum inocente, mas
contra o poder opressor.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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