Por Verneck Abrantes
Suplício e cena de antropofagia lembra A Cruz da Menina de Pombal, a qual está
registrada no inquérito processual com apenas um nome: Maria. As narrações que
se faziam da sua breve e desventurada passagem pela vida, vinha sendo
repassadas de boca em boca, até que, no início dos anos de 1960
oficializaram-se os fatos, momento em que o historiador Wilson Seixas encontrou
nos arquivos do cartório do 1º ofício da nossa cidade, parte do processo contra
a mulher Donária dos Anjos, que no período da famigerada seca de 1877 foi presa
e quando interrogada, alegou em sua defesa que para não morrer de fome, matou a
criança e comeu-lhe a carne.
O Jornal estadual O Publicador, de 24 de abril de 1877, noticiou:
“A 27 de Março próximo findo a retirante Donária dos Anjos encontrou na casa do mercado da cidade de Pombal a menor Maria de cinco annos de idade, levou-a com o maior carinho para sua casa, próxima ao cemitério; ahi chegando, decapitou a mesma menor, enterrou a cabeça e comeu a carne do corpo da sua victima! Presa, Donária confessou este horroroso crime. Está sendo processada pelas autoridades da cidade”.
O inquérito com os fatos verdadeiros, a fim de apurar a responsabilidade do ato criminal e insanidade mental da jovem que praticou o crime, assim foi descrito:
“O Promotor Público da Comarca de Pombal, usando da faculdade que lhe confere a Lei, vem perante V. Sa., denunciar a Donária dos Anjos, pelo fato que passa a expor: chegando a denunciada, com a sua vítima, em seu antro, matou-a por meio de sufocação, decepou-lhe a cabeça, reduziu o corpo a diversos pedaços de carne, cozinhou parte deste, que comeu, guardou outros em uma moita onde foram devorados pelos cães. Num riacho que passa a pouca distancia do Cemitério, enterrou, à sombra de uma oiticica, a cabeça de sua desditosa vítima, que foi exumada”.
A Menina Maria, com apenas cinco anos de idade, com certeza estava procurando algo para comer, em frente à Casa do Mercado, localizada na antiga Rua do Comércio, a qual estava desabastecida por falta de víveres. Em sua distração, Maria estava a brincar com outras crianças, quando foi levada para o local do crime, com a promessa de receber algum alimento para saciar sua fome.
No rigoroso interrogatório que o Juiz mandou proceder, a ré Donária dos Anjos, ainda declarou sobre o seu ato de loucura:
“Que era natural do termo Piancó e ali residia, mas que se achava nesta cidade, quando foi presa, para onde se tinha retirado por causa da seca. Respondeu ter 18 anos de idade e que cometeu o crime oprimida pela grande fome que a afligia, e que se achava arrependida de o ter praticado”.
Da Menina Maria, foi preservada sua cabeça, mãos e pés (“por serem amargos”). O destino final e a história de vida de Donária dos Anjos, é incerto, sabem-se que foi condenada e permaneceu presa por um tempo indeterminado na Cadeia Velha de Pombal, hoje Casa da Cultura. Depois, debilitada e com sintomas de loucuras, devido às consequências dos infelizes anos de fome que a afligiu, passou a viver emocionalmente perturbada pelo remorso do horrendo crime que praticou, depois, com o tempo foi solta, momento em que retornou ao município da sua terra natal, onde naturalmente veio a falecer, marcada pelo resto da vida pela barbárie cometida.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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