Domingos Sávio professor da URCA doutor em sociologia
A romaria do
Caldeirão é uma das tradições mantidas do registro histórico (Fotos: Elizângela
Santos).
Grande parte
das vítimas do Caldeirão foi enterrada em uma vala comum e até hoje não se tem
notícia do local exato. Há suspeitas que tenha sido na Serra do Cruzeiro.
Crato. Após
80 anos do fim de uma das mais emblemáticas experiências de comunidade rural no
Brasil, pesquisadores e poder público voltam a debater a temática do Caldeirão
da Santa Cruz do Deserto em seminário, a ser realizado nos dias 12 e 13 de
abril. Um projeto para o futuro será pensando de forma integrada, com a
perspectiva de iniciar os trabalhos de definição e estruturação de uma proposta
de atuação na área.
A pequena
propriedade adquirida pelo beato José Lourenço, líder da localidade, em Crato,
se tornou um oásis no meio do sertão esturricado. Para lá acorreram milhares de
homens e mulheres em busca de melhores condições de sobrevivência, no começo
dos anos de 1930. O local será formalizado, durante o evento, como geossítio, e
passará a integrar o território do projeto Geopark Araripe. O evento será
realizado no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri (Urca), em Crato.
Destruição
Historiadores
relatam que a comunidade chegou a contar com cerca de 3 mil pessoas. Há
controvérsias, mas os remanescentes falam do bombardeio que destruiu a vila e
dizimou moradores, no ano de 1936. Grande parte das vítimas do Caldeirão foi
enterrada em uma vala comum e até hoje não se tem notícia do local exato. Há
suspeitas que tenha sido na Mata dos Cavalos, na Serra do Cruzeiro, ou no
próprio Caldeirão.
Fazer o
caminho da Santa Cruz é uma forma de reavivar na memória uma das experiências
exitosas em coletividade, que terminou em tragédia, com a morte de crianças,
adultos e idosos. Trabalhadores rurais, homens e mulheres simples e que tinham
com líder o beato José Lourenço, um discípulo do Padre Cícero. Era uma ameaça
ao sistema. Um foco comunista num rincão distante do sertão nordestino. As
milícias do Exército Brasileiro e Polícia Militar do Estado agiram, juntamente
com o Ministério da Guerra de Getúlio Vargas. Oficialmente cerca de 400 pessoas
foram assassinadas. Extraoficialmente, mais de mil, com ataques aéreos. Há quem
diga que este fato não ocorreu.
Discussão
São muitas
perguntas a serem esclarecidas e por isso se torna importante fomentar esse
debate, diz a secretária de Cultura do Crato, Dane de Jade. Ela afirma que o
trabalho das instituições será uma tentativa de criar uma proposta única para o
Caldeirão.
O pensamento é
iniciar a estruturação dessa ideia a partir do seminário. Na palestra de
abertura, será feita uma abordagem ao patrimônio material e imaterial, dentro
do conceito da Unesco, pelo pesquisador português Artur Sá e o cientista social
Domingos Sávio, da Urca, que vai falar sobre "Visões de Mundo na Luta
Libertária do Caldeirão", como experiência de vida e um projeto que deu
certo na década de 1930.
O seminário
está sendo realizado por meio da Secretaria de Cultura e Urca, mas a pretensão,
segundo Dane, é fazer com que as outras instituições estejam reunidas para
realizar um projeto conjunto.
A história do
Caldeirão, mesmo após oito décadas, continua sendo debatida, mas a secretária
afirma que isso acontece diante de poucos elementos expostos ao longo desses
anos, dos fatos ocorridos no local.
"Ainda
não se sabe a fundo como é que essa memória do Caldeirão resiste e o que de
fato aconteceu. Há as dicotomias entre os próprios pesquisadores,
remanescentes, amantes da história, e pessoas que estavam envolvidas na época,
como o brigadeiro José Sampaio Macedo, que disse não ter bombardeado o
local", avalia Dane. Conforme ela, esse momento será uma provocação, para
o aprofundamento da pesquisa, como também de construir algo de fato para o
Caldeirão, buscando uma forma de organizar essa memória no tempo e no espaço.
Legado
Para o
pesquisador e doutor em sociologia da Urca, professor Domingos Sávio, é
necessário nesse momento a construção de um projeto, pela relevância histórica
e o legado simbólico de valores sociais libertários que o ambiente do Caldeirão
inspira. Ele defende a gestão da área pelo poder público e a universidade de
forma urgente, para proteção dos registros arqueológicos do sítio, como
ambiente educativo, histórico e antropológico, além da promoção do
desenvolvimento local sustentável.
Esse momento
se torna especial, conforme Sávio, já que, no Brasil, a história e a memória
social não têm sido adequadamente valorizadas. Há pouca pesquisa sobre a
memória social. "É o fundamento de qualquer cultura, suas visões de mundo
e estilo de vida. É na substância da memória que se dá a passagem
intergeracional de elementos simbólicos, materiais e imateriais, que
fundamentam os valores grupais e a coesão social. A memória do Caldeirão é rica
em referências culturais de um povo, mas apresenta também valores humanos
universais, como a igualdade e a liberdade", afirma. O pesquisador
classifica o Caldeirão como um dos mais belos casos da trajetória dos
trabalhadores do campo na busca ou luta por uma vida digna e autônoma no Brasil
e no mundo.
Durante o
seminário, a secretária de Cultura do Crato, Dane de Jade, afirma que as
diversas propostas já foram debatidas para o local, serão amplamente
discutidas. Uma oportunidade de interação entre instituições de interesse do
processo que, durante anos, vêm fornecendo elementos para que estudos sejam
realizados no âmbito da reforma agrária, de resistência de uma população que
chamou a atenção dos poderes constituídos da época e depois foi destruída.
Participação
O cineasta Rosemberg
Cariry participará de uma mesa de debates, no dia 13, com o tema O Caldeirão da
Santa Cruz do Deserto - memórias de ontem e hoje para a construção do amanhã,
com o historiador Régis Lopes e Maria Loreto, filha de remanescente, com
mediação da professora da Urca Fátima Pinho. Também será enfocada a
"Gestão Patrimonial, no Desafio de Gerenciar Processos Históricos e
Sociais Relevantes para Memória das Lutas Populares", em que participam
Luiz Paulo, do Parque Estadual de Canudos, na Bahia, Dane de Jade, além da
participação de representante do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan). Caldeirão, um projeto para o futuro: políticas públicas
participativas e gestão patrimonial, terá nos debates Paulo Campos, o reitor da
Urca, Patrício Melo e padre Vileci Vidal.
O filme
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, será exibido para o púbico, com a
participação do cineasta Rosemberg Cariry. Enquanto isso, será debatida a
gestão patrimonial do Caldeirão, com instituições como o Ministério da Cultura,
Secretarias de Cultura do Estado e do Município do Crato. O evento ainda
contará com oficina, no dia 14, mediada por Alexandre Gomes e Secretaria de
Cultura do Crato, sobre "Memória Social, Gestão Museológica e
Administração Pública: o papel e atuação da sociedade civil". (E.S.)
Trajetória
"O
Caldeirão é um dos mais belos casos de trabalhadores do campo na busca ou luta
por uma vida digna"
Domingos
Sávio- Professor da Urca / Doutor em Sociologia
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/mobile/suplementos/debate-enfoca-80-anos-do-caldeirao-1.1527212
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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